quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

"Dez anos de soberba do Brasil no futebol", por Tostão

A década terminou ontem ou acaba em 31 de dezembro de 2020? Há controvérsias. 
Não importa. Os últimos dez anos foram de bons e maus momentos, como sempre. Muitas coisas importantes acontecem, aos poucos, de forma subliminar, e não percebemos. De repente, levamos um susto. Assim é a vida. Dura uma eternidade ou um suspiro, um sopro.
revista France Football formou uma seleção mundial dos últimos dez anos, com Casillas no gol, os defensores Lahn, Sergio Ramos, Van Dijk e Marcelo, os armadores Xavi, Iniesta e Modric e, no ataque, Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar. 
 
Eu colocaria Neuer no gol e outro meio-campista no lugar de Modric. Poderia ser Kroos, Schweinsteiger, Pogba ou De Bruyne. Daniel Alves foi excepcional, mas Lahn foi superior. Há outros zagueiros do nível de Sergio Ramos, como Piqué e Thiago Silva.
Barcelona, dirigido por Guardiola entre 2000 e 2010, encantou e revolucionou o futebol mundial. O time catalão fez parte da alma da seleção da Espanha, bicampeã da Europa em 2008 e 2012 e campeã do mundo em 2010.
A Espanha influenciou todo o futebol mundial, menos o Brasil, por causa da soberba e do orgulho dos técnicos brasileiros, que diziam não precisar aprender nada, que tinha a seleção pentacampeão do mundo e era o país do futebol. Dormiram sobre o berço esplêndido.
Isso não significa que todas as equipes europeias passaram a jogar como os espanhóis. O atual Liverpool é um time que usa muito espaços longos e viradas de bola para chegar mais rápido ao gol. O Flamengo tem um estilo parecido com o da equipe comandada por Klopp e com Manchester City, dirigido por Guardiola.
Outras grandes equipes tiveram sucesso nos últimos dez anos com uma estratégia oposta, de recuar a marcação, fechar os espaços e contra-atacar, como vários times dirigidos por Mourinho, Ancelotti e outros treinadores. 
O Corinthians, com Mano Menezes, Tite e Carille, seguiu o modelo Mourinho, ganhou títulos e foi copiado pela maioria dos treinadores brasileiros.
Evidentemente, aconteceram coisas boas no futebol brasileiro nos últimos dez anos. Além do Flamengo e do Santos no ano passado, que escancararam as deficiências das outras equipes, o Grêmio, dirigido por Renato Gaúcho, encantou em muitos momentos, com a troca de passes, característica dos espanhóis. O Athletico se tornou um grande time nacional, graças ao trabalho inovador de sua diretoria e do técnico Thiago Nunes.
O que têm em comum vários meias como Scarpa, Lucas Lima, Paulo Henrique Ganso, Thiago Neves, Cazares, Sornoza e tantos outros? São muito desejados e bastante criticados, por criarem uma expectativa muito acima da realidade. São chamados de vagalumes, pois somente brilham em situações especiais. 
Assim como as principais equipes europeias, os dois melhores times brasileiros em 2019, Flamengo e Santos, não possuíam esse clássico meia, que joga em pequenos espaços e sem participar da marcação.
O futebol mudou. Eles podem ser ainda importantes, desde que sejam um Alex, ex-craque do Palmeiras, do Cruzeiro, do Coritiba e do Fenerbahce.
Nos últimos dez anos, os técnicos brasileiros se acostumaram com a estagnação e acharam que era assim mesmo. Nem o 7 a 1 provocou mudanças. O mesmo ocorre no país, com graves e antigos problemas sem solução, como a violência urbana, a ausência de saneamento básico em 50% das moradias e tantas outras vergonhosas situações.
Espero que o Flamengo se torne um grande ruído, um pedido de ajuda, um grito de desespero, para melhorar o futebol brasileiro. Feliz 2020 a todos!
Tostão
Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina

Folha de São Paulo