sábado, 28 de março de 2020

"A quarentena do farsante", por Augusto Nunes

Quando Lula empunha o microfone, fenômenos assombrosos se oferecem aos olhos de quem trata o idioma com alguma gentileza. O plural se asila na embaixada portuguesa, vírgulas e pontos se refugiam no dicionário mais próximo, sujeito e predicado trocam socos e pontapés, a concordância verbal sai em desabalada carreira — nada no mundo da gramática escapa a pânico desencadeado pela iminência de mais uma selvagem sessão de tortura. Muito diferentes, mas igualmente impressionantes, são os espantos testemunhados por discípulos próximos do mestre. Foi assim com Marilena Chauí. Ao sair de uma conversa a dois no Palácio do Planalto, ela contou o que descobrira: “Quando Lula fala, o mundo se ilumina!”.
Quando Lula empunha o microfone, fenômenos assombrosos se oferecem aos olhos de quem trata o idioma com alguma gentileza. O plural se asila na embaixada portuguesa, vírgulas e pontos se refugiam no dicionário mais próximo, sujeito e predicado trocam socos e pontapés, a concordância verbal sai em desabalada carreira — nada no mundo da gramática escapa a pânico desencadeado pela iminência de mais uma selvagem sessão de tortura. Muito diferentes, mas igualmente impressionantes, são os espantos testemunhados por discípulos próximos do mestre. Foi assim com Marilena Chauí. Ao sair de uma conversa a dois no Palácio do Planalto, ela contou o que descobrira: “Quando Lula fala, o mundo se ilumina!”.
Tanta luminosidade afetava, por exemplo, os olhos e ouvidos do intelectual Antonio Cândido. Professor da USP, ensaísta e escritor, era exigente com alunos que maltratavam o vernáculo, implacável com estreantes sem brilho e inclemente mesmo com amigos consagrados. Mas não conseguia ver nem ouvir os socos e pancadas desferidos por Lula na última e indefesa Flor do Lácio. “Ele tem um instinto e uma intuição que dispensam o conhecimento da norma culta”, derramou-se numa entrevista o catedrático capaz de reprovar o melhor da classe pelo sumiço de um circunflexo, ou castigar com bordoadas quem se atrevesse a murmurar um “menas”.
Nesta semana, uma discurseira de Lula teve de dividir as atenções dos espectadores com a performance do rosto de Fernando Haddad. Enquanto o orador ensinava a Jair Bolsonaro o que fazer para dar um jeito no país destruído pela Era PT, o poste contemplava seu fabricante com cara de quem contempla uma aparição de Nossa Senhora. Lula dizia isto, as pálpebras de Haddad murmuravam amém. Lula dizia aquilo, o queixo subia e descia em silenciosa aprovação. O pregador de missa negra insultava a direita fascista, as sobrancelhas do coroinha se inclinavam à esquerda. O sermão incluía outra louvação da esquerda, o coroinha marmanjo empinava o topete. Um espetáculo de afinação tão impecável quanto repulsivo.
Foi também por comandar um rebanho que vive emitindo balidos subalternos que Lula virou o que é. A sabujice revoga a sinceridade. Subserviência não rima com altivez. Desde a entrevista concedida em dezembro de 2005 ao programa Roda Viva, quando foi interpelado sem rodeios sobre o escândalo do Mensalão, Lula deixou de conversar com jornalistas independentes. Desde a cerimônia de abertura dos Jogos Pan-Americanos do Rio, quando foi apresentado à mitológica vaia do Maracanã, Lula só se apresenta para plateias amestradas. Só entra gente que ri antes que a piada comece a ser contada. E cai na gargalhada antes que termine.
Em que outro país a imprensa qualificaria de “ex-presidente da República” — nada mais — um corrupto condenado à prisão em duas instâncias? Que jornalismo além do brasileiro publicaria com destaque o que diz um farsante que se fantasiou de Pai dos Pobres para enriquecer como Mãe dos Ricos, e chefiou o maior esquema corrupto de todos os tempos, e por essas e outras transformou-se no primeiro chefe de governo nativo engaiolado por atropelar o Código Penal? Só mesmo num Brasil moralmente abastardado um prontuário ambulante ousa disfarçar-se de juiz de presidente.
“Eu acho que o Bolsonaro não tem estatura psicológica para continuar governando”, recitou ao lado de Haddad o camelô de empreiteira. “Ou esse cidadão renuncia ou fazem o impeachment dele, porque não é possível que alguém seja tão irresponsável para brincar com a vida de milhões de pessoas”, delirou o analfabeto funcional que, em 2009, não viu o tamanho da epidemia de H1N1 nem viu mais que uma marolinha no apavorante tsunami econômico. “Se ele agisse com responsabilidade, quem sabe a gente tivesse munido de máscaras, respiradores e milhões de testes”, foi em frente o parteiro da Copa da Roubalheira e da Olimpíada da Ladroagem.
Se o ex-presidiário não fosse desprovido do sentimento da vergonha, não seria tão aflitiva a escassez de leitos de UTIs e equipamentos hospitalares num país infestado de estádios sem serventia. Estimulado por parceiros larápios, nessas arenas Lula colocou em jogo o próprio destino político. Perdeu. Se tentar um terceiro mandato, vai saber como se sentiram os jogadores brasileiros naquele 7 a 1 contra a Alemanha.

Ciro chora

Ciro Gomes chora
As lágrimas de crocodilo de Ciro Gomes
“O grande ator não é gente, é outra coisa”, dizia o jornalista Paulo Francis, deslumbrado com a performance de Marlon Brando no filme Último Tango em Paris. “O mais infeliz viúvo do mundo jamais conseguiria chorar como Marlon Brando ao lado do caixão da mulher!”, exclamava Francis. “E ele  nunca foi viúvo na vida real!”
Canastrões da política brasileira também não são gente, são outra coisa. E muito pior que gente, confirma Ciro Gomes no vídeo que documenta sua desolação com os brasileiros pobres expostos à pandemia de coronavírus. A cara redesenhada pelo ator de botequim parece chorar copiosamente. Mas ele não consegue extrair do coração despedaçado sequer duas lágrimas que lhe molhem as pálpebras inferiores.
Ciro Gomes acabou de inventar o pranto convulsivo sem lágrimas.

Uma cela só para Cunha

O delinquente Eduardo Cunha recuperou a alegria de viver — ao menos por algumas semanas — graças ao mesmo micro-organismo que anda inoculando em incontáveis brasileiros honestos o medo de morrer. Nesta quinta-feira, a juíza Gabriela Hardt entendeu que o ex-presidente da Câmara deveria resistir em casa ao cerco do coronavírus. Aos 61 anos, com a saúde avariada, Cunha foi devolvido ao lar por ser integrante do grupo de risco.
A juíza, com todo o respeito, errou. Em casa, Cunha vai ser visitado por bandos de comparsas com os quais sempre planejou bandalheiras sussurrando a centímetros do ouvido. Esses hábitos facilitam contaminações. O bandido capturado pela Lava Jato estaria bem mais seguro se fosse trancafiado sozinho numa cela — e proibido de receber visitas até o fim da epidemia.
Muita gente boa sucumbiria à tentação de pedir ao coronavírus que ficasse por aqui pelo menos 20 anos.
Revista Oeste