domingo, 18 de janeiro de 2015

"O jornal do dia seguinte", por Vera Guimarães Martins

Folha de São Paulo


"Vivemos uma época em que a velocidade das transformações atordoa, e a imprensa escrita está enfrentando essas mudanças a duras penas. A meu ver, sua chance de sobrevivência está na busca de consistência, de análise, de reflexão", escreveu a leitora Ilka C. "A Folha", arrematou ela, "aponta na direção da superficialidade."

O diagnóstico é duro, mas a crítica tem aparecido com frequência nas mensagens à ombudsman. Dizem esses leitores, com razão, que quem se dispõe a ler o noticiário impresso no dia seguinte espera que ele seja melhor do que o material oferecido na véspera na internet, não tanto em quantidade de informação (o que seria impossível), mas em profundidade na abordagem.

Essa equação era mais fácil quando jornais e sites tinham Redações separadas, cada uma produzindo seu próprio noticiário. Com a unificação, uma tendência mundial, o conteúdo do jornalismo digital melhorou (embora ainda haja muito a fazer) e o do impresso perdeu parte de sua vantagem, uma vez que os dois ficaram mais parecidos.

No caso da Folha, pesa ainda um paradoxo. A reivindicação de maior profundidade convive com um projeto gráfico que prevê textos mais curtos, sucintos. O modelo roda bem na cobertura do factual mais simples, mas não dá conta de histórias complexas, com versões conflitantes e vários desdobramentos, que demandam amarração e maior didatismo, para situar o leitor.

Para esses casos deveria valer a regra da exceção, prevista pelo jornal, que é apostar em narrativas mais longas e bem trabalhadas. Nem sempre acontece, e a cobertura do atentado em Paris é o exemplo mais recente. Quem acompanhou o noticiário nas duas plataformas não viu motivo para acreditar na proclamada superioridade do papel. O jornal do dia seguinte tinha seus diferenciais, mas derrapou na narrativa, muitas vezes confusa e espremida, encaixotada em um só texto.

No cotejo com o digital, o papel levou a pior. O ataque recebeu cobertura extensa e ao vivo nos sites, que compartilhavam cada detalhe ou fiapo de novidade em tempo real. Ok, a profusão de postagens sempre abriga irrelevâncias e notícias que serão desmentidas ao longo da apuração, mas inclui também a informação que estará no jornal, além do material que, por falta de espaço, será exclusivo do digital.

Para fazer frente a esse cenário, o impresso deveria mostrar excelência, funcionando como curador criterioso do conteúdo, com histórias bem amarradas, textos claros, gráficos relevantes e sem os erros que uma revisão atenta poderia evitar. Nesse caso não conseguiu.
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FONTE DE PROBLEMAS

Após sete anos de batalha legal, James Risen, do "New York Times", foi desobrigado nesta semana de depor como testemunha no julgamento de Jeffrey Sterling, ex-oficial da CIA acusado de fornecer detalhes sobre uma operação militar fracassada no Irã.

O governo americano acusa Sterling de ser o autor do vazamento das informações publicadas no livro "Estado de Guerra", que Risen lançou em 2006 (no Brasil, em 2007). O Departamento de Estado tentava obrigar o jornalista a confirmar isso. Caso se recusasse a responder, o que já havia dito que faria, ele poderia ser acusado de desobediência à corte e ser preso.

Nesta semana, o secretário de Justiça, Eric Holder, anunciou o recuo sobre a intimação ao repórter e declarou ter reescrito as regras do departamento, para evitar que jornalistas possam ser presos por protegerem suas fontes.

No Brasil, o STF suspendeu a liminar que determinava a quebra do sigilo telefônico de Allan de Abreu, repórter do jornal "Diário da Região", de São José do Rio Preto, que também se recusou a revelar a fonte de reportagens sobre uma operação da Polícia Federal. A ver como ficará o mérito.