segunda-feira, 30 de março de 2020

Por que o coronavírus mata menos na Alemanha do que em outros países?

Apesar de ter quase 60 mil 

infectados, a taxa de mortalidade

no país é de 0,72%. A taxa atual

na Itália - onde mais de 10.000 

pessoas morreram - é de 10,8%. 

Na Espanha, 8%.



BERLIM - A Europa está em crise. Países do continente estão isolados. As fronteiras estão fechadas. Os sistemas de saúde estão perigosamente sobrecarregados. As economias estão se contraindo. E as pessoas estão morrendo, em números alarmantes, por causa do coronavírus.
Na Alemanha também. Apesar de os cidadãos não estarem completamente confinados, escolas, lojas, restaurantes e teatros estão fechadosreuniões de mais de duas pessoas estão proibidas. A economia encolherá e haverá perda de empregos. Até a chanceler Angela Merkel se colocou em quarentena depois de saber que seu médico estava infectado (ela testou negativo). A Alemanha, ao que parece, não é imune aos estragos da pandemia.
Paciente infectado com coronavírus é levado a hospital na Alemanha
Paciente infectado com coronavírus é levado a hospital na Alemanha 
Foto: REUTERS/Christian Hartmann
Exceto de uma maneira: poucas pessoas estão morrendo. Até o sábado, dos 56.202 casos confirmados de coronavírus, apenas 403 pacientes morreram. Essa é uma taxa de mortalidade de 0,72%. Por outro lado, a taxa atual na Itália - onde mais de 10.000 pessoas morreram - é de 10,8%. Na Espanha, 8%. O dobro de pessoas morreram no Reino Unido, onde há cerca de um terço dos casos em relação à Alemanha.
Os números surpreendentes são um enigma. Alguns saudaram o país por quebrar o feitiço da catástrofe; outros elogiaram que foram muito mais vigiados. O que está acontecendo aqui? E o que podemos aprender com isso?
Em primeiro lugar: muitos testes iniciais e a persistente ajuda aos infectados. E o mesmo acontece com o rastreamento de pessoas.
Carros esperam em fila para testes de coronavírus em drive-through em Munique, na Alemanha
Carros esperam em fila para testes de coronavírus em drive-through em Munique,
na Alemanha  Foto: REUTERS/Andreas Gebert
Veja o primeiro caso registrado do país. Em 28 de janeiro, confirmou-se que um homem na Baviera que trabalha para uma empresa de autopeças que possui duas fábricas em Wuhan, na China, tinha o vírus. Em dois dias, as autoridades identificaram a pessoa que havia infectado o paciente, rastrearam seus contatos e os colocaram em quarentena. A empresa parou de viajar para a China e fechou sua fábrica na Baviera. 
O surto - vários outros funcionários deram positivo - foi efetivamente contido. Em todo o país, o padrão foi repetido. Os departamentos locais de saúde e as autoridades federais trabalharam juntos para testar, rastrear e colocar em quarentena os cidadãos expostos.

Proteção aos idosos

A Alemanha também tem sido melhor em proteger seus cidadãos mais velhos, que correm um risco muito maior. Os Estados proibiram visitas a idosos e os formuladores de políticas emitiram alertas urgentes para limitar o contato com as pessoas idosas.
Muitos parecem ter se colocado em quarentena. Os resultados são claros: pacientes com mais de 80 anos representam cerca de 3% dos infectados, embora representem 7% da população. A idade média para os infectados é estimada em 46; na Itália, a idade média é de 63 anos.
E muitos mais jovens na Alemanha testaram positivo para o vírus do que em outros países. Em parte, isso é atribuído aos testes mais extensos do país. Mas há também um elemento de acaso e cultura.
Milhares de máscaras distribuídas para hospitais na Alemanha
Milhares de máscaras distribuídas para hospitais na Alemanha  
Foto: REUTERS/Leon Kuegeler
A Alemanha é uma nação de esqui - cerca de 14,5 milhões de alemães vão esquiar todos os anos - e os Alpes austríacos e do norte da Itália são locais populares. Este ano, depois que os turistas viajaram para um dos centros do surto europeu, a região do Tirol, eles pareciam trazer de volta o vírus com eles - e espalhá-lo.
Mais perto de casa, havia o carnaval. Um dos primeiros surtos mais substanciais ocorreu em um dos centros de carnaval, que envolve desfiles e festas populares entre os jovens. Centenas de casos parecem ter sido rastreados até um casal que participou de festividades na cidade de Langbroich. "Tanto o esqui quanto o carnaval podem ter afetado a baixa idade média da primeira onda de casos confirmados", disse Karl Lauterbach, médico e membro do Parlamento da Alemanha, o Bundestag.
Tanto o teste inicial quanto a incubação do vírus entre os jovens explicam por que a taxa de mortalidade do país é tão comparativamente baixa. "É o quanto e quem testamos", disse Martin Stürmer, um virologista que é diretor de um laboratório que está realizando testes de coronavírus em Frankfurt. Em geral, os países que testam menos e o reservam para aqueles que já estão muito doentes, como a Itália, têm maiores taxas de mortalidade.

Acaso e 'benção'

Mas devemos ter cuidado em ler demais as estatísticas, principalmente neste estágio inicial. Embora o sistema de saúde da Alemanha esteja em geral em bom estado - recentemente modernizado, bem equipado e com recursos financeiros, com o maior número de leitos de terapia intensiva por 100.000 pacientes na Europa - ele ainda não foi testado. 
 

PARA ENTENDER

Coronavírus: veja o que já se sabe sobre a doença

Doença está deixando vítimas na Ásia e já foi diagnosticada em outros continentes; Organização Mundial da Saúde está em alerta para evitar epidemia






Os pacientes entraram apenas recentemente em hospitais. Em média, um paciente com Covid-19 gravemente doente morre 30 dias após ser infectado. "Estamos apenas no início da epidemia", disse Lothar Wieler, presidente do Instituto Robert Koch, na quarta-feira. "Como vai se desenvolver, é uma questão em aberto."
É bem possível que a Alemanha esteja logo atrás da curva. As opiniões variam de quão difícil será a pressão sobre o sistema nas próximas semanas. "Acho improvável que vivamos uma situação como a da Itália", disse Stefan Willich, diretor do Instituto de Medicina Social, Epidemiologia e Economia da Saúde do Hospital Universitário Charité, em Berlim. Outros são mais pessimistas. Lauterbach, por exemplo, alertou que a taxa de mortalidade da Alemanha ainda pode aumentar. De fato, nos últimos dias, passou de 0,48% para 0,72%.
E há sinais de que o sistema de saúde poderá em breve ser sobrecarregado. Mais hospitais e médicos estão relatando escassez de materiais vitais, como máscaras e outros equipamentos de proteção. Um artigo publicado por várias associações médicas na quarta-feira previu que, dentro de um curto período de tempo, não haverá recursos de terapia intensiva suficientes na Alemanha para tratar todos os pacientes, apesar da recente renovação. O pior pode estar por vir.
Talvez haja uma lição que possamos tirar da experiência da Alemanha. Não se vanglorie de suas bênçãos - ou de seus dados - muito cedo.

Anna Sauerbrey, The New York Times