PIB brasileiro tem crescido acima do esperado. O problema é que os investimentos produtivos não acompanham o ritmo, o que gera pressões inflacionárias.| Foto: Albari Rosa/Arquivo/Gazeta do Povo
O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil vem crescendo acima do esperado nos últimos anos. Tem sido assim desde a saída da pandemia de Covid-19, e não foi diferentre no segundo trimestre. Mas o avanço está longe de ser sustentável no longo prazo, avaliam economistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
No período de abril a junho, a economia cresceu 1,4% em relação ao trimestre anterior. O ponto médio das expectativas era de um avanço de 0,9%.
Com isso, as projeções para este ano foram atualizadas. Segundo o mais recente boletim Focus, do Banco Central, a mediana das projeções de bancos, consultorias e corretoras saltou para 2,96%. Apenas quatro semanas atrás, o crescimento esperado era próximo de 2,2%. No início do ano, a perspectiva era ainda menor, de 1,5%.
O desempenho do PIB já havia superado as expectativas do mercado nos últimos três anos:
2021: Mediana das expectativas no início do ano: 3,4%; avanço efetivo do PIB: 4,8%
2022: Expectativa: 0,4%; avanço efetivo: 3%
2023: Expectativa: 0,8%; avanço efetivo: 2,9%
O economista Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), explica que as expectativas iniciais de crescimento não consideraram o aumento do PIB potencial – conceito que busca refletir qual seria o crescimento econômico com uso pleno da capacidade instalada mas sem gerar inflação.
Segundo o último relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB potencial brasileiro aumentou para 2,5%, fruto de reformas estruturantes promovidas nos governo Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL).
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o parte do mercado festejaram o avanço do PIB trimestral. No entanto, as condições macroeconômicas sugerem que o bom desempenho da economia não será duradouro.
A questão é que os números do PIB vieram ancorados essencialmente no consumo, que, por sua vez, se deve aos estímulos governamentais. Entre os principais, o maior acesso ao crédito, os benefícios sociais e o reajuste do salário mínimo acima da inflação.
"Ao cenário, somou-se ainda o forte volume de precatórios [dívidas judiciais] pagos [acumuladamente] aos contribuintes", diz Pessôa. "E o baixo nível de desemprego gerou pressões salariais, promovendo ganhos reais de renda para as famílias."
O resultado foi mais dinheiro circulando na economia. No segundo trimestre, o consumo do governo cresceu 1,3% em relação ao trimestre anterior, enquanto se esperava uma queda de 0,3%. Na outra ponta, o consumo das famílias aumentou 1,3% em vez dos 0,6% previstos.
“São conjunções de curto prazo, difíceis de serem sustentadas", alerta o economista. "Temos uma economia rodando com consumo em um nível bem maior do que a demanda pode atender."
Consumo sobe e puxa PIB, mas investimentos ficam aquém do esperado
Para Armando Castelar, pesquisador associado do FGV Ibre, a alta do crescimento é fruto da "gastança governamental, sem a contrapartida dos investimentos necessários”.
Segundo os dados do IBGE, os investimentos em capital fixo – aqueles que fazem aumentar a produção de bens e serviços no país – ficaram abaixo das expectativas, crescendo apenas 2,1% em relação ao trimestre anterior.
A previsão inicial era de um aumento de 3,1%, ainda assim considerado modesto para as necessidades do país.
“Embora o investimento tenha subido no trimestre, a taxa registrada [correspondente a 16,6% do PIB, no acumulado de 12 meses] é muito baixa para sustentar o crescimento atual”, diz Castelar. “Precisamos de mais investimento para aumentar a produtividade e sair dessa situação estruturalmente.”
Pessôa resume a dificuldade em números: “Se a produção, o PIB, cresceu 3,3% ante o segundo trimestre de 2023, o crescimento da demanda doméstica foi de 4,7%. É uma economia testando os limites da capacidade produtiva”.
Aumento de consumo e emprego pressionam inflação
Para Castelar, a politica fiscal expansionista – que promove crescimento econômico por meio de recursos governamentais – gera distorções inevitáveis. A principal delas é a pressão sobre os preços por conta do aumento da demanda sem contrapartida da oferta.
Paralelamente, o aquecimento da economia consolida uma situação de quase “pleno emprego” que, por si só, já alimenta a espiral inflacionária.
