quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Preocupação do novo CGU é inocentar a 'laranja' de Dilma 'trambique': "Nada desabona Graça Foster"

André de Souza e Vinícius Sassine - O Globo

Ministro-chefe afirmou que cobrará da Petrobras documentos do projeto do gasoduto e disse que é preciso ‘resgatar’ a empresa

Valdir Simão, ministro-chefe da CGU, afirmou que área de controle interno já está elaborando pedido de informação - Jorge William / Agência O Globo


O novo ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Valdir Simão, chegou ao cargo há menos de uma semana e, nesse período, ocupou-se de praticamente um assunto: a crise da Petrobras, atribuída, em grande parte, a dificuldades de fiscalização por órgãos de controle como a própria CGU. Em entrevista ao GLOBO, o ministro falou em "resgate" da estatal, reconheceu a falta de controle pelos órgãos externos e disse que vai anunciar um conjunto de medidas para ampliar a fiscalização das estatais. Mas, na mesma proporção, o ministro responsável por fiscalizar o governo – egresso do cargo de secretário-executivo da Casa Civil – defende a presidente da Petrobras, Graça Foster, observa que determinados processos de compra da estatal precisam ser resguardados pelo sigilo.

Simão afirmou que pedirá explicações à Petrobras sobre a construção da rede de gasodutos Gasene, com a cobrança de documentos da estatal sobre o negócio. Uma série de reportagens do jornal revelou as suspeitas de superfaturamento e o uso de "empresas de papel" para executar as obras, conforme auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU). O pedido de explicações à Petrobras é um dos primeiros atos do novo ministro. Ele também já solicitou à área técnica que proponha um conjunto de medidas a serem apresentadas ao governo da presidente Dilma Rousseff, com foco no reforço do controle das estatais.

Simão, no entanto, adota um tom mais cauteloso do que o antecessor Jorge Hage. Para o novo ministro, o orçamento de custeio da CGU não sofreu alterações ao longo dos últimos anos, nem mesmo a fiscalização de recursos federais em pequenas cidades – afetada por contingenciamentos sucessivos no primeiro mandato de Dilma. Simão faz uma defesa explícita da atual presidente da Petrobras: "Não há nada que desabone Graça". Em dezembro, Hage criticou a fiscalização nas sociedades de economia mista.


O ex-ministro Jorge Hage dizia que a atual presidente da Petrobras, Graça Foster, abriu mais a empresa aos órgãos de controle. Qual a sua opinião sobre a presidente da Petrobras nesse processo?
Não tivemos contato direto com a presidente da empresa. Mas as informações que obtive aqui é de que ela tem trabalhado em estrita cooperação e colaboração com a CGU. Não há qualquer medida que desabone a conduta dela na apuração desses ilícitos. Então sou da mesma opinião do ministro Jorge Hage. A direção atual da empresa está atuando para a melhoria da governança e para implementação de um modelo de controle que não permita que uma situação como essa ocorra em uma empresa tão importante como a Petrobras.

A presidente Dilma fez uma recomendação expressa do que ela espera do senhor na CGU? Ela pediu algum tipo de mudança de rumo, pediu continuidade, fez alguma orientação no sentido de controle das estatais? Conversaram sobre isso?
A recomendação é de fortalecimento da CGU como órgão de controle. A nossa experiência — talvez seja umas das poucas qualidades que a presidenta poder ter visto com a minha chegada — é de melhoria de processos. O que precisamos é principalmente ampliar nossa capacidade de atuação preventiva, ajudando o governo na melhoria das suas rotinas.

Vai reforçar a equipe que fiscaliza contratos da área de energia do governo, em especial a Petrobras, em que havia dois auditores cuidando?
Queremos melhorar nossa performance, capacidade de atuação nas estatais e em especial na área de energia. Estamos discutindo desde que o dia que cheguei aqui, pedi para prepara um conjunto de medidas para isso. Vamos apresentar ao governo, discutir o que é possível implementar sem substituir o papel de controle primário que o próprio órgão e o ministério supervisor tem que exercer.

Vai priorizar a dificuldade de acesso a informações das estatais?
Há algumas situações que as empresas alegam sigilo comercial. No caso das empresas financeiras, sigilo bancário. Vamos ter que discutir caso a caso, com tranquilidade. Pessoalmente sou adepto da ideia de que a gente deve ter acesso a todas as informações e, como órgão de controle, garantir o sigilo dessas informações.

O Tribunal de Contas da União (TCU) enviou ofício cobrando explicação da CGU pela auditoria que apontou prejuízos de US$ 659,4 milhões na aquisição da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, pela Petrobras. Segundo o TCU, o prejuízo foi maior, de US$ 792,3 milhões. O que o senhor vai responder?
Eu pedi informação para a área técnica. Vamos apresentar ao TCU qual foi a metodologia usada para chegar àquele valor.

Por que a CGU não incluiu Graça entre os responsáveis, mas o TCU sim?
Eu não tenho elementos para falar disso. O que me disseram até o presente momento é de que não há indícios de envolvimento da presidente Graça sob a ótica da responsabilização dela como presidente.

A CGU pode corrigir os valores?
Se tiver errado, pode. Mas, me parece, que há um convencimento técnico de que a conta está correta.

