Marcelo Remígio - O Globo
Governos não se entendem, e casas para moradores de áreas de risco e contenção de encostas ficam no papel

Enquanto o país enfrenta a maior crise hídrica da História, com o risco de racionamento de água no Sudeste, os governos federal, de estados e de municípios não conseguiram solucionar até hoje problemas ocasionados há mais de quatro anos pelas chuvas intensas que destruíram cidades da Região Serrana do Rio, Alagoas, Pernambuco e Santa Catarina.
A burocracia e a falta de entendimento entre os governos emperraram obras, como construção de pontes e contenção de encostas, e impediram que fosse zerado o déficit habitacional ocasionado por famílias que ocupam áreas de risco ou recebem, atualmente, o aluguel social.
Em Petrópolis, umas das cidades mais castigados pela chuva da noite do dia 11 de janeiro de 2011 na Região Serrana — enchente que deixou 907 mortos, 215 desaparecidos e 35 mil pessoas sem moradia, a maior tragédia natural do país —, os projetos de reconstrução ficaram dois anos parados. Só em 2013 o município conseguiu resgatar verbas federais e começar a recuperação de encostas. A cidade foi incluída no PAC das encostas, que prevê obras em 14 áreas de risco, divididas em três lotes, num investimento de R$ 55 milhões.
As obras começaram há pouco mais de um ano. O primeiro lote está com cerca 50% das contenções em andamento; o segundo, 10%; e o terceiro ainda permanece no projeto. Uma das obras era esperada há mais de 20 anos, a contenção de encostas da Rua Casemiro de Abreu, no Centro, destruída pela enchente de 1988, e somente saiu do papel por causa da enxurrada de 2011.
CASAS NÃO FORAM CONSTRUÍDAS
Também em Petrópolis, moradores de áreas de risco ou que perderam suas casas há quatro anos aguardam a construção de dois conjuntos habitacionais nas localidades de Vicenzo Rivetti e Caetitu. O primeiro, com 776 unidades, teve as obras iniciadas com atraso de dois anos. Já o segundo emperrou nas exigências feitas pelo governo federal. Os dois conjuntos zeram o atual déficit habitacional.
Segundo o prefeito Rubens Bomtempo, que assumiu o município em 2013 para seu terceiro mandato, o projeto do Caetitu prevê 720 casas para famílias com renda de até dois salários mínimos. Apesar de aprovado pelo Ministério das Cidades — por meio do programa Minha Casa Minha Vida — com as unidades avaliadas em R$ 75 mil, o projeto voltou a emperrar, desta vez na Caixa Econômica Federal. A instituição alega agora, explica a prefeitura, que as famílias selecionadas têm renda para imóveis de R$ 69 mil e não de R$ 75 mil.
A diferença de R$ 6 mil por unidade deveria ser paga pelo municípios. Na área destinada ao conjunto do Caetitu, na antiga Granja São José, a sede foi demolida, mas um azulejo decorativo resiste na entrada da propriedade com a seguinte frase: “Saber esperar é uma grande virtude”.

