Desde o início do processo de privatizações e concessões, no governo Collor, até o governo Bolsonaro, passando por todos os demais governos, permanece sem solução o problema de sempre: como e quem financiará os vencedores? Isso porque as concessões/privatizações requerem enormes investimentos de longo prazo de maturação e de retorno também dilatado no tempo.
O financiamento terá de vir – se do mercado nacional – do setor bancário ou do mercado de capitais. Essa disjuntiva só não se aplica se os financiamentos forem buscados no exterior. Esses financiamentos externos é que deram o funding para as concessões italianas ou portuguesas na telefonia, chinesa no setor elétrico, etc.
Já o levantamento de dívida externa assusta os tomadores nacionais avessos à assunção de obrigação de longo prazo em moeda estrangeira ou nela calculada. Assim é que, quando surgem os editais de concessão ou privatização, os empresários nacionais sugerem a criação de mecanismos que atuem como hedge cambial e que esse risco seja suportado, ao final, pelo governo federal.
Assim, se buscarmos o papel do financiamento nacional, verificaremos que eles têm vindo de duas fontes ligadas direta ou indiretamente ao governo federal. Aí atuaram o BNDES e os fundos de pensão das empresas de economia mista ou estatais, como Petros, Previ, etc. A decisão política, forçando o banco de investimento estatal e os fundos de pensão vinculados ao governo, mostrou resultados ruins para os fundos e para o banco de investimento.
O setor financeiro nacional não tem – e por motivos variados – a tradição da concessão de empréstimos de longo prazo, dando como garantia o próprio investimento. Restaria buscar os recursos no mercado de capitais nacional, como volta e meia se propõe. Este opera fundamentalmente com duas formas de financiamento: ofertando ações ou debêntures. A colocação de ações implica diluição de controle, o que não é bem visto por nossa tradição empresarial. Pelos montantes de investimento exigidos estaríamos falando, no limite, em alienação de controle ou de controle difuso, o que implicaria a possível negativa do poder concedente. Restaria a possibilidade da emissão de debêntures como papel de financiamento de longo prazo.
Os volumes agora demandados são da ordem de cerca de R$ 300 bilhões em quatro anos. A essa demanda, tida como “extraordinária”, agreguem-se as “regulares”, que são as que se encontram sob análise no pipeline do BNDES. Nesse meio tempo o BNDES está em processo de devolução de empréstimos tomados do Tesouro Nacional, o que implica redução de sua capacidade de financiamento.
Enfim, grosso modo, essas são as alternativas disponíveis para o funding dos processos de concessões.
Diante de tais dificuldades surgem vozes clamando pela concessão de incentivos fiscais para as “debêntures da infraestrutura” voltadas para as pessoas jurídicas, como se o País estivesse vivendo momentos de ampla bonança e o Tesouro não tivesse sérias restrições de caixa. Mas por que o incentivo? Porque é investimento em papel de prazo médio, de 20 ou 25 anos, sem nenhuma possibilidade de liquidez, a não ser a eventualmente dada pelo próprio banco colocador da debênture e ao preço que lhe parece conveniente.
Não é razoável imaginar que empresas planejem investir em ativos ilíquidos por prazos extremamente longos pelos padrões brasileiros. As emissões de companhias brasileiras em renda fixa de longo prazo só são colocadas no exterior em mercado com formação de preço e liquidez online.
Em trabalho feito na FGV Direito SP, analisando cerca de dez anos do nosso mercado de debêntures, puderam verificar algumas distorções, que aqui não cabe detalhar. Citemos apenas três. A primeira refere-se ao prazo médio de vida das debêntures. Foi ele de 5,94 anos, mas computados os resgates antecipados o prazo médio do papel cai para 2,99 anos. Seriam esses prazos compatíveis com os retornos dos ativos concedidos? Talvez o prazo curto se deva a que essas debêntures serviram como garantia em empréstimos-ponte à espera do financiamento de longo prazo dado pelo BNDES. Segundo ponto mostrado é o da iliquidez dos papéis, mesmo os incentivados já vendidos às pessoas físicas. E o terceiro ponto de interesse é o tamanho da carteira com pouca ou sem liquidez do BNDESPar, não gerando caixa necessário para novos investimentos.
No nosso mercado secundário já temos estruturas organizacionais aptas a propiciar os mecanismos necessários à criação desse mercado. Porém ele não poderá continuar a ser um mercado de balcão, mas, sim, um de livre acesso aos investidores, por meio do sistema de distribuição de valores mobiliários, transparente na formação de preço e com liquidez dada pela livre formação de preço.
Essas são algumas das perplexidades que devem ser vencidas nas concessões. É bom lembrarmos que será necessário também financiar as melhorias requeridas pelo edital. Ou seja, ficará difícil falar em processo de privatização ou concessão, no volume que agora se menciona, sem a existência de mecanismos de financiamento de longo prazo compatíveis com a maturação e o retorno dos investimentos. Afinal, o poder concedente tem a enorme expectativa quanto aos recursos entrantes, até para aliviar seu combalido caixa, além de justificar o preço da alienação perante o TCU.
Certamente surgirão nesses certames os investimentos estrangeiros que poderão prescindir dos mecanismos nacionais. Mas para o empreendedor local a tarefa poderá ficar bem mais difícil. O que não é razoável é pensarmos na exequibilidade da emissão de papéis de dívida de longo prazo, sem liquidez, cujo adoçante desse investimento amargo seja, mais uma vez, fornecido em prejuízo da arrecadação pública, quando mecanismos do mercado de valores mobiliários podem contribuir para a solução desse problema, que nos acompanha por um tempo maior do que o desejado.
ADVOGADO, FOI PRESIDENTE DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS
O Estado de São Paulo