Pode levar à inclusão de Graça?
Eu não vejo associação de uma coisa com a outra.

A privatização poderia ser um caminho para reduzir os focos de corrupção nas estatais?
Eu acredito muito que é possível ter administração pública correta, temos bons exemplos disso, séria, competente. Acredito muito na capacidade de gestão de agentes do governo. Não acredito que a solução para tudo seja a privatização Acho que a Petrobras é um patrimônio do povo, trabalhador e é uma empresa que a gente precisa resgatar. É fundamental que a gente faça esse resgate. Eu tenho plena convicção de que o governo tem capacidade para isso, de fazer novamente com que a Petrobras dê orgulho para todos.

A CGU poderá adotar alguma medida em relação às suspeitas sobre a construção da rede de gasodutos da Gasene?
A CGU vai pedir documentos com explicações à Petrobras sobre o Gasene. A área de controle já está formulando o pedido sobre isso.

O senhor fala que a Lei Anticorrupção, que entrou em vigor em 29 de janeiro, é aplicável. Mas diz também que o decreto regulamentando-a, e que ainda não foi editado, vai ter questões de cálculo da multa, da punição. Como é possível aplicá-la sem isso?
A lei tem um parâmetro muito importante: a punição nunca será menor do que o valor do dano causado. As punições que porventura existam antes do decreto podem ter parâmetro de fixação de multa no dano causado, observando os limites do faturamento (entre 0,1% e 20%). e só se aplica a fatos e eventos posteriores à lei. A lei pode retroagir no caso de leniência: há um posicionamento da área jurídica da CGU de que há possibilidade de aplicação para fatos anteriores.

Fala-se em acordão entre as empresas (investigadas na Operação Lava-Jato) para que haja acordo de leniência e que a história morra por aí. Já ouviu alguma coisa nesse sentido?
Não, não há. Primeiro, porque é uma manifestação de vontade das empresas e é individual. Tem que ser analisado caso a caso. E a conveniência para ter acordo é da administração. Não há possibilidade de acordo coletivo. Agora, algumas empresas já procuraram a CGU dese o mês passado — não me procuraram — para discutir esses acordos. Havendo manifestação delas individualmente, a CGU vai analisar individualmente, e respeitando o sigilo. Posso te garantir o seguinte: antes de chegar à CGU, não tive contato oficial ou extra-oficial com empresas da Lava-Jato ou orientação do governo para esse tipo de procedimento (acordão).

O senhor defende a ideia de colocar as compras da Petrobras no portal de compras do governo federal?
Não tenho ainda opinião formada sobre isso. Acho que o processo de compras da Petrobras precisa ser aperfeiçoado. Para mim isso está claro. Agora, qual o instrumento é o que a gente precisa avaliar. É uma empresa que tem as suas especificidades. A gente tem que garantir um certo sigilo nas operações do ponto de vista de concorrência e ao mesmo tempo garantir transparência para que não ocorra nenhuma bobagem no processo de compras. O manual de compras da empresa precisa ser melhorado, sem dúvida nenhuma.

Se a CGU investigar um diretor da ativa da Petrobras, ele deve ser afastado?
Não tenho opinião formada sobre isso. É uma situação em tese. Não me deparei ainda com diretor investigado.

Além da Petrobras, outras estatais criaram estruturas de controle interno?
Não tenho avaliação de todas as estatais. Pedi um levantamento. Temos uma quantidade muito grande de empresas. Temos que nos preocupar inicialmente com as maiores. Mas ainda não tenho uma visão de 360 graus de todas elas. Acredito que fica pronto nas próximas semanas.

O ex-ministro Jorge Hage disse que o orçamento da CGU é menor do que o dinheiro devolvido por um ex-funcionário da Petrobras. O orçamento hoje é adequado?
É um orçamento que tem se mantido, com todas as restrições que tivemos nos últimos anos. É lógico que quanto mais recurso melhor. Mas temos que garantir eficiência diariamente buscando melhoria e economia.

O ex-ministro Jorge Hage destacou na semana passada que nos últimos três anos a CGU evitou perdas de R$ 6 bilhões. Não é contraproducente cortar o orçamento de um órgão que gera essa economia aos cofres públicos?
Depende do que se corta. É lógico que defendo que não haja contingenciamento no orçamento da CGU. Essa é minha expectativa. E é lógico que precisamos priorizar o trabalho de controle. Agora, nós precisamos entender, e a CGU participará desse esforço, de que haverá necessidade de contingenciamento forte, de redução de despesas discricionárias.

Que medidas o senhor vai instituir?
Uma grande primeira medida é que vamos fazer um sorteio de municípios (que recebem repasses federais e são fiscalizados pela CGU) que não será aleatório. Vamos agregar elementos de inteligência. Hoje o sorteio é regionalizado. Há um critério hoje de que quem foi selecionado nos últimos três sorteios está excluído. E, para os demais, há prioridade para os municípios de até 100 mil habitantes. O que a gente vai fazer? Estamos criando um conjunto de indicadores para focar nossa atuação onde efetivamente possa ter problema. Na medida em que seleciono os alvos em função dos problemas que a malha fina vai me apontar, a tendência é visitar municípios onde haja problemas. Com isso, a gente ganha com eficiência.