Cleide Carvalho e Renato Onofre - O Globo
Em depoimento à Justiça do Paraná, Julio Camargo afirmou que era ‘regra do jogo’ pagar para obter contratos; já Mendonça Neto contou que os dois ex-diretores consolidaram cartel
O ex-consultor Julio Camargo, que representou a empreiteira Camargo Corrêa num consórcio que realizou obras na Refinaria Presidente Getulio Vargas (Paraná), confirmou que Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras, solicitou “vantagem indevida” nos contratos da empreiteira com a Petrobras. Já o empresário Augusto Ribeiro Mendonça Neto, dono da PEM Engenharia e da Setal, que deu origem ao Grupo Toyo Setal, afirmou que o cartel de empreiteiras para desviar recursos da Petrobras só se tornou efetivo quando o grupo, inicialmente formado por nove empresas, obteve acordo com dois diretores da Petrobras: Paulo Roberto Costa, da diretoria de Abastecimento, e Renato Duque.
Os dois detalharam à Justiça Federal do Paraná, em depoimento na segunda-feira, como era realizado o pagamento dessas propinas. Os depoimentos estão sendo divulgados pela Justiça nesta terça-feira.
Segundo Mendonça Neto, antes de Paulo Roberto Costa e Renato Duque entrarem no esquema, as empresas haviam combinado apenas não concorrer entre si nas licitações da Petrobras, como forma de driblar as regras da petrolífera, que eram muito rígidas e tinham causado problemas financeiros aos fornecedores durante a década de 90.
Mendonça Neto afirmou que o pagamento da propina para a área de Abastecimento foi inicialmente discutido com o deputado José Janene (PP-PR), falecido em 2010, e estabelecido em 1% sobre o valor do contrato. A propina para a Diretoria de Engenharia e Serviços, informou, foi discutida diretamente com Renato Duque, e foi pedido 2% sobre o valor do contrato. O empresário disse que um diretor da Petrobras tem grande poder de atrapalhar um fornecedor e o andamento da obra.
Os dois realizaram acordos de delação premiada com a Justiça.
No caso da Refinaria do Paraná, o valor dos contratos era de R$ 2,4 bilhões. Indagado se “houve alguma solicitação de vantagem indevida por parte de algum diretor da Petrobras para obtenção do contrato deste consórcio?”, Julio Camargo responde que “sim” e cita especificamente Renato Duque e Pedro Barusco, braço-direito de Duque.
Camargo contou que o pagamento de propinas de empresas à Petrobras era “regra do jogo”.
“Havia uma regra do jogo que se o senhor não pagasse propina à engenharia e ao abastecimento o senhor não teria sucesso ou o senhor não obteria contrato na Petrobras”, declarou.
Camargo contou ainda que barganhou o pagamento de propina a Duque. Em vez de pagar R$ 24 milhões, o empresário admitiu que pagou R$ 12 milhões, ou seja, 0,5% do valor da obra.
“Tinha como regra 1%, mas isso aí era muito flexível e sempre negociado. No meu caso eu sempre negociei para menor e nunca para maior”, declarou.
Camargo revelou ainda que não atuou juntamente à área de abastecimento, porque ele e a empreiteira, numa avaliação conjunta, entenderam que a empresa “tinha mais condição de ter uma solução na área de abastecimento”. Segundo ele, a Camargo Corrêa pediu que o consultor se concentrasse na área de engenharia “para obter sucesso na operação”.
Julio Camargo confirmou que quem cuidava de negócios com a área de abastecimento da Petrobras era Eduardo Leite (vice-presidente da Camargo Corrêa).
No depoimento de Mendonça Neto, chamou a atenção quanto a diretoria da Petrobras tinha peso sobre as operações da companhia.
“A diretoria da Petrobras tem um peso muito importante na operação da companhia. De modo que a posição de um diretor é absolutamente crucial para o andamento de uma companhia dentro das obras da Petrobras. Eles usavam este tipo de argumentação tanto para discutir as comissões quanto também o pagamento. Ele pode prejudicar deste não convidar, ou retirar do processo licitatório com algum argumento, pode atrapalhar em muito o andamento dos contratos. Ajudar é difícil. Muitas vezes pedimos ajuda e eles não tinham poder de ajudar, mas de atrapalhar sempre tinham um poder importante. Era muito mais no sentido de atrapalhar do que de ajudar. Eu diria que seria inimaginável não contribuir”, disse o empresário.
Segundo ele, a cobrança exercida sobre o pagamento da propina era muito grande.
“Numa determinada época chegamos a atrasar e a cobrança era efetiva”, comentou.
Mendonça Neto afirmou que, até a negociação com Costa e Duque, ocorrida entre os anos de 2003 e 2004, as empresa apenas não concorriam entre si. Depois do acerto com as duas diretorias, os convites da Petrobras para participar das concorrências eram mais dirigidos a essas companhias.
O empresário afirmou que a Setal, uma de suas empresas, era representada nas reuniões do cartel por seu diretor comercial, Marcos Berti, que lhe relatava as decisões do grupo. Segundo o empresário, a maioria dos encontros do cartel ocorreu na sede da construtora UTC, no Rio, ou no escritório de São Paulo, e o coordenador dos encontros era Ricardo pessoa, presidente da empresa.
O empresário reafirmou que, durante os anos de atuação do cartel, a Camargo Corrêa teve três representantes. O primeiro deles foi João Auler, hoje membro do conselho de administração da construtora, Dalton Avancini e Eduardo Leite, presidente e vice-presidente, pela ordem.