segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

O ‘crime’ de ser israelense, Eugênio Goussinsky

Decisão de investigar soldado israelense é mais um estrago na imagem internacional do país

A decisão de investigar um soldado israelense em férias no Brasil intensificou a crise diplomática entre o governo Lula e Israel | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock/Flickr 


O antissemitismo, que tem espalhado suas sementes em diversas partes do mundo, também encontrou solo fértil no Brasil de Lula da Silva. A colheita mais recente aconteceu na virada do ano, quando a juíza federal Raquel Soares Chiarelli, do Distrito Federal, determinou a instauração de um inquérito contra o soldado israelense Yuval Vagdani. Acusação? Supostos crimes de guerra na Faixa de Gaza. 

O militar estava de férias em Morro de São Paulo, litoral da Bahia. 

A decisão da juíza abriu um novo capítulo na crise diplomática com Israel, que pediu aos seus cidadãos que não viajem mais para o Brasil. O receio é de que as atitudes arbitrárias de integrantes do Judiciário brasileiro recaiam sobre eles. 

Vagdani é um sobrevivente dos ataques bárbaros do Hamas ao festival Nova, em 7 de outubro de 2023. Entrou regularmente no Brasil para passar férias na Bahia. Foi surpreendido por um aviso do pai de um amigo, que estava com ele no Nordeste. O alerta era para que saísse imediatamente do país, por causa da denúncia.

O soldado da reserva, alvo de uma organização anti-Israel que o acusava de crimes de guerra em Gaza, enfrentou pressão das autoridades brasileiras para ser interrogado, desembarcou no Aeroporto Ben Gurion está manhã. Ao retornar a Israel, ele declarou: “Não voltarei ao Brasil. Vai ficar tudo bem; isso não vai me destruir”. View all 833 comments Add a comment... 




A ordem da juíza se baseou no Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI). A advogada Tamara Segal, especializada em Direito Internacional Privado, definiu a decisão como um “espetáculo circense”.

“A Justiça brasileira não tem competência para julgar supostos crimes de guerra praticados por país estrangeiro no exterior”, disse a advogada em redes sociais. “Isso cabe às Cortes internacionais.” 

O absurdo ficou ainda maior pelo fato de não existir acusação contra Vagdani em âmbito internacional. Nem mesmo no Tribunal Penal Internacional. “O soldado não tem legitimidade para responder por supostos crimes de guerra; quem responde são seus superiores”, acrescenta Segal. 

Intimidação de israelenses A credibilidade duvidosa da ONG denunciante também não foi levada em conta pela juíza. A denúncia foi enviada por Dyab Abou Jahjah, idealizador da Fundação Hind Rajab, sediada na Bélgica. A entidade tem divulgado dados pessoais de soldados israelenses e buscado ações jurídicas contra eles em países estrangeiros.

Dyab admitiu ter servido ao grupo libanês Hezbollah quando era jovem. Seu histórico de apoio a grupos terroristas é longo. Ele declarou que a morte de soldados norte-americanos, britânicos e holandeses foi uma vitória. Definiu o terrorista Hassan Nasrallah, ex-líder do Hezbollah, morto aos 64 anos em setembro último, como “uma ideia”. 

Também comemorou a realização de atentados como o de 11 de setembro de 2002 nos Estados Unidos e o de 7 de outubro de 2023 em Israel. O Hamas ainda mantém mais de cem pessoas como reféns, incluindo mulheres e crianças. Nem por isso, Dyab deixou de enaltecer, nas redes sociais, os terroristas que mataram cerca de 1,2 mil pessoas naquele ataque, os quais chamou de “combatentes da resistência” . 

“A ordem da Justiça Federal contra o turista estrangeiro se baseou unicamente em uma acusação de uma entidade cuja intenção evidente é usar o conflito em Gaza como justificativa para intimidar israelenses ao redor do mundo”, resumiu o jornal O Estado de S. Paulo, em editorial.




Coube à Polícia Federal tentar barrar a iniciativa precipitada da juíza. Enviou documento ao Ministério Público Federal (MPF) no qual argumenta que não há elementos para a investigação e pede que a ordem seja reavaliada. 

O inquérito prossegue, sob sigilo. Segundo Igor Sabino, doutor em ciência política e gerente de conteúdo da instituição StandWithUs, o Brasil corre o risco de misturar sua imagem ao terror quando começa a investigar Vagdani. “A gente observa uma questão ideológica, que tem como alvo esse israelense apenas por ser israelense”, avalia Sabino. 

‘Estado patrocinador de terroristas’ O governo brasileiro questionou a decisão do Tribunal Penal Internacional de ordenar a prisão do presidente russo Vladimir Putin. Mas, com relação ao soldado israelense, se omitiu. Isso, na visão de líderes da comunidade judaica brasileira, demonstrou falta de disposição em preservar a relação com o Estado de Israel. O episódio agravou as já tensas relações entre Israel e Brasil. 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em fevereiro de 2024, comparou as ações do Exército israelense às dos nazistas na Segunda Guerra, o que, depois de uma discussão pública, causou a retirada do embaixador brasileiro em Tel-Aviv. No Brasil, o embaixador israelense trabalha em dobro para evitar que as relações se rompam de vez. Mas elas têm ficado cada vez mais difíceis.

