quarta-feira, 29 de março de 2017

Com cinco conselheiros presos pela PF, tribunal que julgará contas de Pezão fica paralisado

Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio são alvos Foto: Montagem/Arte O GLOBO


CHICO OTAVIO E DANIEL BIASETTO - O Globo

Com a prisão de 5 dos 7 conselheiros, tribunal vive situação inédita e inusitada para seguir os trabalhos de fiscalizar a administração pública


operação "O quinto do ouro" que levou à prisão os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) criou uma situação inusitada e inédita na história do órgão, composto por sete integrantes. Apenas um deles, a corregedora Marianna Montebello, não foi atingida pela ação. Sendo assim, a sessão prevista para esta quinta-feira não será aberta e, até o momento, não se sabe como serão conduzidos os trabalhos daqui para frente. E justo num momento crucial para as análises de contas do governo, cujo prazo para a entrega termina na próxima semana. A partir daí, o TCE terá 60 dias para a análise.

Embora exista o quadro de auditores substitutos para o lugar de uma vacância no quadro de conselheiros, a legislação estadual só permite em caso de vacância no cargo de conselheiro do tribunal a substituição de um único suplente, que pertence ao quadro de auditores substitutos empossados em abril.

A alternativa seria uma decisão liminar tomada pelo relator do caso no Superior Tribunal Justiça (STJ), ministro Félix Fischer, no sentido de afastar a exigência legal para não parar os trabalhos do órgão que fiscaliza as ações dos órgãos da administração estadual, e das 91 prefeituras e câmaras municipais da unidade federativa.

Os alvos de prisão preventiva foram os conselheiros Aloysio Neves (atual presidente), Domingos Brazão, José Gomes Graciosa, Marco Antônio Alencar e José Maurício Nolasco. O ex-presidente do TCE, Jonas Lopes de Carvalho, delator do esquema, pediu licença no final do ano passado.

Para a Associação Nacional dos Auditores dos Tribunais de Contas do Brasil (Audicon), a vaga no TCE deveria ser preenchida por um conselheiro selecionado em concurso e, por isso, a entidade já acionou a Justiça nesse sentido, ainda que não prevessem tamanho desfalque no quadro de conselheiros.

No site do TCE, há três auditores substitutos de conselheiros para o caso de vacância.

Porém, como não há previsão de os três assumirem ao mesmo tempo pela legislação estadual, uma vez que os presos hoje ainda não foram oficialmente afastados, o impasse deverá persistir.

Como funcionava um dos esquemas


A operação de hoje tem como principal suporte as delações do ex-presidente do TCE Jonas Lopes de Carvalho Filho e seu filho, o advogado Jonas Lopes de Carvalho Neto, homologadas recentemente por Fischer.

Apontado como o coordenador da caixinha das empreiteiras, Jonas decidiu colaborar com as autoridades após ser levado, sob condução coercitiva, para depor em dezembro do ano passado na Polícia Federal do Rio. A mesma operação, batizada de Descontrole, também conduziu o filho de Jonas e o operador de mercado financeiro Jorge Luiz Mendes Pereira da Silva, o Doda, suspeito de ser o coletor da propina. A delação de Jonas compromete cinco conselheiros: Aloysio Neves (atual presidente); Domingos Brazão, José Gomes Graciosa, Marco Antônio Alencar e José Maurício Nolasco.


A primeira notícia de que o TCE estava envolvido no esquema de pagamento de propina comandado por Cabral foi publicada pelo GLOBO em 22 de junho do ano passado. Clóvis Renato Numa Peixoto Primo, ex-dirigente da Andrade Gutierrez e colaborador da Justiça, revelou ao Ministério Público Federal (MPF) que, além da propina de 5% do valor dos contratos pagos a Cabral, havia também uma caixinha do TCE, no valor de 1% dos contratos, acertada com o então secretário estadual de Governo, Wilson Carlos.

Clóvis Numa era colaborador da operação Radioatividade, que investigava corrupção nas obras da usina nuclear de Angra 3. No primeiro depoimento, ele citou que a caixinha começou na gestão do então presidente José Maurício Nolasco. Depois, em novo depoimento, disse que não tinha certeza de quem presidia o tribunal quando o esquema teve início.

