Sentença dupla
Nos presídios há monstros humanos, mas outros tantos são só humanos; igualá-los é uma injustiça terrível
Resumo mínimo: o presídio comporta 1.985 presos, amontoa 4.590; esgoto a céu aberto atravessa o que seria o pátio; o comando real há muito tempo é exercido por facções criminosas. De Norte a Sul, portanto, o mesmo sistema. Não só nos presídios. Também o Judiciário e o Ministério Público se reproduzem no Brasil todo.
Os governos estaduais e o federal são os acusados de sempre. Por merecimento. Mas por exagero acusatório também, como é igualmente de praxe. A nenhum juiz, desembargador ou integrante de tribunal superior falta conhecimento das condições criminosas vigentes em presídios brasileiros. A nenhum promotor e nenhum procurador do Ministério Público Federal falta o mesmo conhecimento.
O padrão geral em suas atividades funcionais, no entanto, é este: nenhuma demonstração prática de interesse pela existência dessas masmorras medievais, configuráveis como crimes tanto na legislação brasileira de direitos humanos, como em tratados internacionais de que o Brasil é signatário.
E o conhecimento indiferente é apenas o começo. Aqueles monturos humanos se formam nos presídios por ação de promotores e julgadores, em princípio convictos da razão dada a seus atos pelo autos dos processos. E pronto, acabou-se. Vamos ao próximo.
Mas daí resulta que as condenações no Brasil são mentirosas. A lei e as sentenças referem-se a anos de reclusão. O cumprimento das penas inclui, porém, outra condenação, implícita na primeira e não declarada, logo, ilegal: a pena cronológica de muitos milhares será cumprida nas condições mais degradantes, física e moralmente.
A pior condenação, o maior sofrimento, não estão na sentença.
Dizia há pouco Gilmar Mendes:..."essas cadeias em que os presos fazem necessidades uns sobre os outros", palavras de ministro do Supremo Tribunal Federal. Gilmar Mendes a quem se deve, aliás, o programa de inspeção a presídios e verificação de penas concluídas, tarefa que levou representantes do Conselho Nacional de Justiça a desvendar o presídio maranhense. Em contrapartida às palavras e medidas de Gilmar Mendes, também há pouco dizia um ex-desembargador em seu comentário radiofônico, sobre determinados presos:..."concluída a reabilitação"... --haja hipocrisia.
Nos presídios há muitos monstros humanos, para os quais é difícil dirigir alguma piedade. Mas outros tantos são apenas humanos, humanamente criminosos. Igualá-los na perversidade da condenação dupla e degradante é uma injustiça terrível em nome da justiça. E faz ser o caso de perguntar-se se a degradação, nessas circunstâncias, atinge só os que estão dentro dos presídios.