BRUNO VILLAS BÔAS - Folha de São Paulo
O corte de consumo promovido pelas famílias brasileiras neste ano só foi superado, na América Latina, pelo racionamento dos venezuelanos, de acordo com pesquisa da consultoria Kantar Worldpanel.
O levantamento envolve o consumo de bens semi e não duráveis –como alimentos, bebidas, lácteos, produtos do lar e de uso pessoal– no terceiro trimestre deste ano em 15 países da região.
No Brasil, as famílias reduziram em 2,6% a quantidade desses produtos adquiridos no terceiro trimestre deste ano, em relação a igual período do ano passado.
Entre os produtos que mais sofreram corte nos carrinhos de compra dos brasileiros estão os lácteos (-9%), como leite pasteurizado, seguido por produtos de limpeza (-5,8%), como cera para o piso.
Só as famílias venezuelanas esvaziaram mais os carrinhos. Os vizinhos reduziram em 22% seu volume de compras frente ao terceiro trimestre de 2014. Só os alimentos foram cortados em 26%.
Segundo Christiane Pereira, diretora na Kantar Worldpanel, as famílias brasileiras sofrem com a piora do mercado de trabalho, a queda na renda real e a alta dos preços.
"Esse é o trinômio básico do consumo. São fatores que impulsionaram o consumo no passado e agora exercem pressão negativa. Desde 2009 não víamos algo assim", diz.
O consumo das família –que responde por 60% do PIB (Produto Interno Bruto) pela ótica da demanda– puxou a economia para baixo neste ano. E só deve se recuperar com menor inflação e melhora no emprego.
Para levantar os dados, a consultoria acompanha famílias de cada país. Ela registra num escâner os produtos de armários e prateleiras das residências, assim como a nota fiscal da compra.
VIZINHOS
Como o Brasil, a Venezuela sofre a combinação de inflação alta e recessão. Por lá, o problema é bem mais grave. Os alimentos, por exemplo, ficaram na média 120% mais caros em um ano.
Além disso, a Venezuela enfrenta um problema sério de abastecimento de produtos. O governo tenta controlar preços, o que faz empresários reter produtos, esvaziando as prateleiras.
Já as famílias argentinas reduziram o consumo em 0,4% frente ao terceiro trimestre de 2014, efeito das incertezas cambiais. A pesquisa foi feita antes do pleito que elegeu Mauricio Macri presidente de novembro.
Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da FGV, diz que Argentina, Brasil e Venezuela têm em comum pouca consistência em políticas econômicas.
"Os países que ainda crescem são os que praticaram políticas consistentes, como Chile, México, Colômbia. Ou seja, inflação baixa, Banco Central independente, abertura econômica, baixo intervencionismo", disse.
No terceiro trimestre houve aumento do consumo dos produtos em outros países latino-americanos, como Chile (2,4%), Colômbia (1,6%), Equador (3,5%), México (1,8%) e Peru (1%).
Também houve avanço médio de 1,6% num conjunto de cinco países da América Central, o que inclui Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá, segundo a pesquisa.
Paraguai e Uruguai não fizeram parte do estudo. Segundo projeção do FMI (Fundo Monetário Internacional), o PIB desses dois países deve crescer 2,5% e 3% em 2015, respectivamente.