O esquema de corrupção no TCE começou entre 2009 e 2010, segundo a delação de executivos, quando o governo Cabral transformou o Rio em canteiro de obras com vistas à Copa do Mundo (2014) e aos Jogos Olímpicos do ano passado. Além dos 5% para Cabral e 1% para o TCE, delatores da Andrade Gutierrez e, posteriormente, da Carioca Engenharia mencionaram mais 1% para o então secretário estadual de Obras, Hudson Braga, a título de "taxa de oxigênio". Desde novembro do ano passado, Cabral, Wilson e Hudson estão presos.

A colaboração de outro executivo da Andrade, Alberto Quintaes, e mais as investigações da Operação Calicute, responsável pela prisão dos três, reforçaram as acusações contra os envolvidos no esquema.


Tribunal da Propina


Indicado como o homem responsável pelo pagamento da propina da empreiteira, que entregava em espécie na mão de emissários, ele forneceu detalhes sobre a participação do TCE no esquema. Esta delação foi reforçada pelos depoimentos de Ricardo Pernambuco e Ricardo Pernambuco Júnior, sócios da Carioca, em delações recentemente homologadas pelo ministro Félix Fischer.

Ricardo Pernambuco Júnior citou nominalmente o presidente do TCE como negociador direto do pagamento da propina. Jonas Lopes teria cobrado cinco parcelas de R$ 200 mil da empreiteira. Reportagem publicada no GLOBO em junho do ano passado mostrou que 21 dos 22 processos relativos à reforma do Maracanã para a Copa estavam parados no gabinete da Presidência do TCE e que somente naquele momento, seis anos depois de alguns deles terem sido instaurados, o TCE se movimentou para desengavetá-los.

As auditorias, por exemplo, pediam o estorno de repasses indevidos ao consórcio da obra, no valor total de R$ 93 milhões. Nolasco era relator de 11 desses 21 processos paralisados — um era sobre o contrato, dois sobre auditoria e oito sobre termos aditivos de contrato. A reforma do Maracanã deveria ter custado ao governo fluminense R$ 705 milhões, mas, depois de 16 termos aditivos, o valor subiu para R$ 1,2 bilhão. Levando-se em conta esses valores, a propina poderia girar entre R$ 7 milhões e R$ 12 milhões.

Descontrolados


Antes da 'caixinha', eventuais pagamentos de propina no TCE seriam feitos de maneira desorganizada. Cada empresa procurava o conselheiro relator do seu processo e se acertava com ele. O esquema ficava muito exposto, sujeito a repetir o que havia acontecido no caso do Grupo SIM, uma empresa de consultoria investigava pela PF em Minas.
Na busca a apreensão na empresa, os policiais encontraram emails que complicavam três conselheiros. Mas o caso não evoluiu no STJ. Na época, Jonas Lopes e José Gomes Graciosa chegaram a ser acusados de receber dinheiro, entre 2002 e 2003, para aprovar um contrato do Grupo SIM com a prefeitura de Carapebus, no Norte Fluminense, sem licitação. Os conselheiros também teriam facilitado a aprovação das contas da prefeitura. 
Devido à inconsistência das provas, ambos acabaram absolvidos pelo STJ. Desde o dia 28 de dezembro, Jonas não aparece no TCE. O GLOBO mostrou que ele havia pedido licença de três meses.

As investigações envolvendo o TCE estão sendo conduzidas pelo subprocurador geral da República, José Bonifácio Borges de Andrada, com a colaboração da força-tarefa da Operação Calicute no Rio. O nome de Jonas também apareceria na delação de Leandro Azevedo, ex-diretor da Odebrecht no Rio, de acordo com reportagem do "Jornal Nacional", da TV Globo, veiculada em dezembro do ano passado. Segundo Leandro, Jonas pediu dinheiro para aprovar contratos do Maracanã e da Linha 4 do Metrô.

