sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

'A lição do Pix', por Edilson Salgueiro

Ex-presidiário Lula tentou jogar para os pobres a conta do rombo fiscal, mas a revolta dos brasileiros nas redes sociais impôs ao governo a maior derrota em dois anos


Foto: Miguel Lagoa/Shutterstock 


A nova cruzada do governo Lula contra os pobres durou pouco tempo. Na última quarta-feira, 15, o porta-voz da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, convocou uma coletiva de imprensa para anunciar que a gestão petista desistiu de monitorar as transações financeiras via Pix. Tarde demais. A bomba já havia atingido em cheio o Palácio do Planalto. 

O recuo aconteceu depois de milhões de brasileiros protestarem contra a medida nas redes sociais. A plataformas X, Instagram e YouTube, por exemplo, deram voz à crescente insatisfação popular. O catalisador dessa revolta foi o deputado federal Nikolas Ferreira (PLMG). 

Na véspera do recuo do governo, o parlamentar divulgou um vídeo em todas as plataformas para denunciar os riscos do monitoramento do Pix. Foram 200 milhões de visualizações em 24 horas — audiência superior à verificada em publicações do marqueteiro Sidônio Palmeira, novo chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom); de todos os telejornais do Grupo Globo somados, incluindo as transmissões da TV fechada e do streaming; e até mesmo as postagens da cantora Anitta. 

Em meio à derrota do governo, o advogado-geral da União, Jorge Messias, seguiu a previsível cartilha autoritária: determinou que a Polícia Federal (PF) seja notificada para investigar aqueles que supostamente divulgaram fake news sobre o Pix. “Identificamos crimes contra a economia popular”, disse o AGU, ao justificar a investigação. 

A imprensa tradicional endossou a tese do governo de que o recuo de Lula ocorreu depois da proliferação de notícias falsas. É um paradoxo: se a revolta popular era baseada em mentiras, por que a Receita Federal desistiu do monitoramento do Pix?

Em 1º de janeiro, o Planalto lançou mecanismos para rastrear movimentações financeiras de pessoas físicas superiores a R$ 5 mil por mês. Com as novas regras, as operadoras de cartão de crédito e as instituições de pagamento digitais teriam de informar a Receita Federal sobre as transações que ultrapassassem esse valor. 

A justificativa era coibir crimes financeiros, como lavagem de dinheiro, corrupção e evasão fiscal. Essa medida causou pânico nos mais de 40 milhões de trabalhadores informais do país. Fotógrafos, manicures, costureiras, entregadores, vendedores de alimentos e motoristas de aplicativo, por exemplo, temiam virar alvo da Receita Federal. 

Questionados por Oeste, vendedores ambulantes instalados no Brás, bairro comercial no centro de São Paulo, afirmaram que deixariam de usar o Pix em virtude das regras impostas pelo governo.

As pretensões do governo Em 1º de janeiro, o Planalto lançou mecanismos para rastrear movimentações financeiras de pessoas físicas superiores a R$ 5 mil por mês. Com as novas regras, as operadoras de cartão de crédito e as instituições de pagamento digitais teriam de informar a Receita Federal sobre as transações que ultrapassassem esse valor. 

A justificativa era coibir crimes financeiros, como lavagem de dinheiro, corrupção e evasão fiscal. Essa medida causou pânico nos mais de 40 milhões de trabalhadores informais do país. Fotógrafos, manicures, costureiras, entregadores, vendedores de alimentos e motoristas de aplicativo, por exemplo, temiam virar alvo da Receita Federal. 

Para conter a crise, a equipe de comunicação de Lula impulsionou diversas campanhas nas redes sociais. Em vez de informar os brasileiros sobre os objetivos das novas regras do Pix, a Secom queimou cartucho para rebater uma suposta divulgação de fake news acerca do tema. A pasta acusou opositores do governo de afirmarem falsamente que haveria cobrança de imposto sobre as transações via Pix. Essa versão foi disseminada especialmente pelo Grupo Globo, que recebeu quase R$ 300 milhões da Secom durante a gestão de Paulo Pimenta — demitido por Lula na semana passada. Mas não é disso que se trata, conforme especialistas consultados por Oeste.

O verdadeiro alvo da fiscalização do Pix 

A advogada especialista em tributação Maria Carolina Gontijo explica que o monitoramento das transações financeiras serviria para a Receita Federal cruzar informações bancárias com declarações do Imposto de Renda (IR). Assim, os trabalhadores informais que movimentassem mais de R$ 5 mil por mês poderiam ser intimados a prestar esclarecimentos ao Leão. Se fossem enquadrados pelos auditores, esses profissionais pagariam 27,5% de imposto sobre os rendimentos.

