sábado, 21 de maio de 2022

'Preço de Paridade Internacional é remédio que virou veneno'

 Para o analista econômico Miguel Daoud, a Petrobras possui condições de reduzir preço dos combustíveis

Miguel Daoud é analista político e econômico | Foto: Reprodução/Youtube
Miguel Daoud é analista político e econômico | Foto: Reprodução/Youtube

O recente reajuste de preços feito pela Petrobras trouxe novo impacto na vida de milhões de brasileiros. Apesar do apelo feito pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), a estatal aumentou em 9% o preço dos combustíveis na refinaria no último dia 10, sobrecarregando assim a economia. A estatal se defende dizendo que o aumento é consequência das oscilações do petróleo em meio à guerra na Ucrânia.

Por outro lado, há quem veja na privatização da empresa uma possível solução para a alta dos combustíveis. Na semana passada, o novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, anunciou a produção de estudos para a privatização da Petrobras e da Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA) — a estatal responsável por comercializar o óleo e o gás extraídos da camada pré-sal.

No meio do impasse, a população dá claros sinais de que a situação dos combustíveis deve ser resolvida de forma urgente. Uma pesquisa feita pelo PoderData, entre 24 e 26 de abril de 2022, mostrou que 67% da população brasileira é favorável a uma intervenção do governo na petrolífera brasileira para baixar o preço da gasolina.

Para Miguel Daoud, analista de economia e política, o Preço de Paridade Internacional (PPI) instaurado no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), em 2016, é um “remédio que se transformou em veneno”. A medida faz com que o preço do petróleo local seja pareado aos preços internacionais.

“Estamos vivendo um momento atípico. Quem iria imaginar que iríamos ter pandemia e guerra na Ucrânia? No momento em que o mundo estava mudando a matriz econômica. A matriz de energia era esquecer do petróleo. Para essas situações atípicas você não pode manter o remédio que aí está”, diz Daoud.

Segurança contratual e infraestrutura

Ele também aponta possíveis saídas para a situação dos preços dos combustíveis. “A Petrobras também poderia comprar gasolina no mercado futuro. Se a gasolina subir, poderia usar o lucro dessa operação financeira para subsidiar o custo internamente. Ela não precisaria perder. Ela teria instrumentos monetários e financeiros para garantir a estabilidade de preços sem ter que jogar nas costas do brasileiro”, acrescentou.

Confira a entrevista na íntegra:

A Petrobras registrou lucro líquido de R$ 44,5 bilhões no primeiro trimestre deste ano, o que representa uma alta de 3.700%. Até que ponto um lucro pode ser considerado normal no mercado?

É evidente que alta do petróleo não se deu por conta dos custos de refino e extração, se deu por questões geopolíticas. Todas as empresas do setor registram um aumento. No caso da Petrobras, o aumento foi maior. Existe uma diferença muito grande da Petrobras em relação a várias das suas congêneres. Para países que não possuem petróleo suficiente, é justo praticar uma política de preços [igual ao PPI] porque existe uma dependência do petróleo internacional. No caso do Brasil, ele é autossuficiente na produção de petróleo.  Produzimos em torno de 3 bilhões de barris por dia, mas não conseguimos refinar a quantidade de combustíveis que necessitamos. Com isso, temos de importar a diferença. Só que a Petrobras tem o comando da exploração e o refino do petróleo. O que acontece: a extração de um barril de petróleo não chega, na média, a US$ 25. Temos um produto que é nosso, mas praticamos o preço do mercado internacional. Neste caso, a Petrobras tem uma vantagem em relação a outras empresas que não detém o poder de extração do petróleo. Só quem tem isso são os países árabes. A política de preço da Petrobras foi feita em um momento em que o PT usou a empresa para permanecer no poder.

A estatal argumenta que os reajustes são fruto da oscilação do mercado gerada pela guerra na Ucrânia. Como manobrar essa situação sem complicar o cenário interno?

Não é 8 nem 80. A Petrobras poderia simplesmente utilizar o benefício que tem, por ter o petróleo muito baixo e o refino também, e ter como contrapartida uma média que pudesse garantir a lucratividade do setor que foi privatizado, a lucratividade dos acionistas e manter um preço do combustível adequado ao Brasil. A Petrobras também poderia comprar gasolina no mercado futuro. Se a gasolina sobe, pode usar o lucro dessa operação financeira para subsidiar o custo internamente. Ela não precisaria perder. A estatal teria instrumentos monetários e financeiros para garantir a estabilidade de preços sem ter que jogar nas costas do brasileiro. ‘Ah, o petróleo subiu, eu sou acionista, e preciso praticar o preço internacional’. Não precisamos ser a Venezuela e também não precisamos ser um país rico. Temos de ter uma política intermediária que desse ao brasileiro o benefício ao petróleo que está no fundo do mar.

Recentemente, houve mais um aumento de 9% nas refinarias. Inclusive, o presidente Jair Bolsonaro fez um apelo para que não houvesse o aumento. Seria a hora de uma mudança na política de preços?

Sim. Não tem sentido praticar a mesma política de preço que o Japão, que não tem uma gota de petróleo. O presidente, quando fala, tem um viés político. Ele quer tirar a responsabilidade das costas dele, mas no fundo ele tem razão de que essa política da Petrobras é uma política errada. Na verdade, essa política é um remédio que virou um veneno. Estamos vivendo um momento atípico. Quem iria imaginar que teríamos uma pandemia e guerra na Ucrânia no momento em que o mundo estava mudando a matriz econômica? A matriz de energia era esquecer do petróleo. Para essas situações atípicas não se pode manter o remédio que aí está.

Como você enxerga a entrada do Adolfo Sachsida no ministério de Minas e Energia?

Ele acalma um pouco o presidente, mas não tem muito o que fazer. A privatização da Petrobras não é simples e é uma questão precisa ser tratada, mas não agora. O Brasil poderia ter uma Petrobras lucrativa, com sócios e estatal. Percebe como perdemos todos os nossos instrumentos de indução do crescimento? Como o capital privado vai investir no Brasil o volume que precisamos, quando não temos uma reforma tributária, uma reforma da federação, uma reforma política? Para fazer uma privatização, é preciso criar um ambiente de segurança contratual e infraestrutura — coisa que não temos.

Como o senhor avalia a possível privatização da Eletrobras ?

Sim. Colocou-se várias exigências [no projeto de privatização da Eletrobras], como a construção de termoelétricas em lugares onde não tem gás. Ao invés de reduzir o custo, irá aumentar. No caso do Brasil, infelizmente, nós precisamos do Estado como indutor de crescimento. Porque aqui a gente começa a crescer e cai, começa a crescer e cai. Se você fizer uma ferrovia que liga o Porto de Santos, ótimo, você precisa reformar o porto. É todo um conjunto. Acho que o Bolsonaro está corretíssimo em fazer isso, mas você não pode querer fazer agora o que está lá na frente agora.

No geral, a população sabe que o álcool é usado na composição da gasolina para compensar o preço. Mas como explicar o aumento se ele não está ligado ao petróleo?

O álcool sobe porque o diesel sobe, ou seja, aumenta o custo da lavoura, sobe o preço da cana e, consequentemente, do álcool. Hoje, o etanol sobe muito não por conta de uma paridade com o petróleo, mas porque quando o petróleo sobe, ele impacta diretamente nos custos de produção de álcool. Boa parte do etanol era viável. Hoje ele não compensa por conta dos custos de produção. Veja, importamos etanol de milho dos Estados Unidos, porque é mais barato do que o etanol que a gente consegue produzir aqui.

Revista Oeste