O delator disse que, em 2013 Wilson Carlos, então secretário de Governo de Sérgio Cabral, mandou um recado à empreiteira: que o edital de concessão do Maracanã já tinha sido enviado ao TCE e que a empresa deveria procurar o presidente Jonas. Leandro disse que acertou com Jonas o pagamento de R$ 4 milhões em quatro parcelas de R$ 1 milhão, quitadas de seis em seis meses. Ele disse que quando esteve com Jonas Lopes, o presidente do TCE já sabia qual era o valor que tinha sido acertado.

A primeira parcela, segundo o executivo da Odebrecht, foi paga em 10 de fevereiro de 2014. Mas, segundo ele, os outros pagamentos não foram feitos em razão da Operação Lava Jato, deflagrada em março daquele ano. Leandro afirmou que o valor de R$ 1 milhão foi entregue ao filho de Jonas Lopes, Jonas Lopes de Carvalho Neto, no escritório de advocacia dele, no Centro do Rio. Ele diz que em dezembro de 2014 foi chamado ao gabinete do presidente do TCE e que Jonas Lopes cobrou o atraso no pagamento.


Conselheiros na mira da Justiça

ALOYSIO NEVES

Aloysio Neves chega na Polícia Federal - Fabiano Rocha / O Globo

Foi eleito presidente do TCE em dezembro de 2016, para ocupar o cargo no biênio 2017/2018. O conselheiro trabalhou como assessor técnico de Sérgio Cabral no início dos anos 90.

Após a eleição do ex-chefe para a presidência da Alerj, ele assumiu a chefia de gabinete do então deputado estadual Sérgio Cabral entre 1995 e 2002. Com a eleição de Jorge Picciani para a presidência da Assembleia, Neves foi reconduzido ao cargo onde ficou até 2010.
Na Alerj, simultaneamente às suas funções, foi gerente e responsável pela propaganda institucional de 2001 a 2010, tendo coordenado a área cultural e colaborado na administração da casa.

Em 2010, Picciani mobilizou a base do PMDB na Alerj e conseguiu eleger por 54 votos o ex-funcionário para o cargo de conselheiro do TCE. Aloysio Neves foi vice-presidente do TCE no biênio 2015/2016, na gestão de Jonas Lopes.

Aloysio é advogado e funcionário público de carreira. Foi preso em 1983, acusado de tráfico de drogas. Segundo reportagens da época, policiais teriam encontrado 200 gramas de cocaína no apartamento dele. Neves e três amigos foram presos em flagrante. Ele alega ter sido vítima de um flagrante forjado, foi condenado na primeira instância, mas acabou absolvido pela 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio.



DOMINGOS BRAZÃO

O conselheiro do TCE Domingos Brazão, no cargo há cerca de três semanas: ‘Que conflito ético existe nisso’ - Antonio Scorza / Agência o Globo (30/04/2015)

Foi deputado estadual entre 1999 e 2015. Antes, foi vereador da cidade do Rio de Janeiro, entre 1997 e 1999. Sua base eleitoral é a região de Jacarepaguá, na zona oeste do Rio, com destaque para os bairros de Rio das Pedras e Gardênia Azul, tradicionalmente dominados por milicianos. O conselheiro chegou a ser citado no relatório final da CPI das Milícias, realizada pela Alerj, em 2008.

A candidatura de Brazão ao TCE teve como padrinho o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, deputado Jorge Picciani. Ele recebeu apoio de 61 dos 66 deputados na eleição.

Na época, a nomeação de Brazão foi contestada na Justiça pela Associação Nacional dos Auditores dos Tribunais de Contas do Brasil, que considerava que a vaga no TCE deveria ser preenchida por um conselheiro selecionado em concurso.

Em outubro 2011, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio decidiu cassar o mandato do então deputado estadual Domingos Brazão, sob a acusação de ter utilizado um centro de ação social para distribuir serviços e bens, com finalidade eleitoreira. Em julho, o TRE já tinha decidido cassar o mandato do parlamentar por abuso de poder econômico, captação ilícita de voto e conduta vedada a agente público. Brazão recorreu das decisões e permaneceu no cargo até ser nomeado para o TCE.

