No vídeo gravado em fevereiro de 2011, durante o encontro de governadores do Nordeste ocorrido em Aracaju, a presidente está combatendo simultaneamente o raciocínio lógico, o idioma em geral e a gramática em particular quando sucumbe à emboscada da toponímia. Voltada para o pernambucano Eduardo Campos, ela se refere a uma cidade que abriga um projeto federal com cara de quem não sabe se o nome está certo. “Em Botirama, né, ô Eduardo?”, hesita. “Apicultura… em Botirama…”
Outra pausa. Alguém sopra alguma coisa. A impaciência já virou irritação. “É Poquitama?”, confere a voz de professora decidida a reprovar do primeiro ao último aluno da classe. “Eu falei pra vocês que não era Ibotirama!”, começa o pito. Depois de passear entre o leste e o oeste à caça de culpados, o olhar que mira a plateia é iluminado por um brilho homicida. “Cês vejam que qui é uma ótima assessoria…”, transborda o pote até aqui de cólera. “É Toritama?” (“Toritama”, ouve-se a confirmação sussurrada por Eduardo Campos. “E eles acharam esse Ibotirama sabe aonde? Na internet…”, termina o vídeo.
Passados quatro anos, Dilma institucionalizou a descompostura. Quase todo dia repreende algum sabujo com status de ministro. Os pitos que castigam assessores de baixa patente ficaram mais frequentes. E foram incorporados aos alvos preferenciais funcionários emudecidos pelo medo da demissão sumária. Na primeira reunião do ministério, por exemplo, sobrou para o operador de teleprompter, equipamentoacoplado à câmera que exibe o texto a ser lido por apresentadores de TV ou políticos que, em discursos de improviso, submetem os ouvintes e o idioma a selvagens sessões de tortura.
“Gostaria… de falar pra vocês agora…”, claudica Dilma na largada do vídeo de 56 segundos. A fisionomia crispada denuncia o desconforto da oradora. Estaciona numa pausa e se dirige com rispidez a alguém situado à sua direita: “Podia passá mais rápido, por favor?”, ordena. Recomeça o falatório: “Toda vez qui si tentô no Brasil… toda vez qui tentaram no Brasil disprestigiá o capital nacional tavam tentando, na verdade…”. Outra escala em reticências. Dilma olha para a direita, volta-se para a esquerda e rosna: “Bom, eu vô preferi lê, sabe?” A gravação é interrompida no meio da bronca.
Os dois episódios são irrelevantes se confrontados com os desastres políticos, administrativos e econômicos que transformaram Dilma Rousseff na mais desastrosa governante da história do Brasil, certo? Errado. Os dois vídeos, conjugados, radiografam com perturbadora nitidez uma figura atormentada por defeitos de fabricação sem conserto. O poste de terninho aglutina e funde a rabujice congênita, a arrogância ancestral, a intolerância sem remédio, a invencível aversão pela autocrítica, o ressentimento que proíbe o sorriso, fora o resto.
A executiva enérgica só existiu nos palanques atulhados de vigaristas e na imaginação dos idiotas profissionais. A Dilma real é a colecionadora de erros elementares, decisões desastrosas, monumentos à cretinice, escolhas imbecis, palavrórios absurdos e agressões à sensatez que jamais enxerga, admite ou reconhece. A marcha rumo ao penhasco é atribuída a países, circunstâncias, situações, pessoas, fenômenos ou outra coisa qualquer que nem um governo nota 10 pode controlar. A culpa é dos sempre dos outros. Até a troca do nome de uma cidade. Até as frases sem começo, meio e fim.
As grosserias endereçadas a digitadores de discursos ou operadores de teleprompter tornam ainda mais cinzento o retrato de Dilma. A chefe que repreende ministros em conversas sem testemunhas guarda os pitos com plateia para soldados rasos. A presidente que jura governar para os pobres reserva o sorriso de aeromoça aos corruptos de estimação e cúmplices do calibre de Graça Foster ou Elenice Guerra. O Brasil que presta saberá tratar sem clemência a mulher incapaz de mostrar compaixão por subordinados sem voz.