Visitas aos endereços citados por colaboradores da Odebrecht como lugares de pagamento de propina em espécie confirmam boa parte dos relatos feitos à Operação Lava-Jato. Levantamento do GLOBO feito a partir das planilhas do Setor de Operações Estruturadas da empreiteira — responsável por fazer os repasses ilegais — mostra detalhes, e também algumas imprecisões, das informações prestadas por ex-funcionários da empresa.
O GLOBO visitou 20 endereços, em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte, citados como locais de pagamentos de propina da Odebrecht na última década.
A lista inclui hotéis luxuosos, restaurantes, salas comerciais e escritórios de advocacia. Em mais da metade deles foi possível identificar, ainda hoje, vestígios de vínculo com os acusados.
Num desses locais, onde um representante do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha (PMDB), teria recebido R$ 1 milhão, funcionam três empresas ligadas a ele, no Centro Histórico de Porto Alegre. O GLOBO verificou que há um funcionário chamado Luciano, nome citado pelos delatores como responsável por receber valores.
Em Contagem (MG), Oswaldo Borges, tesoureiro de Aécio Neves (PSDB-MG), de fato despachava na concessionária Mercedes Benz citada pelo executivo Sérgio Neves. Num galpão nos fundos está a coleção de carros antigos mencionada pelo delator como visitada no dia em que levou R$ 500 mil para Borges. Procurado, não se manifestou.
Citado como emissário do filho de Dimas Fabiano — operador de propinas para o PSDB e o PP —, Anderson Luis Correa Marques mora em endereço de Belo Horizonte destacado como local de pagamento de R$ 3 milhões, em 12 parcelas. Ela já trabalhou na Assembleia de Minas, inclusive para Dimas Fabiano. O operador acusa delatores de "camuflarem doações feitas a outrem ou encobrirem desvios internos no âmbito da própria companhia".
O hotel em São Paulo, no bairro Vila Olímpia, onde um emissário de Lindbergh Farias (PT-RJ) teria recebido propina funciona ao lado do escritório do marqueteiro Duda Mendonça, responsável pela campanha do petista ao Senado, em 2010. Duda é citado como beneficiário final dos pagamentos. Lindbergh nega a acusação, e o marqueteiro não quis se manifestar. Ex-presidente do Metrô na gestão Alckmin, Luiz Carlos David morou na mesma rua citada pelo delator Fábio Gandolfo, no bairro de Pinheiros, Zona Oeste da capital paulista, mas em número diferente. Ele também não se manifestou.
NA SUÍÇA, PISTAS DO DINHEIRO VIVO
Se à primeira vista a entrega de propina em dinheiro vivo não deixa rastro, a Lava-Jato acredita ser possível provar o contrário. Isso porque a maior parte dos registros de entregas estavam nas planilhas do sistema de propina da empreiteira, o que afastaria a hipótese de manipulação de dados para corroborar delações. Armazenado em servidores na Suíça, o sistema agora está em posse dos investigadores. A PF já iniciou a averiguação em endereços que envolvem políticos com foro privilegiado, autorizada pelo ministro do STF Edson Fachin.
Um pagamento de R$ 1,06 milhão, mencionado como parte de R$ 4 milhões que teriam sido acertados pela Odebrecht com o atual ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o Secretário-Geral da Presidência, Moreira Franco, é vinculado ao 12º andar do edifício no número 1.184 da Rua Siqueira Campos, em Porto Alegre.
— Ele fez a arrecadação como sendo uma coleta para o partido — disse o ex-diretor da Odebrecht Infraestrutura Benedicto Júnior, que citou “Luciano Pavão” como o responsável por receber o valor em 17 de março de 2014.
No endereço funcionam as empresas EP Advocacia e Consultoria Jurídica, Padilha & Bittencourt Advogados Associados e a Gaivota Participações, todas vinculadas ao ministro. Ocupam praticamente todo o andar (há apenas uma sala alugada para outro escritório), frequentado com regularidade pelo peemedebista às sextas-feiras, segundo porteiros.
Funcionários do edifício e do escritório citaram que há um funcionário responsável por fazer serviços de rua, como pagamentos, chamado Luciano, mas não souberam informar o sobrenome. Eles negaram que ele fosse identificado como "Pavão". O GLOBO deixou recados para o funcionário, mas ele não retornou. Padilha informou que se manifesta apenas "ante os órgãos competentes".
OS MILHÕES DE ROYAL STREET
O edifício Royal Street, citado como endereço de pagamento de R$ 2 milhões para Adhemar César Ribeiro, cunhado do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), está atualmente desativado. Mas comerciantes da Avenida Faria Lima, em São Paulo, onde está localizado, afirmam que, no oitavo andar do edifício, funcionaram empresas do cunhado do tucano. Uma delas, a AR Planejamento, Serviços e Administração Empresarial Ltda., ainda está registrada no endereço, segundo cadastro da Receita. Procurado, Adhemar não se manifestou. Ackmin informa não ter autorizado que pedissem recursos irregulares em seu nome.
Um apartamento no nono andar de um edifício no bairro de Lourdes, zona nobre da capital mineira, foi alugado pela Odebrecht para abrigar funcionários, segundo apurou O GLOBO, e teria sido usado para fazer pagamentos ilegais às campanhas de Antonio Anastasia e do candidato derrotado ao governo do estado Pimenta da Veiga (PSDB). Moradores contaram que a rotatividade era grande.
— Tinha engenheiro que passava a noite, outros ficavam semanas ou meses. Alguns recebiam visitas — contou um porteiro.
Segundo o delator Leandro Azevedo, em casarão da Urca, no Rio, Renato Pereira, marqueteiro das campanhas do PMDB, recebeu R$ 11,6 milhões em 2012, vinculados a trabalhos para Eduardo Paes. Até poucos meses, a agência Prole funcionava no local.
O ex-governador do Rio Anthony Garotinho mantém como escritório político o imóvel onde também funciona a Palavra de Paz, empresa de venda pela internet de produtos religiosos.
É no 11º andar de um prédio da Rua Conde de Lages, na Glória, que delatores afirmam ter mandado entregar dinheiro para a campanhas do casal Garotinho entre 2008 e 2014. O ex-governador, que ainda utiliza o local, nega ter recebido qualquer repasse.
Único a admitir dinheiro como caixa 2, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral é vinculado a diferentes endereços. Um é um escritório na Torre do Rio Sul, onde um emissário de Benedicto Júnior teria levado, em 2007, R$ 1 milhão. Atualmente, lá funciona um escritório de advocacia.
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