terça-feira, 29 de dezembro de 2015

"O garrote de Moro", por Mario Sergio Conti

Folha de São Paulo


Caso a Al Qaeda não tivesse posto abaixo as Torres Gêmeas e parte do Pentágono, o juiz Sergio Moro e a Lava Jato não disporiam do bem azeitado garrote jurídico e policial que vêm aplicando em corruptos.

O garrote começou a ser aparafusado nos anos 1980, quando o tráfico de drogas se mesclou com lutas de libertação. Os conflitos atingiram o ápice na América Central e chegaram ao Peru do Sendero Luminoso e à Colômbia das Farc.

A reação americana foi arrochar o cerco ao financiamento do comércio de cocaína e das organizações guerrilheiras. Essas últimas foram consideradas terroristas pelos democratas e republicanos que se revezaram na Casa Branca.

Houve dois lances cruciais na construção do arcabouço mundial de repressão. Um foi a Convenção de Viena de 1988, sobre o tráfico de drogas. Outro, a criação, no ano seguinte, de um órgão internacional chamado Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo.

As engrenagens de rastreamento de dinheiro ilícito foram paulatinamente incorporadas à legislação dos mais de 180 países do Grupo de Ação. Em 1998, o Brasil deu força de lei às recomendações do Grupo. A soft law virou hard law.

Com os atentados de 2001, sob a égide americana, que queria secar as fontes da Al Qaeda, a máquina foi reaparafusada. Em 2008, a crise financeira fez com que o garrote fosse polido, ficasse nos trinques e incidisse sobre paraísos fiscais. Ou seja, a história do torniquete usado por Sergio Moro, que a sabe de cor e salteado, é complexa. Mas o 11 de Setembro foi um de seus pontos de inflexão.

A corrupção permeia essa história. Os Estados Unidos lideraram o movimento que, ao longo das décadas, passou a utilizar contra a corrupção a estrutura criada para coibir o tráfico e o terror. O empenho americano teve fundamento econômico. Isso porque uma empreiteira brasileira, por exemplo, tem mais cancha que uma americana para corromper governantes e funcionários nativos, que decidem licitações no valor de milhões de dólares.

Dito cruamente: a corrupção beneficia burguesias locais, mormente de países periféricos, em detrimento da classe dominante do Império. Por isso, foi americana a iniciativa de ir à Suíça, um paraíso fiscal, jugular mutretas da Fifa, cuja cúpula é integrada por latino-americanos e africanos.

Ideólogos próximos ao Planalto então concluem que o Grande Irmão do Norte quer que a Petrobras pegue fogo num escarcéu "moralista". Para que a companhia mirre, não vire uma multinacional com a qual os Estados Unidos tenham que concorrer. Para os toscos, a Lava Jato é um garrote vil do imperialismo ianque.

O mundo não é simples, porém. Como a lei americana proíbe que suas empresas distribuam propinas em outras plagas, é lógico que os Estados Unidos ataquem a corrupção fora de suas fronteiras.

Na chefia da Lava Jato, admite-se que a motivação americana (e não só ela) tem boa dose de mercantilismo. Mas crê-se que a influência internacional, no fim das contas, é benigna: o garrote que pune quem corrompe e é corrompido ajuda o Brasil a resolver problemas internos.

Sergio Moro considera que a corrupção afasta investidores e reduz a competitividade das empresas nacionais. Além disso, ela corrói o princípio do primado da lei, base da democracia.