terça-feira, 25 de abril de 2017

Brasileiros em Portugal: mobilidade, menos dinheiro e pouco estresse

Eliane Trindade - Folha de São Paulo


"Portugal é o segredo mais bem guardado do planeta", afirmou o ator americano Chris Noth, o Mister Big de "Sex and the City", após conhecer as belezas e as delícias da terra de Camões.

Era um segredo. O país de 10 milhões de habitantes recebeu no ano passado 18 milhões de turistas. Um boom que está ajudando a tirar os portugueses da crise e impulsionando não só as atividades ligadas ao turismo, mas também o ramo imobiliário e a atração de investimentos estrangeiros.


Brasileiros que não tinham ligações de sangue ou de trabalho com Portugal demoraram a descobrir os encantos da terrinha, mas dão sinais de que também se rendem a uma paixão à primeira vista.

"O brasileiro primeiro enamora-se, depois compra casa para alugar e então cogita se mudar para Portugal, quando percebe que pode estar na Europa como se estivesse no Brasil", constata Paulo Lourenço, cônsul-geral português em São Paulo.

Uma paixão traduzida em negócios, já que os brasileiros, ao lado de franceses e chineses, são o motor do boom imobiliário em Lisboa e arredores nos últimos três anos.

"Além da questão cultural e de falar a mesma língua, eles estão descobrindo uma cidade sofisticada e uma capital europeia que tem mar e surf, um povo simpático, comida boa, moderna infraestrutura, além de saúde e educação pública de qualidade", enumera Pedro Lancastre, diretor da JLL Consultoria Imobiliária.

A julgar pelos relatos a seguir, não é papo de vendedor. Diferentes perfis de brasileiros que deixaram o Brasil nos últimos anos para viver em terras portuguesas contam suas razões, o processo de adaptação e também os encantos e desencantos dos dois lados do Atlântico.

MENOS DINHEIRO E MAIS FELIZ

Marina D'Abramo, 24, deixou para trás o emprego na agência Almap BBDO, em São Paulo, para se inscrever em um mestrado em sociologia na Universidade Nova de Lisboa e assim construir um projeto de vida além-mar.

Ela tem passaporte italiano, que lhe abre as portas de todos os países da Comunidade Europeia, mas escolheu viver em Portugal. Uma das respostas é a paisagem que vislumbra da janela do apartamento no centro histórico, comprado pelo padrasto como investimento e que virou seu endereço na capital portuguesa: uma simpática rua ao lado do Castelo de São Jorge, com o casario antigo e o rio Tejo à frente.

"Em São Paulo, você precisa ganhar R$ 10 mil para ter uma vida mais ou menos. Aqui com € 800 (cerca de R$ 2.700) pode-se viver muito bem, desfrutando de beleza, qualidade de vida e mobilidade.

Não precisa entrar naquela fissura que via no Brasil de ganhar mais e mais dinheiro. Eu me encantei pela Europa aos 20 anos, quando passei uma temporada na Espanha. Meu pai é argentino; minha mãe, baiana. Gosto da cultura mediterrânea.

Com uma Europa em crise, fiquei apenas um ano. Voltei para o Brasil e terminei a faculdade de publicidade na Faap, em 2015. Trabalhei dois anos e meio na Almap. Uns amigos da minha mãe e do meu padrasto, que está aposentado, começaram a trazê-los para Portugal.

Em 2013, ele comprou um apartamento pequeno na região do Castelo, no centro Lisboa, que ainda era barata. A gente começou a vir muito para cá. Estamos ao lado do Bairro Alto, a região é uma graça. Eu me mudei de vez em fevereiro deste ano.

Foi uma decisão difícil. Tinha começado minha carreira, estava namorando, coisas que me afastavam do sonho de morar fora. Mas não via qualidade de vida em São Paulo. Saía todos os dias depois das 20h do trabalho, fui ficando meio em depressão, um gatilho para mudar de vida. Como eu ia fazer mestrado na USP trabalhando no Morumbi? A cidade não me permitia.

Em São Paulo, eu não tinha vontade de sair na rua, de olhar para a arquitetura, coisas que aqui em Lisboa me enriquecem. Quando vim passar férias no ano passado, eu me fiz a pergunta: 'Qual é o meu sonho?' É este aqui. Vejo meus olhos brilhando a cada dia, descobrindo coisas novas e vivendo uma vida mais tranquila e interessante.

