sábado, 25 de junho de 2022

'Câmeras nas fardas policiais: segurança ou repressão?', por Rute Moraes

 Medida gera controvérsias entre membros da corporação

Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock/Governo do Estado de São Paulo
Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock/Governo do Estado de São Paulo

Em 2019, a Polícia Militar do Estado de São Paulo (PM-SP) iniciou a implantação das Câmeras Operacionais Portáteis (COP). Trata-se de um sistema de câmeras instaladas nas fardas dos agentes para registro das operações. Os equipamentos gravam a jornada completa das 12 horas de trabalho do policial. Assim, se o oficial precisar usar o banheiro ou atender alguma ligação pessoal, vai ter de retirar o colete (com a câmera acoplada) e comunicar os próximos passos. A proposta de implantação foi sugerida pela própria PM.

No entanto, o uso da COP gera controvérsias e entra no debate sobre segurança pública, entre outras questões, porque o policial não pode controlar o equipamento. A atividade da polícia estaria sendo monitorada por desconfiança? Ou as câmeras aumentam a qualidade das provas judiciais a favor dos agentes?

Há cerca de oito anos a PM-SP desenvolve pesquisas para o uso das câmeras corporais no patrulhamento. Os testes começaram a partir de 2016, quando a PM estudou as forças de segurança de Nova Iorque, Los Angeles, Londres, Chile e Alemanha. O Batalhão de Ações com Cães (BAC) e as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) também utilizam os equipamentos portáteis (os dois grupos integram a PM-SP).

“É colocar o policial no meio do problema da insegurança pública e dizer: ‘todo esse problema de criminalidade é culpa sua. Agora, vamos colocar uma câmera no seu peito porque você é culpado”.

O equipamento não permite edição, manipulação e compartilhamento. As gravações podem ser fornecidas pelo comandante da unidade policial apenas em casos específicos como ações na Justiça. Por exemplo, caso o advogado do criminoso, abordado, solicite as gravações ele poderá ter acesso. Desse modo, as imagens são secretas para a população em geral, não sendo fornecidas nem mesmo pela Lei de Acesso à Informação.

Para Rogério Silva, coronel da reserva da PM, com mais de 30 anos de serviço, no projeto que a polícia apresentou para implantação das câmeras, o tempo total de gravação e o fato de o policial não ter controle sobre o equipamento não estavam contemplados na proposta inicial da PM. “O ideal seria que os oficiais pudessem controlar o que será gravado”, afirmou. “Quando o agente está conversando com seu comandante sobre as táticas de uma operação, isso está sendo gravado”, explicou. “É dar munição ao advogado do criminoso.” O único controle que o policial tem na COP é o de acionar a gravação do som. A câmera é uma evolução que produz provas durante o trabalho policial, mas o sistema ainda precisa de diversos de ajustes, segundo Silva.

Redução da letalidade policial

O uso das câmeras faz parte de uma série de medidas da PM que pretende reduzir a letalidade policial, isto é, a morte de pessoas decorrente da ação dos agentes durante combate. De acordo com dados oficiais, nos 18 batalhões da PM em que a COP é utilizada no Estado de São Paulo, o número de mortes diminuiu cerca de 85% em 2021 se comparado a 2020. Já na ROTA, a redução foi de quase 90% em 2021, em comparação com 2020.

No entanto, essa redução não pode ser atribuída apenas ao uso das câmeras, mas sim, a um conjunto de medidas implementadas pelo comando da corporação, segundo o coronel. “Estudamos casos de troca de tiros para melhorar os procedimento das operações”, afirmou. “Desenvolvemos procedimentos operacionais há muito tempo.”

O maior responsável pela diminuição da letalidade policial, de acordo com Silva, foi o uso da arma de incapacitação neuro muscular, a taser (arma não letal que dispara um choque capaz de imobilizar uma pessoa). “Se alguém surtado vem atacar o policial ele pode utilizar o taser”, disse. De acordo com ele, o uso das câmeras é mais proveitoso ao Poder Judiciário do que ao combate à criminalidade ou letalidade. “A nossa esperança é que o Judiciário use as provas da câmera para prender o criminoso e não soltá-lo na audiência de custódia”, observou.

Para o deputado federal e oficial da Rota Capitão Derrite (PL-SP), o problema não é o uso das câmeras, mas sim a metodologia como a COP foi aplicada na PM-SP. “O equipamento deve ser usado como instrumento de defesa do policial”, disse, ao mencionar que o agente deve controlar as gravações das câmeras.

Por ano, são registrados em média de 50 mil a 60 mil homicídios. Segundo Derrite, o Brasil vive um estado de guerra civil não declarada e, muitas vezes, o policial é responsabilizado pela violência no Brasil. “O oficial é mais uma vítima da violência”, afirmou o capitão. “Além disso, o criminoso não respeita a autoridade policial e nem a lei. Por isso, os confrontos com a polícia são tantos.”

O oficial da Rota ressalta que é o criminoso quem escolhe o desfecho de uma ocorrência, não o agente. “Se o bandido se entregar, vai preso. Mas se ele puxar uma arma e atirar vai ter confronto”, observou. Segundo Derrite, implantar as câmeras para controlar a letalidade (termo que para ele é pejorativo) não é a solução. “Conversando com os policiais no dia a dia, percebo que o agente se retraiu durante as operações”, disse.

