Tinha tudo para dar certo a dança entre o elefante indiano e o dragão chinês. A "Chíndia" é o espaço econômico-demográfico de maior dinamismo no mundo contemporâneo.
Com mais de 2,5 bilhões de pessoas e crescimento projetado médio de 6% ao ano para os próximos dez anos, China e Índia podem forjar umas das mais importantes alianças estratégicas do cenário global.
| Ajit Solanki - 17.set.2014/Associated Press | ||
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| O premiê Narendra Modi recebe o presidente chinês, Xi Jinping, em visita a Ahmadabad, na Índia |
Não é segredo para ninguém que os custos de produção na China encontram-se mais altos do que nunca. Hoje é praticamente mais barato produzir no México do que em território chinês. E, muitos apostam, a grande beneficiária desse processo é a Índia.
Há inúmeros dados que suportam essa tese. À imagem da diáspora corporativa japonesa nos anos setenta e oitenta, que ajudou a fomentar capacidade produtiva no entorno geoeconômico japonês (de onde surgiram os "Tigres Asiáticos"), agora quem translada corporações ao exterior é a China.
Com um fronteira comum de quase 3.500 quilômetros, é natural que uma parte importante desse hub manufatureiro anteriormente localizado na China desloque-se para a Índia.
Isso vale tanto para empresas de terceiros países que não mais tratam a China como um "LCC" (sigla em inglês para "país de baixo custo"), como mesmo para empresas de nacionais chineses encorajados pela extroversão econômica chinesa para outros rincões da Ásia.
O inteligente programa de política industrial do governo Narendra Modi ("Make in India") foi desenhado e implementado a toque de caixa de modo a tirar o máximo proveito dessa tendência.
É claro que tal projeção chinesa já é extremamente visível, em outras regiões, mais notadamente na África. Lá, além do acesso a commodities minerais e vultosos contratos para provimento e operação de infraestrutura, os chineses também sonham em estabelecer uma significativa presença em termos de "outsourcing" para suas indústrias de menor valor agregado.
No entanto, em muitos quesitos a Índia ganha preferências sobre a África. A Índia está mais perto do centro irradiador de influência chinesa, parte de sua mão-de-obra é bem mais qualificada do que a africana e o país possui marcada excelência em áreas como tecnologias da informação.
Nova Déli, porém, recusa-se, ao menos do ponto de vista simbólico, a desempenhar o papel de "sócio-júnior" da grande empreitada de poder liderada por Pequim. Ganha adeptos dentre os formadores de opinião na Índia a ideia de que a nova rota da seda projetada pelos chineses —o projeto "One Belt, One Road" (ou "OBOR")— mais fere do que atende os interesses nacionais da Índia.
O OBOR é o grande lance de infraestrutura de estradas, ferrovias, túneis, gasodutos e outras conexões logísticas que almeja interligar Ásia e Europa.
Recorta, portanto, países que Nova Déli enxerga como pertencentes à sua natural esfera de influência. Em seu conjunto, o OBOR é o maior projeto mundial de fomento infraestrutural desde o Plano Marshall.
Isso precipita nos líderes indianos uma ambígua atitude —verdadeiro dilema de cooperação e conflito— em relação aos chineses. Se o OBOR é visto como a "melhor aposta" para o desenvolvimento dos países mais pobres do Sudeste Asiático e mesmo da Ásia Central, como Nova Déli, destituída do mesmo arsenal financeiro de que dispõe Pequim, pode oferecer alternativas aos projetos chineses àqueles vizinhos que deseja influenciar?
Os indianos gostam de dizer que não querem receber de Pequim "pacotes fechados" de infraestrutura. Desejam discutir e possivelmente alterar muitos dos planos de obras desenhados pela China.
Os chineses, contudo, detestam perder tempo com discussões parlamentares —tão comuns na Índia, sobretudo em seu Parlamento e em sua disfuncional burocracia. Pequim tem horror às "ineficiências caóticas" típicas de regimes democráticos. E a Índia é, ao menos em termos numéricos, a maior democracia do mundo.
Nesse contexto, o enorme apetite indiano por absorver investimentos chineses é moderado, no jogo estratégico maior, pela certeza em Nova Déli de que a China continuará a erguer obstáculos à ambição indiana por posições de prestígio no sistema internacional.
Não existe exemplo melhor do que a má vontade chinesa em embarcar numa reforma atualizadora do quadro de membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Aqui, o intuito chinês é não apenas barrar o ingresso do (candidato natural) Japão, mas também restringir a projeção de poder indiano.
Os EUA de Obama claramente perceberam os muitos pontos de aspereza nas relações entre Pequim e Nova Deli. Washington até agora foi hábil em evitar uma filiação ainda mais evidente da Índia ao campo magnético chinês.
Quem quer que seja o inquilino da Casa Branca a partir de janeiro de 2017 tenderá a aumentar ainda mais as recompensas pontuais à Índia por manter equidistância diplomática e estratégica entre EUA e China, o "G2" do mundo atual.
O peso da história, vaidades nacionais e o complexo incompatibilidade-inabilidade em suas trajetórias de ascensão arriscam a fazer com que o potencial de relacionamento entre os gigantes China e Índia seja irrealizado.
Assim, o namoro entre o elefante e o dragão promete pouco de harmonioso e, ainda menos, de previsível.