Eu almoço com € 2 (R$ 6,80), e me dou um banquete com € 10 (R$ 34). Vou começar meu mestrado em setembro, pagando € 1.000 por ano. Trabalho como free lancer para uma produtora de fotos do Brasil. Tenho uma vida muito mais rica, podendo andar por esta cidade linda e me perder pelas ruas e praças do bairro de que mais gosto, que é o Príncipe Real.

A última coisa que eu quero é ter carro, que eu tinha no Brasil. Uso transporte público e volto a pé da balada para casa sozinha às 3h da manhã."

FAZENDO CONTAS E INVESTIMENTOS

Filho e neto de portugueses, Renato Breia fez o caminho inverso do pai que saiu de Portugal na época da ditadura salazarista e se instalou em São Paulo como comerciante.

Há um ano e meio, mudou-se para Lisboa para abrir uma filial da Empiricus, consultoria financeira da qual é sócio. Aos 32 anos e solteiro, o economista faz as contas, que pendem positivamente para o estilo de vida que leva além-mar.

"Portugal oferece grandes diferenciais em relação a outros países. Não tem violência e são raros os relatos de xenofobia.

Houve várias levas de brasileiros aqui, em movimentos curiosos. Na década de 1990, vieram aqueles em busca de postos de trabalho mais baixos. Depois, houve o fluxo de dentistas. Teve também a época das prostitutas.

Então, aqui tem pessoas que amam e outras que odeiam brasileiros. Os portugueses parecem fechados no começo, mas tive ótimas surpresas. Portugal também passou por momentos ruins e eles começaram a migrar para o Brasil também, embora muitos tenham retornado pelo custo de vida alto de lá.

Em São Paulo, a gente é muito mal tratado. Precisamos acelerar muito para ganhar dinheiro e poder sobreviver. Em Lisboa, as pessoas parecem menos ambiciosas. Não precisam de muito.

O pacote de largada [para um brasileiro de classe média] é muito caro. Quanto custa o plano de saúde, o seguro do carro, o condomínio? Aqui pago € 15 de taxa de condomínio do meu prédio. Um valor ridículo comparado ao que se paga no Brasil, onde o pacote segurança é muito caro. Você precisa de porteiro 24 horas, carro blindado.

Em Lisboa, gasto € 35 por mês por um passe livre para o transporte público. 

Meu pacote de internet, celular e TV a cabo é de € 40 por mês. Meus gastos de cartão de crédito caíram a um terço do do que gastava no Brasil.

Eu vendi meu carro e não comprei outro aqui. Peguei um dinheiro no banco e investi em um apartamento que vai me dar € 900 por mês quando eu alugar. 

Paguei cerca de € 3.500 o metro quadrado. Achei que era um ótimo investimento para fazer agora e recomendo aos meus clientes.

Como cidade, Lisboa tem várias vantagens. Você atravessa a ponte e está na praia em 30 minutos. Em duas/três horas de avião, chega-se a qualquer capital da Europa com voos baratos saindo do novo terminal de companhias "low cost". Por isso, a cidade está bombada, cheia de turistas.


NÃO BASTA DIPLOMA NEM GRANA

Com dupla cidadania, o santista Cláudio Fernandez Nogueira, 53, descendente de espanhóis, e a gaúcha Cristina Vicari Nogueira, 43, que tem passaporte italiano, poderiam ter escolhido qualquer país da Europa para morar.

No entanto, decidiram trocar uma carreira estabelecida como cirurgiões plásticos em Florianópolis por um novo começo em Cascais, onde vivem com os dois filhos e trabalham em uma clínica privada.

A transferência foi há cinco anos e meio, quando o Brasil estava em alta, enquanto Portugal passava por uma bancarrota, relata Cláudio.

"Todo mundo xingava a gente de maluco por deixar o Brasil em 2011, quando o país ainda estava bombando, para vir morar em um Portugal em crise. Cristina e eu fizemos doutorado em Barcelona e isso foi o pretexto para começarmos a pensar em viver fora.