— Cumprimos as exigências, compramos a área por R$ 2,2 milhões, fizemos o projeto de urbanização e recebemos as licenças ambientais. A prefeitura não tem como arcar com nova despesa — diz Bomtempo, que defende mudanças na legislação para a reconstrução de cidades. — A Serra tem característica própria. Uma cartilha não pode valer da mesma forma para todo o país. Contenção de encosta não fica pronta em 180 dias como exige a verba emergencial. Esse prazo deveria ser estendido obedecendo a realidade. A lei é igual para obras de R$ 1 milhão ou R$ 100 milhões.
Outro exemplo de projeto atolado na burocracia: o que prevê a construção de quatro pontes sobre o Rio Santo Antônio, no bairro Vale do Cuiabá — as existentes em 2011 foram levadas pela enxurrada. Somente duas começaram a ser construídas, já que o projeto precisou ser refeito por prever melhorias com duas pistas. As originais permitiam a passagem de um veículo. Mas, alegou o governo federal, as verbas emergenciais são para reconstrução e não modernização.
Já em Teresópolis, também na Serra, a demora na entrega dos primeiros 200 apartamentos do Conjunto Fazenda Ermitage se transformou em desesperança para o aposentado Amaurino Ancelmo Gonçalves, 67 anos, morador em Campo Grande, bairro onde morreram 200 pessoas na chuva de 2011. Mesmo após sua casa, na beira do Córrego do Príncipe, ser interditada, ele permanece no imóvel:
— O conjunto era para ter sido entregue no fim de 2012. Foi entregue? Já saímos de 2014 e nada. Não posso deixar minha casa — diz o aposentado, que cuida de dez cachorros resgatados na enchente. O conjunto prevê 1.600 unidades e as primeiras não foram ocupados por falta de um viaduto de acesso ao local, às margens da BR-116.
GRUPO DE TRABALHO VAI ACOMPANHAR PROJETOS
Para retomar e agilizar obras paradas no Estado do Rio, o governador Luiz Fernando Pezão e o ministro das Cidades, Gilberto Kassab, definiram a criação de um grupo de trabalho que acompanhe o andamento de projetos. A equipe deverá dar respostas rápidas às exigências burocráticas e aos questionamentos feitos pelo Tribunal de Contas da União (TCU), evitando que obras sejam paralisadas. Segundo Pezão, projetos de contenção de encostas e de recuperação da Região Serrana estariam emperrados depois de passar por aditivos.

O governador do Rio esteve com o ministro das Cidades no último dia 14, quando apresentou um levantamento que aponta a liberação de cerca de R$ 8 milhões em recursos do Ministério das Cidades para o estado. No entanto, parte desses investimentos não saiu da gaveta em função de obras paradas.
A formação de um grupo de trabalho para acompanhar projetos foi adotada pela prefeitura de Petrópolis no início de 2013.
Com o grupo, o município conseguiu desengavetar projetos parados há dois anos e evitar o cancelamento de repasses de verbas. A equipe, batizada de Comitê de Monitoramento de Ações Emergenciais, se reúne uma vez por semana e faz visitas rotineiras aos ministérios das Cidades e da Integração Nacional.
— Recuperei, com esse acompanhamento, 80 projetos, dos quais 40 de infraestrutura. Na equipe há, inclusive, um representante da Caixa Econômica, onde muitas vezes os projetos ficam parados — afirma o prefeito Rubens Bomtempo.
PELO MENOS 2,9 MIL CASAS AINDA ESTÃO EM CONSTRUÇÃO
O Ministério das Cidades admitiu a morosidade na reconstrução da Região Serrana. No entanto, por meio de nota, justifica: “As intervenções de drenagem (saneamento) compreendem obras estruturantes, complexas e de grande porte que demandam uma fase de planejamento detalhado, equacionamento e aquisição das áreas onde serão edificadas as obras e todo o procedimento de licenciamento ambiental, sem contar o tempo necessário para a licitação. Além disso, pelo porte e da complexidade das obras, o tempo médio de execução é 36 meses.”
Segundo o ministério, foram destinados R$ 375 milhões para construção de 4.806 unidades moradias em Bom Jardim, Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis. “No âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), foram firmados nove termos de compromisso para execução de obras de macrodrenagem e manejo de águas pluviais em Friburgo (R$ 458,6 milhões), Petrópolis (R$ 225,8 milhões) e Teresópolis (R$ 219 milhões).”
O governo do Rio, por meio de nota, também reconheceu a burocracia e o atraso das obras. “As obras na Região Serrana seguem cronograma estabelecido pelo Governo do Estado, que enfrenta uma série de entraves burocráticos, muitos deles já superados.”
Foram investidos em contenção de encostas R$ 507,1 milhões: 74 obras concluídas em Friburgo, Teresópolis, Petrópolis e São José do Vale do Rio Preto e 12 em andamento. Foram entregues 1.617 moradias em Friburgo, 50 no Vale do Cuiabá e dez, em São José. Estão em construção 2.958.