“Há pouca gente procurando emprego”, destaca o pesquisador. “Esse crescimento recente [do PIB] já reduziu significativamente o desemprego, mas agora começa a faltar oferta de trabalho, o que se reflete em aumentos fortes do rendimento real, gerando pressão inflacionária e tornando o crescimento insustentável.”
Para segurar a inflação, o Banco Central acabará precisando subir os juros, o que limitará ainda mais o investimento privado. “O custo de capital das empresas ficará ainda mais alto”, explica o economista.
Mercado já conta com alta dos juros
O mercado financeiro já precifica o aumento de juros para a reunião do Banco Central que termina nesta quarta (18), aponta Roberto Mantovani, economista-chefe do banco BV.
“Quando olhamos um ritmo forte de crescimento com o mercado de trabalho apertado e expansão fiscal, isso tudo sugere que a taxa de juros terá que ser mais alta do que imaginávamos", diz. “A inflação tem oscilado próximo a 4,5%, que é o teto da meta. E a inflação de serviços roda acima disso, na casa de 5%.”
Juliana Inhasz, do Insper, aponta um agravante: a elevação dos juros afeta o déficit nominal, resultando no aumento da dívida pública do governo.
“Essa incerteza com o rumo das contas públicas diminui qualquer tipo de credibilidade e segurança que o investidor privado tem na economia brasileira”, diz Inhasz.
Padovani explica que quando os investidores retiram recursos do Brasil, aumenta a pressão sobre o dólar.
"Com o dólar mais alto, o custo das empresas sobe e a inflação fica pressionada novamente, gerando mais pressão sobre o Banco Central”, acrescenta o economista do BV.
Com os juros mais elevados, setores importantes pode se desaquecer. "Tudo isso indica que esse crescimento econômico de 3% não veio para ficar", afirma.
Situação das contas públicas mantém nó do investimento e do PIB
O consenso entre os economistas é que, sem endereçar a questão das contas públicas, o nó dos investimentos e do crescimento não será desatado.
O gasto público cresceu, no acumulado de janeiro a junho de 2024, 15% ante igual período de 2023. Em 2023 ante 2022, no acumulado de janeiro a junho, o crescimento já havia sido de 10%.
Não sobram recursos para a alcançar a taxa de investimentos necessária às demandas de crescimento do país, na casa dos 20% a 25% do PIB.
“O grande problema hoje é o fiscal. A dívida pública está crescendo em um ritmo muito forte, numa trajetória explosiva”, diz Castelar. “Gastando 10% do PIB a mais do que arrecada, é fácil ver que, se isso acontecer todo ano, a dívida vai explodir.”
Paralelamente, o governo não acena com o corte de despesas. “Não há nada no radar que indique mudança na atitude expansionista”, diz Pessôa.
O Ministério do Planejamento e Orçamento já esboçou esforços de revisão de gastos, visto com ceticismo pelos agentes econômicos. A avaliação é que o assunto não seja aprofundado pelo menos até 2026, ano de eleição presidencial.
Ao mesmo tempo, não há garantias de que o governo chegue até lá com o mesmo crescimento. “A situação externa, com a perspectiva de recessão americana, traz incertezas e riscos ao país”, afirma Padovani.
Segundo Castelar, em alguns aspectos o cenário remete a 2014, antes da grande recessão do governo Dilma Rousseff (PT).
“Em 2014, já estávamos claramente numa situação insustentável, mas nem por isso mudamos a política até depois das eleições. E aí vivemos uma enorme queda do PIB em 2015 e 2016”, lembra o economista. “A experiência do Brasil mostra que, mesmo percebendo que não é sustentável, as coisas vão se mantendo até o dia que todo mundo resolve sair, e aí a porta é pequena para todos.”
Pessôa também vê semelhanças com o ciclo econômico anterior e afirma que o país não conseguiu aprender com os erros do passado. “A estabilidade da economia com a máxima suavização do ciclo econômico é um dos fatores mais importantes para gerar previsibilidade e estímulo ao investimento a longo prazo", diz.
Para ele, a fórmula de puxar o crescimento pela demanda continuará sendo usada até o limite. “É o jeito petista de governar”, conclui.
Rose Amantéa, Gazeta do Povo