quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Em discurso, Dilma reafirma crença no que está errado

Laryssa Borges e Gabriel Castro - Veja


Presidente fez discurso de candidata citando números que não resistem à análise e voltou a falar da reforma política, velha pretensão do PT


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Dilma Rousseff acena para a multidão depois de ser empossada para seu segundo mandato de quatro anos, em Brasília - 01/01/2015
Dilma Rousseff acena para a multidão depois de ser empossada para seu segundo mandato de quatro anos, em Brasília - 01/01/2015 - Sergio Moraes/Reuters
Foi longo, mas pouco inspirador, o discurso de posse da presidente Dilma Rousseff em seu segundo mandato. Não se esperava, nem se pedia, que a governante reeleita renegasse os seus quatro primeiros anos de governo. Mas era necessário um compromisso mais claro com as correções de rumo necessárias na economia. E isso não veio em 45 minutos de fala — assim como não vieram ideias auspiciosas para a política. Usando as palavras da própria presidente, ela falou como a "encarnação de um projeto de nação" – o projeto petista que agora deverá completar 16 anos em curso.
Nos trechos sobre economia, Dilma fez lembrar a candidata que há pouco saiu do palanque, regurgitando números que nem sempre resistem à análise e siglas que devem ter deixado perplexos os convidados estrangeiros. A presidente mentiu ao dizer que sempre teve compromisso com a disciplina fiscal e o combate à inflação. O esforço para conter a gastança do Estado só começou com a escolha do banqueiro Joaquim Levy para ocupar o ministério da Fazenda há cerca de um mês, e o IPCA, que mede a inflação, permanece acima da meta há pelo menos um semestre. Em outro lance que fez lembrar o período eleitoral, Dilma, impenitente, atribuiu a estagnação da economia “a um ambiente internacional de extrema instabilidade e incerteza econômica”. E comemorou patamares recorde de investimento estrangeiro direto no país — quando esses permanecem estagnados no Brasil há três anos. Um ato falho resume o espírito em que ela proferia o seu discurso: "Vamos provar que é possível corrigir eventuais distorções e torná-las ainda melhores", disse a presidente.
No campo político, Dilma hasteou as bandeiras da reforma política, do combate à corrupção e da limpeza na Petrobras, palco do petrolão, o maior escândalo de desvio de dinheiro público já descoberto no Brasil. 
Ao falar da corrupção na estatal, a presidente mencionou “predadores internos” e "inimigos externos" — sem explicitar quem seriam esses sinistros inimigos. "A nossa Petrobras é uma empresa que teve lamentavelmente alguns servidores que não souberam honrá-la, sendo atingidos pelo combate à corrupção. Temos muitos motivos para preservar a defender a Petrobras de predadores internos e de seus inimigos externos”, disse, mais uma vez eximindo-se de responsabilidades nas indicações, por ela ou por sua base, de ex-funcionários hoje apontados como os principais operadores da sangria da empresa.
Dilma disse que a corrupção deve ser "extirpada". Anunciou que, ainda no primeiro semestre, pretende enviar ao Congresso um pacote de medidas para agilizar o julgamento de processos que envolvem crimes de corrupção e ampliar políticas de combate à impunidade. Do conjunto de propostas legislativas constam uma alteração na legislação eleitoral para tornar crime a prática de caixa dois, punir com rigor agentes que enriquecem ilicitamente, criar uma nova espécie de ação judicial para permitir o confisco de bens adquiridos de forma ilícita ou sem comprovação e agilizar o julgamento de processos de desvio de recursos públicos.​ “A corrupção rouba o poder legítimo do povo, ofende e humilha os trabalhadores, os empresários e os brasileiros honestos e de bem. A corrupção deve ser extirpada”, disse ela. Como já se fez hábito, contudo, Dilma tomou para si os méritos de investigação da Polícia Federal e o Ministério Público — como se esses não fossem órgãos independentes, com atribuições previstas na Constituição Federal.
A presidente também voltou a defender a necessidade de uma reforma política. “É inadiável implantarmos práticas políticas mais modernas, éticas e, por isso, mesmo mais saudáveis. É isso que torna urgente e necessária a reforma política”, afirmou. “Uma reforma profunda que é responsabilidade constitucional desta Casa, mas que deve mobilizar toda a sociedade na busca de novos métodos e novos caminhos para nossa vida democrática. Reforma política que estimule o povo brasileiro a retomar seu gosto e sua admiração pela política”, disse ela. 
Essa reforma é uma velha pretensão do PT. Mas um fato, obviamente não mencionado pela presidente, pesava sobre todas as palavras que ela disse nesta quinta-feira. Há indícios de que seu partido foi um dos maiores beneficiários do dinheiro desviado pelo petrolão, e que parte desse dinheiro entrou nos cofres da legenda como doação legal. Essa história deve ser esmiuçada ao longo de 2015 — e isso põe em dúvida a força e até mesmo a legitimidade do governo que começa agora pode ter para encabeçar esse projeto de reforma.