Sem graça, desviando de fogões industriais e bancadas em inox, acenando no caminho para garçons, sous-chefs e cumins da cozinha, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso finalmente alcançou o elevador de serviço do hotel Grand Hyatt, em São Paulo. Fora orientado pelo anfitrião a usar a garagem do subsolo e a evitar a todo custo o hall do hotel. Incomodado com a clandestinidade, Fernando Henrique seguiu em silêncio na companhia do senador Tasso Jereissati (CE) até a suíte presidencial do 22º andar. Naquela noite de 29 de maio, Fernando Henrique estava certo que daria o impulso decisivo para precipitar a renúncia do presidente Michel Temer, fulminado dias antes pela delação do empresário Joesley Batista, do grupo J&F. Diante da gravidade das revelações, pouco antes Fernando Henrique pedira publicamente a Temer um “gesto de grandeza”, locução política que sugeria ao presidente que renunciasse ao cargo. Fernando Henrique e Tasso combinaram os conselhos que dariam ao presidente, que os chamara para a reunião “secreta” – que seria imediatamente vazada à imprensa.
Fernando Henrique e Tasso sentiam-se prestigiados por serem convocados a protagonizar um dos momentos mais delicados da vida política atual. Acompanhado do ministro Moreira Franco, da Secretaria-Geral da Presidência, Temer abriu a suíte de 170 metros quadrados. Depois de rápidas mesuras, deu sua versão para o encontro com Joesley e enveredou por um sermão. Polidamente, avisou-os que havia pensado muito e decidido a não sair da política pela porta dos fundos. Temer não permitiu apartes – e cortou a conversa quando Fernando Henrique e Tasso tentaram fazer ponderações. Na saída, agora no elevador social, Fernando Henrique desabafou: “Ele nos chamou aqui só para dar um recado”. Ali, galvanizou-se entre ele e Tasso a decisão de que o PSDB desembarcar do governo Temer era uma questão de tempo, apesar da divisão entre os tucanos que preferem se agarrar à máquina – e do desgaste de ficar ao lado de um presidente muito impopular – e os que preferem sair de perto.
As coisas pioraram com o programa partidário do PSDB exibido no dia 17, que quase custou o mandato do senador Tasso Jereissati como presidente interino. Tasso está no cargo desde que Aécio Neves, o presidente mesmo, foi fulminado como Temer pela delação de Joesley, numa conversa em que pedia mais R$ 2 milhões emprestados ao empresário, seu financiador de campanha em 2014. Idealizado por Tasso e outros parlamentares que pregam a saída do partido do governo federal, o vídeo repete que “o PSDB errou”. E foi de Fernando Henrique a ideia de inserir a incômoda expressão “presidencialismo de cooptação” no lugar de “presidencialismo de coalizão”, como previa o roteiro original. A alteração, que traduz com mais propriedade a prática do funcionamento institucional brasileiro, perturbou ainda mais o ambiente, tanto entre a metade da bancada de deputados que votou para afastar Temer do cargo no mês passado quanto entre a que garantiu sua permanência. Na arte de se dividir, o PSDB tem poucos adversários à altura.

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