terça-feira, 28 de agosto de 2018

"Rumo a um país distinto?", por Fabio Giambiagi

Se o Brasil alcançar uma meta de inflação de 3% e um juro real em torno de 3% a 4%, veremos um país que nenhum brasileiro viu


Tenho 56 anos. Minha geração, nascida no começo dos anos 60, tinha em torno de 20 anos por ocasião da famosa campanha das Diretas Já de 1984 e depois andava pelos 30 quando foi lançado o Plano Real, em 1994. Nosso final de adolescência/começo da juventude se passou com uma inflação anual de 100% a 200%. Depois, convivemos quase dez anos, como adultos jovens, com o que tecnicamente deve ser qualificado de “hiperinflação reprimida”, quando, entre 1986 e 1993, a inflação era controlada de vez em quando mediante o expediente dos congelamentos, sucedidos por uma explosão dos preços.

Finalmente, depois de 1994 tivemos mais de 20 anos de estabilização, porém com três ressalvas. A primeira é que a estabilidade foi relativa, pois embora a inflação tenha sido bem comportada em relação ao passado mais distante, ela teve muitos altos e baixos: houve anos com taxas baixas como em 1998, quando foi de 2%, mas também outros com taxas bastante altas como em 2002 ou 2015, quando foi de 13% e 11%, respectivamente. A segunda é que se evitou uma maior aceleração dos preços, mas com uma taxa de juros real que, na média de 23 anos, foi muito elevada, da ordem de 10% ao ano. A terceira é que nessas quase duas décadas e meia houve muitas vezes o receio de que a inflação voltasse a aumentar no futuro.

Em contraste com essa situação, há chances de que talvez o Brasil possa estar iniciando uma fase da sua História, em que esses problemas venham a ficar para trás. Não só poderemos ter uma inflação baixa nos próximos anos, como isso pode ocorrer sem o recurso a taxas de juros reais exorbitantes. Há, sim, possibilidade de o país ingressar numa nova etapa, muito mais saudável que as últimas duas décadas. Muito disso dependerá, porém, das ações a serem tomadas pelo novo governo, mas o panorama é potencialmente promissor.

Desde 1999, quando foi adotado o sistema de metas de inflação, o país vinha definindo a meta com dois anos de antecedência, fixando em junho, por decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN), a meta para os dois anos à frente. Nos 14 anos entre os anos de 2005 e 2018, a meta foi definida em 4,5%. Em 2017, o CMN adotou duas inovações importantes. A primeira foi ampliar o horizonte de referência, passando a definir a meta três anos à frente. E a segunda foi reduzir a meta, para 4,25% em 2019 e para 4% em 2020. 

Recentemente, já no ano em curso, esse objetivo tornou-se mais ambicioso, com a redução da meta estabelecida para 2021 para 3,75%. A bola está quicando na área para que, no próximo governo, o alvo seja objeto de um soft landing rumo a uma meta definitiva de longo prazo, possivelmente fixada em 3% ao ano sine die.

Há várias razões para a taxa ser fixada nesse nível. Duas delas são as mais importantes. A primeira é que ela corresponde à meta da maioria das economias emergentes que têm alvos estáveis de inflação. A segunda é que ela se assemelha à inflação observada em diversas economias que, de certa forma, faz sentido o Brasil tentar emular. De fato, na média dos dez anos 2008/2017, a inflação anual por país apresentou os seguintes resultados:

Chile, 3,1%; China, 2,3%; Colômbia, 4,1%; Coreia do Sul, 2,1%; México, 4,2%; Peru, 3,1%.

Numa democracia com as demandas sociais como as que existem na América Latina, é razoável argumentar que a inflação apresenta certo viés em relação à taxa observada nos países desenvolvidos. É essa a razão da defesa da escolha de uma meta de 3 %, e não de uma mais ambiciosa, de por exemplo 2 %.

Se o Brasil convergir rumo a uma meta de 3%, com uma inflação próxima a isso e um juro real de médio e longo prazo, daqui a alguns anos, em torno de 3% a 4%, estaremos na presença de um país que nenhum brasileiro viu desde que nasceu: um Brasil com preços estáveis e juros baixos. A dinâmica que isso é capaz de gerar para o investimento poderá ser muito positiva. Isso, obviamente, desde que o próximo governo faça as reformas certas, acabando de equacionar o desafio fiscal.

O Globo