Sem candidatura presidencial, o PSB vê, no momento, agravarem-se suas divisões, surgidas após a morte do ex-governador Eduardo Campos, em agosto de 2014. De acordo com os próprios líderes, o partido é hoje um pequeno MDB, uma federação de interesses regionais difusos e distantes da unidade que levaria à construção de um projeto nacional de poder.
Talvez seja por isso que a turma do PSB não para de contar histórias — algumas já se tornaram folclóricas em rodas de conversas na capital paulista — sobre as razões, indicações, os sinais, as dicas e as evidências de que a candidatura de Barbosa poderia se tornar um problemão.
O primeiro sinal amarelo teria acontecido na ocasião da filiação de Barbosa ao partido. Uma pequena recepção havia sido organizada em um hotel em São Paulo para brindar a chegada do potencial candidato à Presidência. Tudo havia sido planejado ao gosto do homenageado: brinde discreto, pouca gente, sem imprensa, sem bafafá. No dia 6 de abril, véspera do fim do prazo oficial de filiação, Barbosa não respondia ao WhatsApp, não atendia o celular, amigos não sabiam de seu paradeiro. No meio do dia, um emissário apareceu no hotel com a ficha de filiação assinada, e o ex-ministro continuou sumido. No dia seguinte, Barbosa se manifestou por uma nota distribuída à imprensa na qual dizia que “o PSB deixou claro que não me garante de antemão a legenda para uma possível candidatura à Presidência da República”. Luz amarela.
Passados uns dias, ele teve uma conversa com integrantes de sua “potencial futura provável” equipe de campanha. Quando foi questionado sobre haver algum modelo de candidatura que lhe apetecesse, ele foi enfático. “Gosto muito da campanha do Mitterrand no segundo mandato”, disse. “Ele nem precisou sair de casa”, pontuou. Um dos interlocutores ficou intrigado. O ex-presidente da França havia sido reeleito pela maioria dos votos. Era evidente que ele não precisara fazer campanha como alguém que se arriscava pela primeira vez nas urnas. Luz amarela de novo.
Foi quando a engrenagem do PSB começou a pensar no tipo de estrutura e programação que acomodaria alguém que achava que o melhor jeito de fazer campanha era não saindo de casa. Passaram a conversar sobre a estratégia de fazê-lo aparecer muito na imprensa e pouco nas ruas. Entendiam que ele não era o sujeito que subiria num carro de som e faria um discurso de microfone na mão sob sol a pino. Ele também não falaria muito de corrupção, porque já era muito identificado com o assunto. Sua principal bandeira trataria do “combate às máfias” do país: a da política, a do Judiciário, a do futebol, a da máquina pública. Também funcionaria concentrar-se muito na questão das desigualdades sociais — assunto que discute confortavelmente. Alguém chegou até a cogitar o slogan “Não vote em branco, vote em negro” — que foi rapidamente rechaçado.
Joaquim Barbosa era difícil de ser localizado, de responder a ligações e também às mensagens do grupo de celular do qual faziam parte figurões do PSB. Mas, até aí, ainda estava cedo.
No dia 19 de abril, na sede do PSB em Brasília, a cúpula do partido comemorava o resultado de pesquisa eleitoral que colocava Barbosa com 10% das intenções de voto — atrás de Bolsonaro, mas em 3o lugar, mesmo sem ainda haver se declarado candidato, em empate técnico com Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB). Na reunião marcada para tentar acertar os ponteiros com o ex-ministro do STF, a luz se tornou vermelha. Na porta da sede do partido, a corrente Negritude Socialista esperava Barbosa com uma chuva de pétalas de rosa e um cartaz com a mensagem “Joaquim Barbosa, aguardamos e acreditamos na sua chegada para unidos pensarmos um Brasil para todos”. Quando ele avistou a trupe, fez um muxoxo. Valneide Nascimento dos Santos, secretária nacional da Negritude Socialista, tentou abordá-lo, mas recebeu um corte: “Tenho horário”, respondeu, seco. Ávidos por um indicativo sobre a provável candidatura, os jornalistas o cercaram. Incomodado, ele tentou se desvencilhar sem pronunciar uma palavra e só reagiu quando um repórter perguntou se a demora para se decidir não poderia prejudicá-lo. “Who cares? (Quem se importa?)”, disse, em inglês.
