A desilusão com o processo de escolha do novo presidente da República é evidente. A maioria dos eleitores não encontra um candidato que esteja sintonizado com o sentimento das ruas. Alguém que possa entusiasmar o país. Que pense o novo. Que elabore propostas originais. Que consiga expô-las e mostrar sua viabilidade. Que rompa com o senso comum, com o mesmismo, com a obviedade que acabou virando sinônimo de político brasileiro.
Vivemos a hora da xepa, a escolha é do menos estragado, do menos pior. E eleição não foi feita para isso. Deveríamos escolher os melhores, os mais preparados.
Este processo de desilusão está relacionado com o sistema político-jurídico que nasceu com a Constituição de 1988. Vivemos a turbulência mais longa e mais profunda da história da República. Há uma crise estrutural e não apenas conjuntural. As possibilidades de mudanças reais estão vedadas. A petrificação da estrutura é evidente. Não há sequer brechas, mesmo que mínimas. A eficácia para a preservação do mesmo desmoralizou a democracia. A desilusão do eleitor é a resposta a tudo isso. É o máximo que, por hora, pode fazer.
Nada indica que o Congresso eleito a 7 de outubro será melhor que o atual. A renovação habitual — em torno de 40% — deve se manter. Mas é enganosa. Há somente uma mudança nos nomes. As mesmas famílias, os mesmos interesses, continuarão a ser dominantes na vida parlamentar. O espetáculo da democracia — como se denominava antigamente a eleição — será, mais uma vez, uma ópera-bufa.
A seleção dos piores acabou, evidentemente, levando à falência das elites dirigentes. O empobrecimento moral associou-se à mediocridade intelectual. Que cena infame e vil. Meu Deus! Meu Deus! Que horror, como diria Castro Alves (que para os poderosos não passa de uma praça — ponto de partida dos trios elétricos no carnaval baiano). São Paulo é um bom exemplo. Em 1922, a célebre Semana de Arte Moderna teve como patrocinador a família Prado. E diversas ações culturais foram apoiadas pelos potentados locais. Cem anos depois, o quadro é muito diferente. O top é convidar para alegrar as suas festas Anitta, Pablo Vittar ou Jojo Todynho. E, se em 1954, quando do IV Centenário da fundação de São Paulo, William Faulkner, prêmio Nobel de literatura, visitou a cidade como convidado especial; hoje preferem os livros de algum padre de fancaria, um Santo Agostinho da decadência — e haja decadência.
O descaso com os rumos do país é muito claro quando nos aproximamos da elite financeira. Ela está no Brasil mas não vive aqui, apenas habita — há exceções, claro, mas são raríssimas. Seu mundo é, principalmente, os Estados Unidos e, secundariamente, a Europa. Lembra aqueles degredados do século XVI. O sonho é voltar à civilização — viver longe do Brasil. Quando tivemos de enfrentar e vencer o projeto criminoso de poder petista, que queria transformar o país numa Venezuela, o que fez o sistema financeiro? Silenciou, o que já seria um crime de lesa-pátria? Não, fez pior. Manifestou apoio ao PT até o final. Não custa recordar que Dilma Rousseff insistiu muito para que o presidente de um grande banco brasileiro fosse o seu ministro da Fazenda, quando do segundo governo. Só não obteve seu intento porque o banco não tinha um substituto para o cargo. Outro dirigente de banco, três meses antes do impeachment, deu uma longa entrevista a um periódico paulista defendendo de forma envergonhada a gestão petista, isto, volto a lembrar, quando o país já tinha conhecimento pleno do petrolão e as ruas eram ocupadas por milhões de brasileiros exigindo que a nossa bandeira não fosse vermelha. Ah se não fosse a classe média...
A falência das elites e a petrificação das estruturas de poder são as principais responsáveis pela crise estrutural. O processo eleitoral é apenas sua face mais visível. Aguardamos atônitos o que poderá acontecer a 28 de outubro, quando do segundo turno. O chamado centro lançou meia dúzia de candidatos e nenhum conseguiu entusiasmar. A direita tem um candidato que sequer poderia ser qualificado neste campo ideológico se estivesse na Europa — e que mal consegue expor uma ideia com um mínimo de coerência. Na esquerda, seu candidato mais forte está preso e condenado a 12 anos de prisão. Tivemos também pretensos candidatos que logo abandonaram a raia. Um é conhecido por animar auditórios aos sábados; outro por treinar times de voleibol e o último porque presidiu o STF por algumas semanas. O primeiro dissertava platitudes — o máximo que poderia abstrair; o segundo é considerado um motivador de equipes (o que é isso?) e o último ficou conhecido por alguns tuítes — isso mesmo, no Brasil atual pensamento se resume a 280 caracteres com espaço. E basta — para ele, claro.
Os candidatos e as lideranças partidárias estão desconectados do Brasil real. Vivem em outro plano. Não entendem que as ruas querem uma profunda transformação.
Permanecem no passado. Supõem que as maquinações nos gabinetes em Brasília vão surtir algum efeito, como se o eleitor fosse uma simples marionete. E o presidente da República nisso tudo? Tem como objetivo máximo manter-se no cargo até a posse do seu sucessor. Se conseguir, vai se considerar um vitorioso. E depois terá de acertar contas com a Justiça — e não são poucas. Entrará para a história das eleições presidenciais como o único mandatário que nenhum candidato quis receber seu apoio.
Em síntese: estes candidatos são frutos de uma república apodrecida. O Brasil merece coisa muito melhor.
Marco Antonio Villa é historiador
O Globo