Temos passaporte europeu e isso nos ajuda muito. Não somos vistos como imigrantes desgraçados fugindo da guerra. Somos bem-vindos a Portugal, desde que ganhemos a confiança deles e deixemos o nosso jeitinho brasileiro para trás. Os portugueses são afáveis, mas desconfiados.

Cristina emenda:

"Temos que ser mais polidos e ter cuidado com nossa expansividade. O brasileiro quando vai pedir informação, grita: 'Ei, fulano'. Aqui, isso é grosseria. Temos que dizer boa tarde, com licença, por favor, seguir o protocolo da boa educação.
Na escola internacional que matriculamos nossos filhos, eles ganham pontos extras se cumprimentam a todos, se são pontuais."

Embora donos de currículos consistentes, com doutorado na Europa e especialização com o papa Ivo Pitanguy, os cirurgiões plásticos tiveram que provar que eram profissionais competentes e confiáveis, segundo Cláudio.

"Nosso diploma levou um ano e meio para ser reconhecido. Não é automático, mesmo com o doutorado na Espanha. Muito brasileiro veio para cá aplicar golpes, então eles investigam tudo que está no seu currículo. Para ver se tudo que está escrito confere mesmo.

No Brasil, a gente marca a consulta em um dia e opera no outro. Aqui não. A cirurgia é planejada com meses de antecedência. As pessoas tiram férias, se organizam antes. Cheguei achando que ia arrebentar, fazer 20 cirurgias por mês.

Tivemos que começar de novo profissionalmente. Se você não tem esta humildade, bate com a cara no muro. Eu cliniquei no Brasil por 18 anos, era conhecido em Floripa como o cirurgião surfista, tinha nome e clientela grande. 

No entanto, as primeiras vezes que operamos aqui éramos observados, mesmo com os melhores diplomas.

Muitos brasileiros não se adaptam. Mesmo os ricaços. Eles acham que prevalecem pelo dinheiro. Aqui não. Ficam isolados. São malvistos. Alguns acabam voltando por não se adaptarem ao fato de "ser iguais" e não ter privilégio em razão do dinheiro.

Aqui, trabalhamos numa clínica privada e também no serviço público, que atende a ricos e pobres."

Cristina também fala positivamente sobre esta experiência.

"Em Portugal, as pessoas têm confiança no serviço público. No centro de saúde somos médicos de verdade. Quando meu filho sofreu uma desidratação durante uma viagem que fizemos ao Porto, levamos ele a um hospital público, apesar de termos também um plano de assistência médica complementar."

Cláudio complementa com um outro exemplo.

"Aqui o Estado funciona e tem a mão grande. Se o seu filho faltar três dias à escola, a polícia judiciária vai na sua casa saber o que está acontecendo.

No Brasil, é aquela coisa de se sentir roubado e também roubar o outro. Estava cansado dessa maneira de administrar as coisas no público e no privado, na rua, no hospital.

Sofri um episódio de violência em 2010, um assalto com tentativa de sequestro. Em grande parte, já me sentia exilado pela violência em meu próprio país. Foi isso que me fez ter coragem de mudar toda uma vida estruturada e sair do Brasil."

E Cristina comprou a ideia pelas mesmas razões:

"No Brasil, a gente vai se colocando na bolha, com aquele sentimento de tentar impedir que nossos filhos sejam mortos ou tenham um tênis roubado na rua. O filho mais velho do Cláudio foi assaltado em São Paulo e decidiu ir morar em Londres."

Além da violência, o cirurgião plástico relata desesperança com a política e torce pela mudança de rumos no país.

"Os políticos nos depauperam. Impressionante a capacidade brasileira de bagunçar coisas boas, como foi o governo do PT. Odeio o Lula, votei nele e era tudo mentira.

Ainda acredito que nosso país tenha jeito, apesar da roubalheira. Creio que seja possível organizar essa nossa energia e lapidar esse diamante bruto que é o Brasil. O país se aguenta pelo nosso povo, que é ouro. Mas confesso que eu me sentia um idiota por não conseguir vencer a grande confusão brasileira."

DIFERENÇAS CULTURAIS

Para as família que se transferiram com filhos em idade escolar, um dos desafios têm sido a adaptação dos adolescentes ao sistema de ensino português, bem mais rígido e puxado.

