quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Estado do Rio arrecadou menos e gastou mais: rombo de R$ 13 bilhões


Quadro do endividamento do estado do Rio - Editoria de Arte O GLOBO


Fábio Vasconcellos e Guilherme Ramalho - O Globo


Queda das receitas este ano e aumento contínuo de despesas, algumas delas acima do ritmo da economia ou mesmo ao sabor do calendário eleitoral. Para completar, um quadro de endividamento que avança e faz lembrar o início dos anos 2000. A crise financeira que se instalou no Rio e ameaça paralisar diversos serviços, a exemplo dos hospitais e UPAs, pode ser traduzida num rombo estimado hoje em R$ 13 bilhões nas contas do governo. 

Esse é o montante que falta para o Executivo fechar o ano de 2015, segundo a última previsão.

Parte do rombo tem a ver com as receitas dos royalties do petróleo. Com a queda do preço do barril, o estado passou a receber menos recursos que o previsto quando elaborou o orçamento. Mas o desequilíbrio nas contas tem também relação com as despesas que dependem diretamente das decisões do governo. Nesse quesito, o endividamento do estado tem pesado.

Entre 2007 e 2011, o governo Sérgio Cabral conseguiu reduzir a relação dívida/receita, mantendo o estado no patamar exigido pelo Tesouro Nacional (dívida de no máximo duas vezes a receita líquida). A partir de 2011, essa relação passou a subir, até atingir, no ano passado 1,78, maior patamar dos governos Cabral e Pezão. Não é pouca coisa. A estimativa é de uma dívida de R$ 93 bilhões. Até agosto, segundo o Tesouro Nacional, a relação dívida/receita já era de 1,86, bem próximo do penúltimo ano do governo Rosinha, em 2006. A tomada de empréstimos permitiu que o governo investisse em obras — algumas delas olímpicas —, mas, hoje, com receitas em queda e dólar em alta (parte da dívida é em moeda estrangeira), os pagamentos da dívida têm pesado nas contas. Para este ano, a estimativa das despesas com a dívida é de R$ 7 bilhões.

A crise mais visível este ano nem de longe lembra o ritmo de despesas do estado em outros períodos. Com Luiz Fernando Pezão como candidato a sucedê-lo, o então governador Sérgio Cabral despejou dinheiro no Programa Somando Forças. O plano consiste na assinatura de convênios de obras com as prefeituras do interior. Durante 2014, o estado aplicou nada menos que R$ 1,5 bilhão no programa, maior valor registrado desde a sua criação, em 2010, após Cabral rebatizar um projeto que tinha a mesma finalidade no governo Rosinha.

As despesas também foram crescentes com o funcionalismo. Em 2010, o estado (somados todos os poderes) gastou R$ 12,2 bilhões com pessoal e encargos sociais. Em quatro anos, o valor passou para R$ 19,7 bilhões (em valores correntes, variação de 62%). Não foi o que aconteceu com a receita. No mesmo período, subiu de R$ 49,9 bilhões para R$ 74,2 bilhões (variação de 48%).

Para o presidente da Comissão de Tributação da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), os gastos excessivos e mal aplicados do governo podem ter contribuído para a crise atual:

— Em 2014, pisaram no acelerador, gastaram muito. O ideal era tirar o pé do acelerador. Os sinais já estavam evidentes. Os governos passados não fizeram poupança, só se preocuparam em gastar, na certeza de que as receitas iriam sempre subir. Entre 2010 e 2014, os anos eleitorais são os períodos em que mais se investiu. São investimentos que também colhem resultados políticos e eleitorais. Receita e despesa têm que empatar. Quando isso não acontece, fica com uma dívida, que é jogada para o ano seguinte na rubrica “restos a pagar”, como vai acontecer este ano.

‘Endividamento poderia ser evitado’

O economista Gilberto Braga, professor do Ibmec, considera que o endividamento ano após ano poderia ter sido evitado. Segundo ele, a decisão de enfatizar um programa de repasse de recursos para prefeituras, como o Somando Forças, é da natureza política:

— O importante era criar uma base de sustentação política para a reeleição da presidente Dilma e eleger o próprio Pezão. Isso foi feito com sucesso. Politicamente, é fácil de se entender o que aconteceu. Certamente, poderia ter sido reservado algum montante para época de crise ou ter diminuído os repasses. No entanto, é muito fácil falar isso hoje. Na época, o cenário para 2015 não era tão claro, e o governo apostou todas as fichas em que as receitas continuariam a subir. O endividamento nunca foi discutido com seriedade nos últimos anos, porque havia um cenário favorável. As receitas cresciam, e a análise da capacidade financeira do estado era muito favorável. Então, o estado surfou no período de bonança e agora vai ter dificuldade neste período de vacas magras — avaliou.

No entendimento do economista Mauro Osorio, professor da UFRJ, os gastos com o Somando Forças não contribuíram para agravar a crise atual. No entanto, ele reconhece que os investimentos poderiam ter sido mais bem aplicados para aumentar a capacidade produtiva do estado:

— Para a crise atual, a variável central é a queda brusca das receitas dos royalties. Acho que não dava para prever essa diminuição. O Somando Forças não gerou grande herança para a crise atual. Foram gastos que ocorreram e não reproduziram novos gastos. Mas talvez fosse mais eficiente pegar esse dinheiro do Somando Forças e aplicar no saneamento da Baixada Fluminense. Algo menos fracionado, mais estruturado, e que melhoraria a qualidade de vida, aumentaria a produtividade e poderia atrair mais empresas. Temos que melhorar a gestão pública, alguns indicadores são piores de que os de São Paulo e Minas, temos que ter mais planejamento, mais integração nas políticas públicas. E os investimentos devem ser mais estruturados.

Em nota, o ex-governador Sérgio Cabral defendeu os gastos no Somando Forças. Ele disse que o estado colocou as finanças em dia nos últimos anos anos, o que permitiu receber grau de investimento de agências internacionais. Segundo Cabral, “investir no interior e promover o desenvolvimento do estado como um todo são obrigações de todos os governos”, e o Somando Forças se insere nesse contexto. “É um programa que ajuda as prefeituras na implantação de importantes projetos para o desenvolvimento dos municípios”.

Programa gerou atrito com Justiça eleitoral

Pouco mais de três meses antes da campanha eleitoral de 2010, o então governador Sérgio Cabral (PMDB), que concorria à reeleição, decidiu mudar o nome do Plano de Apoio ao Desenvolvimento dos Municípios (Padem), que distribuía recursos para cidades do estado por meio de convênios. Criado em 2001 durante o governo de Anthony Garotinho, o programa passou a ser chamado de Somando Forças. Desde então, este foi o principal programa de investimento de obras de infraestrutura em municípios do estado, com exceção da capital. Na eleição do ano passado, a Justiça Eleitoral chegou a questionar Luiz Fernando Pezão. Na época, a Justiça Eleitoral entendeu que ao colocar placas do governo em obras de várias cidades do interior do estado com o slogan Somando Forças, Pezão procurou atrelar os feitos do programa para si mesmo, já que a frase passou a ser também o principal slogan do governo Cabral e Pezão.