CHICO OTAVIO E DANIEL BIASETTO - O Globo
Jonas Lopes conta que a participação de um subsecretário teve a 'aquiescência do governador'
O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, tinha conhecimento de pelo menos um dos três esquemas de propina envolvendo conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE), garantiu o ex-presidente do órgão e delator premiado Jonas Lopes de Carvalho. No depoimento obtido pelo GLOBO, ele conta que a participação de um subsecretário do governo Pezão no desvio de 15% dos valores liberados pelo fundo de modernização do TCE-RJ para pagamento de despesas de alimentação de presos no Rio teve a “aquiescência do governador”.
De acordo com Jonas, o assessor envolvido era Marcelo Santos Amorim, o Marcelinho, atual subsecretário de Comunicação do governo fluminense e casado com uma sobrinha do governador. Na quarta-feira, durante a Operação O Quinto do Ouro, que prendeu cinco conselheiros do TCE, Marcelinho foi levado a depor na Polícia Federal do Rio sob condução coercitiva. Jonas o acusa de ter recebido 1% de propina no esquema dos presídios, sob a justificativa de que o subsecretário dominava a área de alimentação do governo. Em nota, o governador diz desconhecer o teor das investigações e que não vai comentar trechos selecionados de supostas delações vazados para a imprensa.
No mesmo depoimento, Jonas também citou o secretário de governo de Pezão, Affonso Monnerat, que também teria conhecimento das operações ilícitas. O delator disse que repassou a Monnerat a lista de fornecedores de alimentos aos presídios que teriam se recusado a repassar a propina, para que eles fossem preteridos no cronograma de pagamentos. O TCE liberou cerca de R$ 160 milhões do seu fundo, a título de ação emergencial, a pretexto de não deixar os presos em alimentação, afastando assim o risco de rebeliões.
Segundo a Globonews, na delação, Jonas Lopes conta também que discutiu o repasse de propina aos conselheiros numa reunião na casa do governador do Rio. Esse encontro teria acontecido em 2013, quando Jonas era presidente do TCE e Pezão, vice-governador.
De acordo com o delator, “Pezão acompanhou toda a reunião e dela participou ativamente, inclusive intervindo para acalmar as discussões iniciais e que toda a discussão sobre as vantagens indevidas pagas ao TCE foi feita às claras na presença de Pezão”.
O ex-presidente do TCE conta também que se reuniu novamente com Pezão em 2015, no Palácio Guanabara. Segundo a delação premiada, Jonas Lopes “indagou quem falaria ao governo junto ao TCE”. Pezão respondeu que “seria Affonso Henrique Monnerat Alves da Cruz", secretário de Governo. Ainda de acordo com o delator, com a expressão “falaria ao governo junto ao TCE”, tanto o colaborador quanto o governador entendiam ser uma referência aos acertos com os integrantes do Tribunal de Contas.
"CADÊ O MEU DINHEIRO"
Jonas contou que ficava com 5% dos 15% de propina. Outros cinco conselheiros, Aloysio Neves, José Gomes Graciosa, Marco Antônio Alencar, José Maurício Nolasco e Domingos Brazão, dividiam os outros 10%. Cada um, segundo ele, teria recebido um total de R$ 1,2 milhão. Certa ocasião, revelou Jonas, diante do atraso no repasse do dinheiro liberado pelo governo, o conselheiro Graciosa teria enviado pelo aplicativo WhatsApp uma marchinha, dedicada a Pezão, com o refrão “Cadê o meu dinheiro?”.
Para que o fundo pudesse ser usado nos presídios, Jonas disse que se reuniu com o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Jorge Picciani (PMDB), que se comprometeu a flexibilizar a lei do fundo. Na ocasião, Picciani teria indicado dois empresários do setor de alimentação, Luiz Roberto de Menezes Soares, irmão de Arthur Soares, da Facility, e Ruy Ferreira, para organizar o pagamento da propina junto ao setor. A ideia de usar as verbas do fundo partiu de Jonas, mas os demais conselheiros, reunidos para discutir o assunto, “vislumbraram a possibilidade de auferir vantagens indevidas com a questão”, garantiu o delator.
A informação, antecipada no site da revista “Época” e confirmada pelo RJTV, da TV Globo, também consta no despacho do ministro do STJ a partir das delações de Jonas e de seu filho, o advogado Jonas Neto. O filho do ex-presidente do TCE relatou que foi convencido pelo pai a também se tornar um operador, com a promessa de ficar com 5% da propina sobre os valores. Ele exercia a função de coleta e entrega de valores entre 2011 e 2016, quase sempre transportava dinheiro em uma pasta estilo “007” e dirigia-se ao TCE em seu próprio carro. Subia pelo elevador privativo do prédio para entregar o dinheiro ao seu pai, que distribuía aos demais conselheiros.
De acordo com a revista, o vice-procurador-geral da República, José Bonifácio de Andrada, justificou os pedidos de prisão, busca e conduções coercitivas envolvendo os conselheiros, o assessor de Pezão e empresários, em razão do suposto recebimento de 1% de propina sobre os valores dos contratos acima de R$ 5 milhões celebrados pela Secretaria de Obras do Rio. Em nota, Picciani afirmou que “mais uma vez fica nítido que a delação de Jonas Lopes não cita o presidente da Alerj como recebedor de qualquer tipo de vantagem indevida. A única participação do deputado nesta história foi fazer tramitar na Alerj proposta enviada pelo TCE, a pedido do seu presidente, permitindo que o Fundo Especial do Tribunal pudesse repassar para o Estado recursos para as áreas de Saúde, Educação e Segurança — incluindo aí o sistema prisional”. Picciani afirmou ainda não ter relacionamento com os dois personagens citados na reportagem.
A propina relacionada às obras no estado, segundo as delações, começou a ser cobrada durante a gestão do então presidente do TCE e um dos conselheiros presos Maurício Nolasco (2007-2010), tendo continuado sob a presidência de Jonas Lopes Júnior. Também neste caso, os seis conselheiros recebiam valores, que não foram especificados no despacho do STJ.
APENAS UM FORA DO ESQUEMA
Jonas fala ainda sobre o favorecimento a empresas de transporte em casos fiscalizados pelo TCE-RJ, atendendo aos interesses da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), no qual cada um dos conselheiros teria recebido R$ 60 mil de propina apenas em 2015, também com participação de Jorge Picciani.
Em sua fundamentação para prender os cinco conselheiros, o ministro Félix Fischer aponta que “apesar de drástica a medida, verifica-se que de fato a prisão temporária encontra-se devidamente justificada, pois a mera condução coercitiva ou mesmo o afastamento das funções públicas neste momento não garantiria a higidez necessária ao desenvolvimento das atividades de investigação ostensivas”. Apenas um conselheiro não está envolvido no esquema: a corregedora Marianna Montebello.