domingo, 15 de janeiro de 2017

"O lucro ou as pessoas?", por Luiz Roberto Londres

O Globo

Educação e saúde, dois compromissos absolutos de qualquer governo que se preze, são jogadas à margem para beneficiar algo volátil


O título deste artigo é o mesmo de um livro do reconhecido filósofo americano Noam Chomsky a respeito do sistema econômico que rege alguns dos principais países do mundo ocidental. Suas considerações estão cada vez mais presentes em nossa atualidade, e todos nós deveríamos estar mais atentos aos caminhos aos quais somos conduzidos por aqueles que, em diversos segmentos de nossa sociedade, são detentores de algum tipo de poder.

Outro livro clássico, “A riqueza das nações”, de Adam Smith, deu origem ao capitalismo liberal. Diferentemente dos dias de hoje, Adam Smith não restringia ao autointeresse o motor da economia; esse era também admitido, ao lado da principal meta, que ele colocava como sendo o bem-estar da sociedade. Havia no criador do sistema capitalista um sentimento social. E devemos lembrar que o grande pecado da Grécia Antiga, da qual nossa civilização se origina, era a chamada húbris, que pode ser traduzida como desmedida; ou seja, tudo que se torna um exagero distorce os seus princípios. Assim, o neoliberalismo, e o que hoje chamo de financismo, privilegiou unicamente o interesse dos poucos detentores de poder e riqueza.

Hoje nos defrontamos estarrecidos com medidas governamentais que se enquadram nessa situação. O lucro, seja ele em que sentido for, tornou-se muito mais importante que as pessoas. O pagamento de dívidas a instituições financeiras ou similares toma o lugar do pagamento de dívidas em relação à população. Educação e saúde, dois compromissos absolutos de qualquer governo que se preze, são jogadas à margem para beneficiar algo volátil e sem valor próprio, o dinheiro, e para privilegiarem instituições que nada produzem a não ser intermediar essa matéria com a cobrança de juros absolutamente escorchantes. 

Nossos juros de 13% deixam longe a Alemanha e a França, com 0,05%; os Estados Unidos, com 0,25%; o Reino Unido, com 0,5%.

A falta de pensamento social por parte dos servidores públicos que se dizem “autoridades” alojadas no Congresso Nacional e no Palácio do Planalto é gritante. Também é gritante a falta de atenção da população em geral para a real doença de nossa economia. São ainda poucos os movimentos isolados protestando contra a desconstrução de nossa saúde pública, uma obrigação do Estado, como reza a Constituição Cidadã de 1988, assim como contra a desconstrução da educação pública que forma os cidadãos.

Que cada um de nós, cada vez mais, se conscientize de que decisões isoladas, e tantas vezes parciais, não podem estar acima do bem da sociedade como um todo. E para isso não ocorrer, é importante a participação de todos em relação a esses assuntos.

Luiz Roberto Londres é médico e diretor do Movimento Participação Médica