Para Derrite, ao falar sobre o uso da COP se faz necessário entender que a falta de gravação do serviço policial não é o problema da segurança pública. “Existem 350 mil pessoas condenadas, com trânsito em julgado [quando não há mais possibilidade de recurso], que estão soltas no país”, afirmou. “O Estado não sabe onde elas estão porque não existe o mínimo de fiscalização.”

De acordo com Derrite, em vez de ficar de olho nesse criminoso (que possui taxa de reincidência de 50%), o Estado monitora o trabalho do policial. “É como se a culpa da criminalidade e letalidade fosse do oficial”, disse. “Existem centenas de ações que vão melhorar a segurança pública, mas eles preferem usar a câmera como uma cortina de fumaça.”

O crime ‘compensa’

O capitão da Rota explica que, no Brasil, o crime é uma atividade econômica, e que o custo da criminalidade é muito baixo. “É preciso aumentar o custo do crime”, afirmou. “No Brasil, em 2020, 50% dos criminosos presos em flagrante foram soltos na audiência de custódia,” disse. Em São Paulo, a cada 100 crimes de roubo apenas 2% chegam na fase de cumprimento de pena, informou Derrite.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) entre janeiro, fevereiro e março deste ano, houve redução no número da produtividade policial, em relação ao mesmo período de 2021:

  • queda de 15% na apreensão de armas de fogo;
  • queda de 23% nas apreensões em flagrante de infratores menores de 18 anos;
  • queda de 32% na apreensão de infratores por mandado judicial;

Orçamento e salários baixos

A PM paulista é a maior e mais bem equipada do país. Sob seu controle a instituição dispõe de um orçamento de cerca de R$ 15 bilhões. Segundo coronel Rogério Silva, até o momento, mais de oito mil câmeras estão em funcionamento na PM-SP. A previsão é que até o fim deste ano, esse número chegue a 10 mil. Cada COP custa R$ 786 por mês (para um contrato de 30 meses). A última compra foi realizada no final de abril deste ano. O modelo utilizado pela PM é a câmera norte-americana Axon Body 3.

Apesar de bem equipados, os soldados da PM-SP possuem o menor salário inicial do país, recebendo pouco mais de R$ 2,5 mil. Os Estados de Goiás (R$ 5,8 mil), Acre (pouco mais de R$ 5 mil) e Amapá ( R$ 4,8 mil) são os que melhor remuneram os profissionais. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (órgão não governamental formado por pesquisadores). O levantamento foi realizado com base nos portais de transparência dos Estados, em 2021.

Contudo, as verbas para equipamentos e salários são diferentes. Portanto, não se pode usar o valor que seria investido nas câmeras para os salários dos policiais. Segundo o coronel Rogério, no mesmo período em que as câmeras foram adquiridas, outros investimentos na PM também foram realizados. “Compramos viaturas, submetralhadoras no calibre .40, metralhadoras, pistolas e fuzis”, disse, ao mencionar que, atualmente, a PM dispõe dos melhores fuzis do mundo, e que cada oficial possui uma submetralhadora no peito e uma pistola. “Tive a oportunidade de testar os novos armamentos”, afirmou.

Para Tarcísio de Freitas (Republicanos), pré-candidato ao governo de São Paulo, o uso da COP é uma medida ruim. “O Estado de SP possui uma quantidade alta de criminosos que andam em liberdade”, disse. “Eles ficam vagando sem nenhum monitoramento do governo e a taxa de reincidência é cerca de 50%.”

Freitas acredita que o Estado deveria se preocupar em oferecer uma tornozeleira eletrônica de qualidade para fiscalizar o criminoso. “Isso iria diminuir a taxa de reincidência do preso”, observou. “Uma tornozeleira custa em torno de R$ 285. É bem mais barato do que a câmera. O governo prefere pagar mais caro para monitorar o policial em vez de monitorar o bandido.”

Segundo Mario Palumbo, delegado da Polícia Civil e vereador da cidade de SP, o governo investiu nas câmeras mas esqueceu do policial enquanto ser humano. “Os salários dos PM’s são os piores e a COP não dá privacidade ao agente”, disse. “Os oficiais não suportam esse atual governo do PSDB.” Palumbo reitera que o policial não vai à uma operação para fazer mal à população.

A proposta das câmeras gera também controvérsias por ter partido da própria de PM-SP. De acordo com o delegado, a explicação para esse fator é que tanto a Polícia Civil quanto a PM carecem de líderes. “Existem muitos chefes que, para segurar o próprio emprego, obedecem ao governo”, afirmou.

Palumbo não é totalmente contra o uso da COP. Mas concorda que o equipamento seja utilizado com ressalvas. “O policial é quem deveria acionar a câmera no momento da ocorrência”, disse. “A gravação deve ficar apenas no aparelho e não disponível para outras pessoas assistirem.” O vereador também é contra o uso do objeto no batalhão da ROTA, pelo fato desses agentes lidarem com organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas. Para ele, a polícia só vai melhorar efetivamente quando o Estado passar a investir mais no policial.

Revista Oeste