No exercício da Presidência da República, Michel Temer reuniu na noite passada um grupo de caciques do PMDB. O encontro ocorreu no Jaburu, o palácio que serve de residência para o vice. Terminou no início da madrugada desta quarta-feira. A conversa não foi boa para Dilma Rousseff.
Os figurões do PMDB concluíram que o processo de deterioração do governo acelerou-se. Avaliaram que Dilma reage à conjuntura de forma atrabiliária. E começaram a se questionar sobre o custo político do apoio ao governo dela. Ficou entendido que o PMDB precisa rediscutir seu papel na aliança governista.
Dilma será informada da novidade logo que retornar da viagem aos Estados Unidos. O PMDB quer levar à mesa inclusive o acordo que transformou Temer em articulador político do governo. Considera que a missão do vice será concluída depois da aprovação de todas as medidas do ajuste fiscal.
Para fechar a conta, falta votar no Senado a proposta que eleva a tributação da folha salarial de cinco dezenas de setores da economia. Na fase pós-ajuste, a permanência de Temer na coordenação dependeria da evolução das conversas com Dilma.
Estavam na reunião com Temer pesos-pesados como os senadores Jader Barbalho e Romero Jucá; os ministros Henrique Eduardo Alves (Turismo) e Eliseu Padilha (Aviação) e o ex-ministro Moreira Franco, hoje presidente da Fundação Ulysses Guimarães, braço acadêmico da legenda.
Há um quê de fisiologismo na ebulição do PMDB. Sempre há. Mas a crise atual tem um ingrediente novo. No seu pedaço fisiológico, a encrenca inclui compromissos que Temer teve de assumir com os partidos governistas para arrancar as medidas econômicas do Legislativo.
Obtida a mercadoria, os auxiliares petistas de Dilma sonegam a recompensa prometida aos aliados: cargos e verbas orçamentárias. Há pendências em várias áreas. Antes concentradas no ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil), as críticas se diversificaram.
No momento, a irritação mais aguda é com a petista Miriam Belchior, deslocada do Ministério do Planejamento para a presidência da Caixa Econômica Federal. Temer negociou a cessão de algumas vice-presidências da Caixa para partidos governistas. Feitas as indicações, Miriam sentou em cima.
Amiga de Dilma, Miriam fez pior: vazou para a imprensa a tese segundo a qual decidiu vigiar a caneta para não correr o risco de transformar a Caixa numa nova Petrobras. Temer, seus correligionários e os partidos que tinham a expectativa de assumir posições na casa bancária estatal ficaram tiriricas.
O que há de diferente na crise atual é que o PMDB começa a condicionar sua parceria com Dilma a um cálculo do tipo custo-benefício. Algo natural para uma legenda que diz ter pretensões de empinar um nome próprio em 2018. O inusitado é que a legenda faz as contas a três anos e meio do fim do atual mandato. A questão já não se restringe aos cargos, disse ao blog um dos participantes da reunião do Jaburu.
Cedo ou tarde, os cargos sairão, completou o interlocutor de Temer. O que se discute agora é a própria capacidade do governo de dar conta do seu expediente, fazendo a gestão econômico-financeira do país. Na visão do PMDB, o governo relaxou depois que obteve —mediante muitas concessões— o aval do Congresso às medidas econômicas amargas.
Nas palavras de um segundo participante do encontro do Jaburu, não foi um relaxamento benigno, uma redução do nível de tensão. Relaxou-se no cumprimento de acordos, no respeito à palavra empenhada. Algo que, na política de resultados que vigora em Brasília, costuma provocar reações.
Eduardo Cunha e Renan Calheiros, presidentes da Câmara e do Senado, deveriam ter comparecido ao Jaburu. Ausentaram-se porque presidiam sessões noturnas nas duas Casas do Legislativo. Em ambas os governistas se uniram à oposição para emboscar o governo de Dilma Rousseff.
Na Câmara, aprovou-se o pedido de urgência para a tramitação de um projeto que eleva o índice de correção do FGTS. Coisa que a pasta da Fazenda considera tóxica. Informado, Temer rendeu-se à lamentação depois do fato. Ninguém lhe informara sobre a existência da armadilha.
No Senado, aprovou-se por unanimidade uma proposta que adiciona reajuste médio de 59,5% nos contracheques dos servidores do Judiciário. Pelas contas do Ministério do Planejamento, a providência custará R$ 25,7 bilhões ao Tesouro. Para um governo que precisa apertar os cintos, trata-se de um despautério.
Líder do governo, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) encareceu a Renan que adiasse a votação. Argumentou que a pasta do Planejamento estava na bica de fechar com o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, um acordo mais barato para o erário. Apoiado pelos líderes partidários, Renan deu de ombros.
Seguiu-se uma cena típica de fim de governo. Embora todos soubessem que Dilma terá de vetar o projeto, ninguém se animou a votar contra, livrando a presidente do constrangimento. Todos preferiram lançar a bomba no colo de Dilma. O PT liberou sua bancada. As outras legendas recomendaram o voto “sim”.
Apinhadas de servidores, as galerias festejaram o triunfo como uma arquibancada de estádio em final de campeonato. O placar foi acachapante: 62 a zero. A votação foi simbólica. Qualquer senador poderia exigir uma votação nominal. Ninguém perdeu tempo. (o vídeo abaixo mostra os minutos finais da xepa)
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É a atmosfera de fim de feira que leva o PMDB a refletir sobre a conveniência de se manter no navio de Dilma. A menos que surja um iceberg na rota, esse tipo de desembarque não costuma ocorrer do dia para a noite. Ao farejar o cheiro de queimado, Dilma decerto dirá a Temer que nada mudou, que ele continua prestigiado, que os compromissos assumidos serão honrados.
A novidade é que, num instante em que até Lula bate em Dilma, a disposição do PMDB de levar a presidente a sério diminui na proporção direta do crescimento da deterioração precoce do governo Dilma. O PMDB tem um Congresso Nacional marcado para o final do mês de setembro. Perguntado se enxerga luz no fim do túnel, os dos visitantes do Jaburu disse: não vejo nem o túnel.