quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

"Depois do véu", por Alexandre Schwartsman

Folha de São Paulo

Agora que o impedimento da presidente se tornou uma possibilidade (ainda mais) real, a pergunta insistente diz respeito ao dia seguinte, embora, talvez tão relevante quanto o dia seguinte de um evento que poderá (ou não) se materializar, sejam as consequências dos vários dias que precederão essa decisão.

Não é segredo que muito do que vivenciamos no momento, da queda do produto à alta do desemprego, passa de alguma forma pelo nó fiscal. Muito embora as cadeias de causa e efeito sejam, por vezes, obscuras, há, ao menos entre economistas sérios, a crença de que os desequilíbrios fiscais que vieram se acumulando nos últimos anos se encontram na raiz da atual crise, fenômeno que foi bem explorado, por exemplo, por Mansueto Almeida, Marcos Lisboa e Samuel Pessôa.

Se tal diagnóstico for correto, como acredito, a consequência lógica seria a necessidade de uma alteração do nosso regime fiscal para superar a crise. Não se trata, portanto, de saber se receitas não recorrentes, como concessões e as oriundas da repatriação de recursos, nos permitirão atingir determinada meta de superavit primário em 2016, tema importante, mas secundário nas atuais circunstâncias.

A questão central se refere, a bem da verdade, ao equacionamento do gasto público no Brasil, cujo componente federal cresceu nada menos do que 11% do PIB entre 1991 e 2014, dos quais quase um terço ao longo do primeiro mandato da presidente.

Como se sabe, parcela considerável desse aumento se concentrou nos gastos com aposentadorias e pensões, o que coloca as reformas associadas a esse tema no centro de qualquer articulação para a solução do problema, incluindo, sem esgotar o assunto, a introdução de idade mínima para a aposentadoria, assim como a desvinculação do gasto previdenciário do salário mínimo.

São reformas complexas, que ferem interesses de distintos grupos e, portanto, sugerem que haverá reações a toda tentativa de mudança. Não há motivo para imaginar que, mesmo em condições normais, o Congresso conseguiria encaminhar a discussão de maneira plenamente satisfatória. À sombra, porém, do impedimento, é ainda menos provável que o foco parlamentar, já bastante descuidado, possa se manter nessas reformas essenciais e mesmo nas medidas de mais curto prazo.

Isto dito, qualquer que seja o resultado do processo de impedimento, as perspectivas para as reformas estão longe de positivas. A fratura já existente no mundo político tende a se aprofundar depois da decisão.

Em caso de manutenção do mandato presidencial (que pode ser obtido com 171 dos 513 deputados), teríamos a continuidade de um governo acuado, cujas convicções passam longe das necessárias para avançar o encaminhamento das soluções fiscais. Já em caso de impedimento, o cenário mais provável aponta para uma nova coalizão de forças que, embora aparentemente mais convicta acerca dos rumos a serem seguidos, também não teria a força para aprovar o conjunto de reformas requeridas.

A conclusão, praticamente inescapável, é que as chances de avançarmos nesses temas nos próximos anos são baixíssimas.

Isso, quero deixar claro, não é argumento contra, ou a favor, do impedimento, mas constatação que o estrago feito pela atual administração há de nos pesar por muitos anos à frente.