Com Blog do Noblat - O Globo
Ailton de Freitas (Foto: Agência O Globo)
No deserto de homens, de idéias e de princípios que o Brasil apresenta, a sí próprio e ao mundo nestes dias de começo de dezembro, prenunciadores de um longo verão de sustos quase diários (a julgar pelos fatos graves e vertiginosos das duas últimas semanas, incluindo a aceitação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff e seus desdobramentos), eis que algumas trilhas e uma réstea de luz surgem na telinha da TV.
Refiro-me, evidentemente, à entrevista exclusiva do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, dada ao jornalista Roberto D'Ávila no canal privado de televisão Globo News, na quarta-feira, 2, para não esquecer. Ironicamente (ou não?) na data comemorativa do Dia Nacional do Samba, o resistente ente brasileiro que "agoniza mas não morre", segundo o canto consagrado por Beth Carvalho. O programa foi a grata surpresa no meio do caos e da geléia geral, dos tempos atuais.
O entrevistado, figura polêmica e referência do país na atualidade (desde o processo do Mensalão que ele conduziu no Supremo Tribunal Federal, galvanizando atenções internas e internacionais), bem cotado (o que é raro atualmente) em praticamente todas as pesquisas de opinião pública dos melhores institutos. Só comparável, talvez, a outro juiz exemplar: Sérgio Moro, o condutor da Operação Lava Jato. Não por acaso, ambos firmes e corajosos membros do Judiciário, dedicados ao combate sem tréguas à corrosiva corrupção que grassa, igualmente, nos âmbitos público e privado da vida brasileira, a ponto de transformar-se, ultimamente, na maior preocupação da sociedade brasileira. "O que é extremamente positivo, considera o entrevistado.
Joaquim Barbosa, magistrado voluntariamente aposentado, no domínio pleno de pensamento e ação, que foge aos padrões da trivialidade e obviedade do falar e agir destes dias egocêntricos, interesseiros e pusilânimes: um tipo avesso a salamaleques e tapinhas nas costas, com sangue de verdade correndo nas veias. Inflexível e duro nas questões éticas e de princípios (às vezes explicitamente magoado, amargo mesmo, como se revelou na conversa na Globo News, ao falar de racismo no Brasil e do tratamento que recebeu da imprensa e das corporações em sua passagem pela chefia do STF, da qual diz não sentir saudades.) Mas dotado daquela "santa indignação" que eleva o ser humano, de que fala Nelson Rodrigues em suas crônica e romances.
O ex-presidente da Suprema Corte retorna à telinha "para falar sobre a situação do Brasil", um ano e meio depois de ter deixado o posto onde poderia ter permanecido por mais tempo legalmente e, em seguida, ter renunciado à magistratura, abandonando a vida pública. Quando, então, deu a entrevista histórica que marcou a inauguração do programa de Roberto D'Ávila no canal privado da Globo.
Instado pelo apresentador (elegante, sóbrio e bom jornalista como sempre) a dizer como vê seu país hoje, Barbosa economiza discurso, mas é perfeito na observação, ainda mais se sabendo que a conversa foi gravada antes dos acontecimentos da quarta-feira:
"Vejo o Brasil como um país que vive a sobressaltos. A cada momento é uma coisa nova. uma estupefação maior para a população". Perguntado sobre as raízes dessa situação, ele é ainda mais efetivo e vai direto ao ponto. "O que há é o início de uma confrontação do país consigo mesmo. O Brasil não se conhece. O brasileiro não sabe direito como a nação, como o estado brasileiro se formou. Qual é a gênese deste mal estar, dessas descobertas infelizes que nos assaltam praticamente a toda semana. E elas estão, seguramente, nesta maneira trêfega como o Brasil se formou... E isso foi formando esse caldo de cultura, de privilégios de patrimonialismo, de clientelismo que estamos vendo agora”.
Mais não digo, nem precisa. Porque a entrevista corre nas redes sociais, nos jornais, nos blogs da internet, e deveria, por seu conteúdo, circular e ser motivo de estudos e debates nas escolas e universidades brasileiras. Antes do ponto final, só o registro de que para Joaquim Barbosa, ao contrário do que muitos afirmam, parte das instituições brasileiras não está funcionando. "E a que menos funciona é a Presidência da República". Em segundo lugar, vem o Congresso, onde o presidente Eduardo Cunha age "com a mais completa irresponsabilidade".
No nosso sistema político, a Presidência é o centro de gravidade. O presidente é o catalisador de todas as ações, ele se comunica diretamente com a Nação, este é o seu papel mais importante. Isso não acontece no Brasil. A presidente Dilma só se comunica com os seus, com os amigos, com o seu tutor". Na mosca! E desce o pano até o próximo capítulo ou o desfecho desta história nada exemplar. Bravo Joaquim Barbosa! Parabéns (mais uma vez) Roberto D"Ávila