“O objetivo da Receita é rastrear essas movimentações financeiras para eventualmente cobrar o IR”, resumiu Maria Carolina, ao ressaltar que o monitoramento das transações seria apenas uma das formas usadas pelo governo para aumentar a arrecadação tributária via IR. “Não há saída. A situação ainda deve piorar nos próximos anos.”

O economista Denis Medina, professor na Faculdade de Comércio de São Paulo, argumenta que o monitoramento das transações financeiras criaria dificuldades para os autônomos e para os pequenos comerciantes. “Seria um risco”, afirmou o docente, ao acrescentar que a maioria desses profissionais não declara o Imposto de Renda. É o caso do motorista de aplicativo Renan Carvalho, de 36 anos. Desde 2017 na Uber, o paulistano sustenta a família com viagens de ida e volta para o litoral. Ele conta que, por ser dono do veículo com o qual trabalha, precisa arcar com os custos de revisão, manutenção e conserto. 

“De maneira frequente, realizamos a troca de óleo, dos pneus e do sistema de freios”, diz o motorista. “São muitos gastos. Parte considerável dessas movimentações é para financiar o próprio trabalho.” A diarista Maria dos Reis, de 55 anos, enfrenta o mesmo dilema. Nascida no interior de Minas Gerais, a faxineira deixou a roça da família quando ainda era jovem para construir a vida na maior metrópole do país. 

Há mais de três décadas morando no extremo leste de São Paulo, Dos Reis cruza a capital paulista para trabalhar em regiões mais nobres, onde consegue o sustento da família. Nesta semana, a faxineira revelou que se sentiu angustiada com a possibilidade de declarar o IR. Sob controle do Estado O economista Fernando Ulrich chama atenção para outro problema: ao mesmo tempo que busca diversificar a maneira de tributar os cidadãos, o governo Lula resiste em cortar gastos públicos. “Os esforços estão concentrados em arrecadar mais dinheiro”, salienta. 

Para se ter ideia, a arrecadação do governo federal com impostos, contribuições e demais receitas somou aproximadamente R$ 210 bilhões em novembro de 2024. Essa quantia representa um aumento real de 11% na comparação com o mesmo mês de 2023, quando a arrecadação somou R$ 188 bilhões.

Paralelamente, o Congresso aprovou um aumento de quase 40% do salário dos deputados até 2026. No próximo ano, os beneficiados receberão cerca de R$ 50 mil por mês — valor 15 vezes maior que a renda média dos brasileiros e 35 vezes maior que o salário mínimo, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Também houve aumento no salário do presidente da República, do vice-presidente e dos ministros do Supremo.

Mas a irresponsabilidade fiscal e a alta carga tributária não são os únicos problemas, segundo Ulrich. O economista acredita que as novas regras do Pix também poderiam ferir a privacidade dos brasileiros, na medida em que o Leão receberia informações pessoais dos alvos do monitoramento. “Questiono, muitas vezes, a legalidade desse tipo de intrusão da Receita Federal”, afirma o economista. “Ela acumula muitas informações. É um mapa do tesouro. 

Caso esse sistema seja violado, por exemplo, hackers podem encontrar informações preciosas dos cidadãos. Quanto mais informações a Receita exigir, tanto mais os brasileiros ficarão expostos. Se esse tipo de situação ocorrer, o governo será responsabilizado? Esse é o problema, mas é difícil questionar. Os deputados e senadores deveriam levantar esses receios.

 Robin Hood às avessas Lula voltou ao Palácio do Planalto com a promessa de facilitar a vida dos mais pobres e de dificultar a dos mais ricos. Até agora, no entanto, suas ações mostram o contrário. Dois anos depois de eleito, o petista assinou uma série de cortes, bloqueios e contingenciamentos que sacrificaram a própria base eleitoral. As propostas aprovadas no pacote de corte de gastos, por exemplo, resultaram em uma reforma de renda às avessas, na qual os mais vulneráveis foram “sacrificados” em detrimento da camada mais rica do funcionalismo público. 

Entre outras barbeiragens, o governo Lula revisou o Benefício de Prestação Continuada (BPC), atrasou o pagamento do Auxílio Gás e impôs mudanças no abono salarial. Mas Lula queria mais. Depois de escantear os cerca de 20 milhões de brasileiros que sofreram com os cortes e contingenciamentos do governo, o presidente mirou os 40 milhões de trabalhadores informais do país. Aqueles que, desde o período eleitoral, ele prometeu isentar da cobrança do IR. Outra vez os mais pobres. 

Dessa vez não deu. 













Revista Oeste