O desconforto de Barbosa com os rituais da política ficou ainda mais evidente quando as portas da sala da reunião com os líderes do partido se fecharam. “Esta cadeira é insuportável”, comentou assim que se acomodou no assento. O ex-ministro tem problemas na coluna desde os tempos de Supremo. O presidente do partido, Carlos Siqueira, apressou-se em oferecer outra, mais confortável — que ele aceitou prontamente. Em seguida, Siqueira iniciou um discurso de boas-vindas, em que evocou o criador do PSB, Miguel Arraes, falou das origens do partido e saudou a vinda de Barbosa, uma pessoa que venceu na vida depois de sua família passar dificuldades financeiras na infância. Sem o menor traquejo para os salamaleques simbólicos da política, Barbosa interrompeu o discurso de Siqueira. Disse que pobreza era coisa de seu passado, que ele era de classe média havia décadas, que sempre teve boa condição social. “Então, vamos mudar essa conversa.” Barbosa dizia a verdade, mas, por vezes, os mitos valem mais na política. O constrangimento foi geral.
O rumo da conversa mudou. O presidente da Fundação João Mangabeira, Renato Casagrande, relatou ter elaborado um plano para promover reuniões pelo país, batizadas de “Conversa com Joaquim”, nas quais o pré-candidato seria apresentado aos correligionários. Mais uma vez, o ex-ministro foi curto e grosso. Disse que tinha um escritório de advocacia, pareceres jurídicos a elaborar e que não havia a menor possibilidade de participar desses debates por falta de agenda. Não queria, disse, promover mobilizações em torno de seu nome antes de se decidir pela candidatura.
Por fim, Barbosa ainda perguntou aos dirigentes o motivo de tantas pessoas (jornalistas e os integrantes do movimento negro) terem sido chamadas à sede do partido naquela tarde. Ouviu de Siqueira que quem atraía a atenção era o próprio ex-ministro. “Venho aqui todos dias e nunca tem ninguém”, respondeu o presidente do PSB. Luz vermelha, vermelha, vermelha. A reunião terminou mal.
Dezenove dias depois, Barbosa publicou o tuíte desistindo da candidatura. Avisou Carlos Siqueira, presidente do partido, apenas poucas horas antes de ao público em geral. Pegou a todos de surpresa. A engrenagem estava andando. O marqueteiro estava de passagem comprada para uma reunião com ele dali a dois dias. A jornalista Cristina Serra negociava seus honorários como porta-voz da campanha. Políticos regionais já o mencionavam em encontros com eleitores.
Com o fora de Barbosa, dirigentes socialistas dos mais variados grupos avaliam que o caminho mais provável em outubro seja a união com Ciro Gomes, pré-candidato do PDT. “O Ciro é o cara que mais nos deseja. De fato, ele não une todo o PSB, em razão das realidades regionais, mas, pelo menos, tem uma trajetória. Ele arruma em muitos lugares e desarruma alguns outros”, avaliou um dos líderes.
O governador de São Paulo, Márcio França, por exemplo, trabalha para que o partido libere seus diretórios na eleição presidencial, deixando explícitos os rachas estaduais. Candidato à reeleição, França vai apoiar Geraldo Alckmin, do PSDB, de quem herdou a cadeira em abril. O tucano tem mantido neutralidade na disputa paulista e, por enquanto, não participou de nenhum evento ao lado do pré-candidato de seu partido, João Doria, o que é conveniente para os planos de França.
Mas França não é o único empecilho para a adesão a Ciro. Em Pernambuco, estado ligado à história da sigla por causa de Eduardo Campos e de seu avô Miguel Arraes, o PSB vive um dilema. O PT tem cobrado caro para retomar a aliança local, suspensa desde 2012. Candidato à reeleição, o governador Paulo Câmara, do PSB, quer retirar da disputa a vereadora petista Marília Arraes. Neta de Arraes, prima de Campos e ex-militante do PSB, Marília é vista como ameaça a Câmara porque tem conseguido adesão de movimentos sociais e se valido da popularidade de Lula entre os pernambucanos. A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), já chegou a condicionar uma aliança com o PSB em Pernambuco ao apoio do partido à candidatura presidencial de Lula, que tem poucas chances de sobreviver até outubro por causa da Lei da Ficha Limpa. Sobre Joaquim Barbosa, um interlocutor importante do PSB comentou recentemente durante um café em um país estrangeiro: “Ele lê cinco jornais estrangeiros antes de ler os brasileiros. Ele queria ser o príncipe ou ser o presidente e ter um primeiro-ministro”.
Por Sergio Roxo, Epoca