Como se a opinião pública de nada valesse, como se o orçamento do Congresso não fosse pago com recursos de todos os contribuintes brasileiros, como se os muitos problemas do país não lhe dissessem respeito, o comando da Câmara decidiu ampliar o pacote de mordomias à disposição dos deputados.
Na quarta-feira (25), mesmo dia em que a divulgação de novos dados intensificou o ceticismo do mercado quanto ao reequilíbrio das contas públicas, uma canetada de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Casa, determinou o reajuste de três benefícios mensais de que os parlamentares gozam.
Representando a fonte de despesas mais expressivas, a verba de gabinete, utilizada para contratar até 25 servidores, passou de R$ 78 mil para R$ 92 mil.
Além disso, também foram encorpados o auxílio-moradia e o chamado cotão, para gastos com a atividade parlamentar (telefone, passagem, consultoria e transporte, entre outras).
Somadas, as mudanças se traduzirão num desembolso adicional de R$ 150 milhões por ano. Ainda assim, Eduardo Cunha sustenta que não haverá aumento –apenas correção inflacionária– nem maior necessidade de dinheiro –seriam reduzidas as verbas de custeio.
As novas cifras de fato não ultrapassam os 18% correspondentes à inflação acumulada desde julho de 2012 (data do último reajuste), mas isso só legitimaria a medida se as despesas com regalias já não fossem excessivas. No atual cenário, trata-se de reposição do abuso.
Quanto aos cortes prometidos, se são possíveis, cabe perguntar por qual motivo nunca foram feitos com vistas a poupar recursos públicos. Os congressistas, cujos salários montam a R$ 33,7 mil, vivem longe da realidade, mas mesmo eles sabem que a economia brasileira atravessa tempos difíceis.
Alguns, ao que parece, estão mais atentos ao que se passa no país. Reunindo ao todo 64 deputados, as bancadas do PSDB e do PPS anunciaram nesta quinta-feira (26) que recusarão a cereja no bolo de Cunha: a permissão para que cônjuges dos parlamentares também possam usar bilhetes aéreos pagos pelo cotão.
O líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), afirmou que irá ao Supremo Tribunal Federal para derrubar o privilégio, cancelado em 2009 após o sugestivo episódio da "farra das passagens".
Retomar a mordomia era bandeira de Cunha na disputa pela presidência da Casa. Sua instalação, portanto, tem a cumplicidade dos 267 nomes que lhe deram apoio.
O mínimo a esperar, a partir de agora, é que os 246 deputados federais que não endossaram a candidatura do peemedebista rejeitem o retrocesso. Faltam 182.