quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

"Flores no asfalto", por Vinicius Torres Freire

Folha de São Paulo


O jornalista observa a pilha de números nas planilhas e procura alguma informação para escrever um texto menos deprimente na virada do ano, dias de esperança para as pessoas normais.

Com lupa, acha um botão mínimo de esperança. Nem chega a ser uma flor que nasce no asfalto, como no poema de Drummond, que é feia, mas é flor ("Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio."). Mas é o que temos.

A confiança dos "agentes econômicos" dá um sinal de que, talvez, possa ter chegado ao fundo do poço. Pesquisas mostram a cada mês o que consumidores e empresários acham de sua situação atual e as expectativas quanto a compras, emprego, estoques, vendas, produção e investimento. O ânimo ainda está nas mínimas já registradas, mas num e noutro caso despiorou de leve, em dezembro.

A confiança do empresário industrial, do setor de serviços e do pequeno e médio empresário melhorou um tico, após meses de derrocada.

Isso não quer dizer que a produção vai crescer tão cedo (não antes do segundo semestre). Quer dizer apenas que, talvez, queiram os céus, o desânimo parou de crescer. No caso do comércio e dos consumidores, a coisa ainda é triste. Entende-se.

Pode ser que parte da indústria e do setor dos serviços sinta uma brisa de melhora por causa da desvalorização do real. Compra-se muito menos lá fora, viaja-se menos para o exterior. Gasta-se um pouco mais aqui, pois ficou caro comprar importados.

O varejo e consumidores, porém, sentem cada vez mais o efeito retardado da recessão, que começara já em 2014. Emprego e consumo começaram a apanhar neste ano. Em termos anuais, o rendimento nacional médio havia apenas estagnado, até setembro (último dado disponível).

Aqui, então, a flor de Drummond dá uma murchada. O desemprego vai aumentar, o rendimento nacional médio do trabalho vai cair e reduzir o consumo outra vez. 

O varejo deve encolher 4% em 2015. Entre 2004 e 2012, as vendas do varejo cresciam 8% ao ano, em média.

Mesmo que a economia pare de piorar, que a produção (PIB) fique estagnada durante 2016, o efeito "nas ruas" deve ser mais sentido.

Estagnação no caso significa que, trimestre sobre trimestre, a produção (o PIB) não aumenta em 2016, ficando no mesmo nível deste trimestre final de 2015. No entanto, o quarto trimestre de 2015 terá sido pior que o terceiro trimestre, que foi pior que o segundo, que foi pior que o primeiro de 2015.

Na média, a economia (produção) de 2016 vai ser, portanto, menor que a de 2015, pelo menos 2% menor, em caso de estagnação daqui em diante. Uma economia menor em tese precisa empregar menos gente. Mesmo que a economia se recupere, as empresas terão capacidade ociosa: podem produzir mais sem comprar mais equipamentos ou sem contratar mais gente. O efeito da recessão no emprego vem mais tarde; o efeito da recuperação também.

A recuperação, porém, depende das condições macroeconômicas (gastos do governo, inflação), ainda um caos horrendo. Dá para melhorar, previsão não é destino nem maldição. Com um governo ausente e alienado da realidade, porém, vai ser difícil mudar.

Enfim, o jornalista espera estar vergonhosamente errado sobre 2016. Um ano de paz para todos nós.