"Quando chegamos, matriculamos os meninos em um tradicional colégio particular e foi um desastre. Eles eram muito rígidos, as crianças tinham que se levantar quando os professores entravam em sala de aula, por exemplo", relata Juliana Caus, mãe de Arhur, 10, e Felipe, 13 anos.

Ela e o marido, o publicitário José Luiz Nogueira, resolveram então matriculá-los em uma escola internacional. "Eles logo se adaptaram. Era mais parecido com o sistema brasileiro."

A empresária Andrea Schultz paga € 800 de mensalidade para manter as duas filhas, Luiza, 14, e Laura, 16, numa escola particular de Lisboa. Valor um pouco menor daquele cobrado por um dos colégios mais tradicionais de Curitiba, onde elas estudavam no Brasil.

"O ensino aqui é muito mais puxado e a escola mais exigente. Elas vieram de um colégio que é tido como um dos três melhores do Paraná, mas ainda assim precisaram de aulas de reforço e uma delas chegou a ser reprovada no primeiro ano."

Luiza relata as suas maiores dificuldades na nova escola:

"Eu era boa aluna no Brasil. Foi um susto a chegada aqui. Tive muitas dificuldades em matemática e português, bem mais forte. Até educação física é puxada. Já as aulas de artes são divertidas, eles levam a sério. Agora, já estou adaptada e gosto muito mais de viver aqui do que em Curitiba. Tenho muito mais liberdade. Lá não ia sozinha nem na padaria. Aqui ando de metrô à noite."

Por ora, ganhos em mobilidade e em qualidade de vida pendem a balança favoravelmente para Portugal. "Não tem preço o fato de viver sem grades, cercada de verde e minhas filhas poderem sair à noite sozinhas ou andar na rua com o celular", diz Andrea.

"Descobri que quero ser pedestre. Faço a minha vida a pé em Lisboa", emenda Nogueira.

No entanto, o publicitário teme que o aumento do valor dos imóveis no centro histórico leve a um processo de gentrificação, com a expulsão dos moradores tradicionais, como donos de quitandas e padarias, em razão da crescente valorização do metro quadrado.

A estilista Juliana Cavalcanti, 36, que vive em um Portugal há dez anos, já sente no bolso os efeitos do boom imobiliário.

Após uma temporada em Londres, ao voltar para Lisboa teve que pagar muito mais de aluguel para continuar vivendo em um bairro central da capital portuguesa.

O apartamento que antes alugava por € 600 em Príncipe Real, seu bairro preferido, passou a ser locado pelo Airbnb.

Ela acabou buscando uma outra opção no bairro da Lapa, a € 900. "Isso porque é o imóvel de um amigo. O valor de mercado hoje é de € 1.200, o dobro do que eu pagava antes", compara. "Temo que Lisboa perca sua identidade. A especulação imobiliária afasta a cor local."

OPORTUNIDADE PARA EMPREENDEDORES

"Portugal está na moda", constata José Carlos Magalhães, presidente do Conselho de Administração do grupo Lusíadas, rede de hospitais privados que foi comprada pela antiga Amil, razão pela qual ele se transferiu para Lisboa há quatro anos.

O médico e gestor brasileiro recebe uma média de quatro currículos por semana de colegas brasileiros em busca de emprego nos sete hospitais e cinco clínicas que administra. E vê a turma de amigos da filha, que faz mestrado em arquitetura, crescer a cada ano.

"Creio que seja um fenômeno temporário neste momento de desencanto com a economia e a política no Brasil", diz Magalhães.

A perspectiva de conseguir emprego em terras portuguesas não é tão animadora. "A Europa também vive uma crise, então não dá para vir para Portugal em busca de trabalho", afirma Breia. "O espaço que existe é para empreendedores, como uma amiga que abriu uma Tapiocaria aqui em Lisboa e está indo super bem."

Dono de uma produtora de vídeo no Brasil, Nogueira não se animou com o mercado audiovisual português, segundo ele, muito pequeno. Por isso, segue o exemplo dos patrícios, de ganhar dinheiro em outras paragens.

"Como o mercado local é muito pequeno, os portugueses acabam sendo globalizados e desde a época das caravelas se lança aos mares", constata o publicitário, que se lançou na aventura além-mar com o pés ancorados no gigante mercado brasileiro. Ainda que em crise.