quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

"Hiperinflação de infâmia", por Vinicius Torres Freire

Folha de São Paulo


A arruaça de desclassificados que se viu ontem na Câmara confirma, como se fosse preciso, que estamos largados à própria sorte, azar, e o governo do país está à deriva. Governo também no sentido mais amplo, de responsabilidade por providências que não sejam apenas aquelas da burocracia ainda funcional ou de instituições de Estado que são pelo menos legalmente obrigadas a tomar certas decisões.

No entanto, apesar do esboroamento das instâncias legislativas e executivas da governança federal, algumas decisões e indecisões cruciais haverá, e o que resta do país, a vida real, continuará, se bestializada ou revoltada, não se sabe.

Aquele espetáculo repulsivo de ontem na Câmara expeliu como resultado uma vitória parcial dos adeptos da deposição de Dilma Rousseff. Dados o tamanho da convulsão, a incompetência e a pequenez das personagens envolvidas, não é improvável que ocorram reviravoltas desconcertantes, tal como essa carta de Michel Temer. Pode até haver medidas surpreendentes do Supremo Tribunal Federal.

Assim, tampouco se pode dizer que há uma tendência inevitável, algo como uma debandada de votos pelo impeachment. Menos ainda se pode predizer se tal tumulto transbordará para as ruas. O que parece mesmo inviável é o encaminhamento de votações de matérias elementares para a administração básica do país. Mesmo o desacreditado, malversado e fantasista Orçamento pode ficar para as calendas.

Não é o caso meio patético de dizer que "o Congresso não vai votar medidas essenciais para o ajuste fiscal". Esse "ajuste" não existe mais desde agosto. De resto, nem grande coisa seria aprovada. O maior e mais relevante remendo, a CPMF, era moribunda. O que sobrou para ser aprovado, enfim, não teria lá grande influência nas contas do governo, menos ainda na mudança de rumos da economia.

O problema maior é que não há nem ao menos uma perspectiva do que virá depois desse fracasso. Trata-se da incerteza dentro da incerteza. O descrédito no essencial da política econômica vem aumentando, e isso terá consequências.

As previsões são de deficit primários federais chegando até 2018 ou quase, de inflação baixando à meta apenas nesse ano ou no seguinte. Parece ninharia, dado o tamanho do desastre. Não é. Dada a previsão de economia estagnada até 2017, pelo menos, isso significa dívida em crescimento ainda mais explosivo.

Tamanha é a depressão da confiança, tamanha a desesperança, que a existência súbita de um governo poderia afastar a perspectiva horrível. No curtíssimo prazo, porém, a probabilidade maior é de deteriorações e mesmo tumultos.

Pode ser que o Banco Central eleve os juros na terceira semana de janeiro; pode ser que os créditos do país e de suas empresas sejam degradados para o lixo ainda antes do Carnaval, com risco de alterações maiores no câmbio, no financiamento ou na saúde das empresas. O desemprego pode ir além da taxa de 12% que já se prevê para o final do ano que vem.

O tumulto aprofundaria a recessão, o descrédito aumentaria a depressão de ânimos e o ciclo de problemas se realimentaria, com reflexos mais imediatos na vida do cidadão comum, nós. O risco é enorme.