"Mais gastos com pessoal", editorial do Estadão
Vem aumentando rapidamente o número de governos estaduais que gastam parcelas
cada vez maiores de sua receita com o funcionalismo. Apesar do aumento da
arrecadação, essa prática vem reduzindo a disponibilidade de recursos para
outros setores, sobretudo os planos de investimentos em ampliação e melhoria de
instalações e serviços públicos.
Entre 2010 e 2013, em 22 dos 27 Estados (incluindo o Distrito Federal) os
gastos com o pagamento do funcionalismo do Poder Executivo cresceram mais do que
a receita, como mostrou reportagem do Estado (29/12). Em nove Unidades da
Federação, essas despesas já superaram o limite prudencial fixado pela Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), o que implica a adoção de medidas excepcionais de
corte de gastos com esse item, e em três delas já foi alcançado o limite máximo
determinado em lei para esse tipo de despesas.
A crise mundial iniciada em 2008 afetou o desempenho da economia brasileira e
a arrecadação tributária em todos os níveis, o que tornou mais difícil a tarefa
dos gestores de recursos públicos de equilibrar adequadamente receitas e
despesas. A imposição pelo governo federal da redução das tarifas de energia
elétrica - a maior fonte do principal tributo estadual, o ICMS - também pode ter
afetado a arrecadação de vários Estados. Mas, apesar da crise e da questionada
política energética do governo Dilma, a arrecadação estadual cresceu 16% acima
da inflação entre 2010 e 2013. Isso indica que o notável aumento do custo da
folha como proporção da receita tributária líquida decorre de decisões dos
governantes.
Trata-se de uma escolha política perigosa para o equilíbrio das finanças
estaduais, cujo colapso, na década de 1990, ameaçava o equilíbrio da economia
brasileira e, por isso, exigiu medidas drásticas para contê-lo. Foi necessária
uma profunda e bilionária renegociação das dívidas estaduais, a eliminação das
principais fontes do endividamento estadual e, em seguida, a imposição de normas
rigorosas de gestão financeira do setor público, por meio da LRF, sancionada em
maio de 2000.
Desde então, os gastos dos Estados, sobretudo do Poder Executivo, com o
funcionalismo vinham se mantendo abaixo do limite prudencial (de 95% do teto
fixado pela LRF) na grande maioria dos Estados. Apenas quatro haviam
ultrapassado o limite prudencial em 2010; no ano passado, já eram nove e outros
dois, cujos gastos com a folha de pessoal vêm crescendo mais do que a receita,
estavam prestes a alcançá-lo.
A deterioração da política fiscal por aumento dos gastos com pessoal é
disseminada. De 16 Estados que não atingiram nenhum dos dois limites, apenas 3
diminuíram proporcionalmente esses gastos.
Esses dados sugerem que o rigor da LRF e da Constituição Federal não parece
mais suficiente para inibir governadores dispostos a beneficiar aliados com
dinheiro do contribuinte. A Constituição é clara ao estabelecer que, excedidos
os limites fixados em lei para os gastos com pessoal, não serão permitidos a
concessão de vantagens ou o aumento de remuneração, nem a criação de cargos,
empregos ou funções, se não houver dotação orçamentária suficiente para esses
gastos. Além disso, o ente que ultrapassar o limite terá de reduzir em 20% os
gastos com cargos em comissão e exonerar servidores não estáveis. Se em
determinado prazo esse ente não tiver contido as despesas nos limites legais,
serão suspensos todos os repasses de verbas federais.
A LRF institui os limites prudenciais para evitar que se chegue a essa
situação. Assim que o limite prudencial é atingido, o Estado ou município não
poderá conceder aumentos, criar cargos, alterar estrutura de carreira que
implique aumento de despesa, preencher cargos vagos e conceder horas extras. Se
o excesso de despesas não for eliminado nos dois quadrimestres seguintes, o
Estado ou município fica sujeito à suspensão das transferências voluntárias e do
direito de contratação de operação de crédito.
O fato de 2014 ser ano eleitoral torna improvável a necessária correção da
gestão financeira dos Estados - se não servir para torná-la ainda pior.