Em 2006, o Ministério Público estadual abriu uma investigação criminal para apurar se o crescimento patrimonial do deputado estadual Domingos Brazão teria relação com o suposto envolvimento com a chamada máfia dos combustíveis. Brazão também foi alvo de um inquérito na Polícia Federal, por suspeita de crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro. A instauração do inquérito na PF foi feita a pedido de Celso de Albuquerque Silva, procurador-chefe da Procuradoria Regional da República da Segunda Região. A suposta ligação de Brazão com a máfia dos combustíveis consta ainda de um relatório da Procuradoria, que instaurou procedimento de investigação criminal contra Brazão. A investigação criminal começou depois da série de reportagens "Homens de bens da Alerj", publicada pelo GLOBO a partir do dia 20 de junho de 2004.



JOSÉ GOMES GRACIOSA

José Gomes Graciosa, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) - O GLOBO/Arquivo

Foi presidente do TCE de 2001 a 2006. Graciosa foi eleito para a corte em 1997, no governo Marcello Alencar (PSDB). Na ocasião, a costura política da indicação foi feita pelo ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), que era presidente da Alerj. Na época, Graciosa era o primeiro secretário da Mesa Diretora da assembleia. Foi deputado estadual eleito em 1990 e reeleito em 1994.

Foi denunciado pelo Ministério Público Federal, em 2011, a partir das investigações da operação Pasárgada, da Polícia Federal, por suposto recebimento ilícito de dinheiro em troca de votos para beneficiar uma empresa, entre 2002 e 2003. Graciosa e outros dois conselheiros foram acusados de receber propina de R$ 130 mil para garantir a aprovação de contratos entre o grupo Sim e a Prefeitura de Carapebus, cidade do norte fluminense. O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça em 2013. Durante o julgamento, a vice-procuradora-geral da República, Ella Wiecko, pediu a condenação por corrupção passiva com pena acima do mínimo estabelecido no Código Penal, que é de dois anos, e perda do cargo. Graciosa acabou sendo absolvido pela Corte Especial do STJ.



MARCO ANTÔNIO ALENCAR

Marco Antonio Alencar, filho do ex-governador Marcello Alencar - Fabio Rossi / Agência O Globo


É filho do ex-governador do Rio Marcello Alencar. Foi nomeado conselheiro do TCE, na vaga ocupada por indicação da Alerj, em 1997. Naquele ano houve um debate sobre o conflito ético envolvendo a indicação de Alencar, já que ele teria de julgar as contas do próprio pai, que ainda era o governador do estado.

Foi eleito deputado estadual em 1990 e reeleito em 1994. No TCE, ocupou a vice-presidência entre 2001 e 2006.

Um ex-funcionário do tribunal, indicado por Marco Antonio Alencar, foi apontado como operador do esquema de pagamento de propinas por empreiteiras. Jorge Luiz Mendes Pereira da Silva, o Doda, atuou no mercado financeiro e trabalhou no governo Marcello Alencar. Delações de executivos da Andrade Gutierrez, no âmbito da operação Calicute, apontam que Doda teria a função de fazer a ligação do TCE com empreiteiras, para o pagamento de propina.



JOSÉ MAURÍCIO NOLASCO

Menção. José Maurício Nolasco (foto) foi presidente do TCE-RJ entre 2007 e 2010 - Cléber Júnior/29-05-2008


Foi eleito para o TCE em 1998. Ocupou a presidência do tribunal entre 2007 e 2010.
Nolasco foi citado na delação premiada de Clóvis Renato Primo, ex-executivo da construtora Andrade Gutierrez. Ele declarou que o TCE está envolvido no esquema de propinas pagas pelo consórcio que executou a reforma do Maracanã para a Copa do Mundo de 2014, e que, pelo que se recorda, a propina seria destinada ao então presidente do TCE, o conselheiro José Maurício Nolasco.

Dos 22 processos que tratam da reforma do Maracanã, 21 ficaram parados no TCE e José Maurício Nolasco era relator de 11 deles.