“Autoridades de Israel emitiram nota recomendando que seus cidadãos não visitem o Brasil”, declarou o palestrante Daniel Scott, no Instagram. “Por ano, cerca de 38 mil israelenses visitam nosso país, gerando por volta de R$ 230 milhões para nossa economia. Esse é o peso da caneta de uma única juíza federal que quer aparecer.” 



Em Israel, a decisão da Justiça brasileira foi vista como resultado da postura do governo Lula. Dan Illouz, parlamentar governista israelense, declarou, na plataforma X, que o “Brasil se tornou um Estado patrocinador de terroristas”. Ele disse que o governo de Benjamin Netanyahu tomará atitudes e que o Brasil “pagará o preço se não mudar sua conduta”. 

“Israel não ficará de braços cruzados diante da perseguição de seus soldados”, afirmou. Ferramenta ideológica Em fevereiro de 2023, pouco mais de um mês depois da posse, o governo Lula sinalizava sua atração para o chamado “eixo do mal”. Oito meses antes do 7 de outubro, desafiou os Estados Unidos e deu permissão para que dois navios de guerra do Irã — país que patrocina o Hamas — atracassem no Porto do Rio de Janeiro. 

“Esses navios, no passado, facilitaram o comércio ilícito e atividades terroristas e já tiveram sanções da Organização das Nações Unidas”, afirmou a embaixadora norte-americana, Elizabeth Bagley. “O Brasil é um país soberano, mas acreditamos fortemente que esses navios não deveriam atracar em qualquer lugar.” A aversão a Israel, um país judaico e uma democracia também alinhada a valores ocidentais, é um sintoma do atual governo brasileiro. 

A incapacidade de dialogar com um país que outrora foi um importante parceiro revela algo destrutivo. A imagem negativa se espalha por todo o cenário internacional.

O Brasil começa a ser visto como um pária. Adotou práticas que comprometem sua posição no cenário global. Prioriza, de forma macabra, a aproximação com regimes autoritários. Sua política tem sido marcada pela crítica às alianças ocidentais e pelo alinhamento a ditaduras como as do Irã e da Venezuela. 

A opção por se aliar a países que apoiam o terrorismo contraria a fama adquirida pelo Itamaraty ao longo de sua história. Em outros tempos a instituição já deu ao Brasil uma aura de país conciliador e pacífico. No governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a diplomacia está sendo utilizada como ferramenta ideológica.

“O Brasil novamente se vê em uma busca por demonstrar um alinhamento a parceiros internacionais e a correntes de opiniões internas mais à esquerda”, ressalta o professor Mário Machado, do Instituto Monitor da Democracia. “Há um risco de, nessa operação, alienar parceiros tradicionais como os Estados Unidos e a Europa.” 

Não bastou, porém, o apego a alianças tóxicas. Era preciso se assemelhar a esses países. Em 2024, o governo apoiou a suspensão do X, durante conflito jurídico entre o proprietário da rede, Elon Musk, e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. 

Na ocasião, Moraes ordenou o bloqueio da rede depois de a empresa não cumprir a determinação de nomear um representante no país. Resultado: cerca de 40 milhões de usuários (segundo a eMarketer) ficaram impedidos de utilizar uma das principais plataformas para a circulação imediata de notícias e opiniões. 

A atitude de Moraes, apoiada por Lula, foi vista pelos advogados do X como censura. Eles afirmaram que, nos casos investigados por suspeita de disseminação de fake news, o bloqueio deve ser aplicado a contas específicas — e não à plataforma inteira. Eixo de ditaduras Ao assumir a presidência do Brics em 2025, o Brasil deixou claro que a “guerra” vai continuar. 

A proposta de “fortalecimento institucional do Brics” também é vista como uma tentativa de reforçar narrativas antiocidentais, alinhadas aos interesses estratégicos de Moscou e Pequim. João Nyegray, professor da PUC-PR, alertou no jornal Gazeta do Povo que a tentativa de fortalecer o Brics pode enfraquecer o projeto de um sistema multilateral na relação entre os países.

Para ele, o presidente Lula terá dificuldade em fortalecer o Brics “porque há diferenças bastante consideráveis entre esses países, que são nações que estão tendendo ao autoritarismo”.




A postura de Lula, que tem se aproximado desses líderes autocráticos e defendido pautas que favorecem o “eixo das ditaduras”, pode colocar o Brasil em rota de colisão com as democracias ocidentais. E, consequentemente, minar sua credibilidade internacional. 

Mesmo sem relação direta, a ordem da Justiça para investigar o soldado israelense não foi mera coincidência. Reflete um ambiente de hostilidade diplomática e de incompreensão cultivado pelo governo Lula quando o tema é Israel. Que é a única democracia do Oriente Médio, que exerce seu direito de defesa e toma providências para não atingir civis. Mas, para os poucos amigos de Lula, como se vê, a democracia é apenas um detalhe. 

Revista Oeste