terça-feira, 29 de dezembro de 2015

"O Rio que eu não rio", por Carlos Heitor Cony

Folha de São Paulo


As coisas não andam bem aqui no Rio de Janeiro, apesar da lama de Mariana não ter chegado ainda a outro rio, o Comprido, filete de água em cujas margens vivi e estudei durante dez santificados anos no seminário onde traduzi o "Pro Milone", o melhor discurso de Cícero, apesar de as Catilinárias serem mais famosas e de estarem em evidência por causa da Operação Lava Jato.

O Estado não tem dinheiro nem para pagar o seu funcionalismo –o 13º salário será parcelado. A baía continua poluída, ameaçando a realização náutica da Olimpíada. A violência tornou-se maior, em maio, na Lagoa Rodrigo de Freitas, um médico foi esfaqueado e morto por menores, que roubaram sua bicicleta.

O Complexo do Alemão, não fosse a tragédia da Síria, seria o principal motivo para indignação universal.

Os restaurantes estão vazios, bem como os supermercados e os shoppings. Outro dia, fui almoçar em um restaurante badalado que vivia sempre cheio. Fiquei sozinho com dois amigos o tempo todo. Ao sair, chegou um casal que, diante da desolação do ambiente, nem passou pela porta. Talvez pela minha cara sinistra.

Imensos navios de cruzeiro, trazendo os turistas para o Réveillon, ficam ancorados no porto e poucos passageiros se atrevem a descer, apesar da remodelação da Praça Mauá, que, por acaso, está muito bonita.

Até a árvore de Natal, que durante as festas de fim de ano, é um dos atrativos da cidade, despencou no meio da Lagoa, colocando em risco os barcos de pescadores e esporte. Apesar de tudo, o Rio continua lindo, enfrentando um calor desumano e a trágica situação da rede hospitalar.

Já comentei que os doentes que se internam nos hospitais do Estado precisam levar o algodão, o esparadrapo e as seringas. Aqueles que sofrem de cirrose hepática terão de levar um fígado, dentro do prazo de validade.