Alessandra Duarte - O Globo
Juiz Marlon Reis ressalta que o ‘caráter pedagógico’ da Lava-Jato
Fundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e um dos que conduziram a mobilização para a aprovação da Lei da Ficha Limpa, o juiz Márlon Reis vê nas primeiras condenações de empreiteiros pela Operação Lava-Jato ''o início de outra imagem para a Justiça brasileira'', que prende mais por crimes ''contra o patrimônio individual do que contra o patrimônio público''. Ao GLOBO, Reis também ressalta que o ''caráter pedagógico'' da Lava-Jato é pôr o foco no corruptor e no agente privado que participa da corrupção, não apenas no corrupto e nos políticos. O juiz afirma também que lavagem de dinheiro por meio de doação eleitoral ''sempre ocorreu'', e que só está vindo à tona agora por causa da legislação que permite a realização de delações premiadas.
Como avalia o significado da primeira prisão de empreiteiros pela Operação Lava-Jato?
São três pontos aí. Primeiro, a imagem da Justiça no país está historicamente relacionada à prisão de pessoas de classes econômicas mais baixas. Os presídios brasileiros estão abarrotados de gente pobre que cometeu crimes contra o patrimônio individual, mas são poucos os presos entre os que cometem crime contra o patrimônio público, que é o que afeta a sociedade inteira. Com essa primeira condenação de pessoas com alto poder econômico, que atingem o patrimônio público, é o início de outra imagem para a Justiça brasileira.
Mesmo que as condenações tenham sido em 1a instância, e que ainda possa haver muitos recursos?
Mostrou-se que a corrupção tem o lado privado também, além do público?
Isso, o foco agora está no poder econômico. A sociedade tem uma visão muito crítica do agente público, mas não do agente privado que participa da corrupção. Pelo fato de ser uma empresa, a sociedade não tem muito claro isso, de que não é dinheiro do dono da empresa e de seus sócios, então o controle social fica prejudicado. Há uma cultura de tolerância no país com os grandes detentores do poder econômico. Este está sendo o caráter pedagógico da Lava-Jato. Mostrar que, na relação do setor privado com o público, os recursos não são empresariais, não são do mundo privado, são públicos.
Seria um caráter pedagógico diferente do que teve, por exemplo, o processo do mensalão?
Sim, a pedagogia agora é evidenciar não os corruptos, mas os corruptores. E aí chegamos ao terceiro ponto que acredito que a Lava-Jato e que essa condenação de empresários levantam: essa operação traz um debate que calha muito com o momento em que o país discute o financiamento de campanhas eleitorais. Todas essas movimentações da Lava-Jato estão desmascarando a aparência de dinheiro empresarial que os recursos de doações de campanha têm. O que tem se apurado pela operação é que não é dinheiro empresarial, é dinheiro público desviado, que até distorce os resultados das eleições. É o caráter não republicano das doações. Existe uma concentração de doações em grandes empresas que mantêm contratos com o governo, o que retira o aspecto empresarial da coisa; se a doação fosse uma forma de participação política da empresa, ela doaria para candidatos de apenas uma linha política, e não para todos, como acontece. Além disso, não é dinheiro empresarial também no sentido de que é a lavagem de dinheiro por meio de doação. É algo que sempre aconteceu, junto com o caixa dois; só está aparecendo agora por causa da vinda da legislação recente que permitiu as delações. Por que pagar propina diretamente, se é possível fazer doação, que tem o mesmo efeito e não é punível, ao contrário, é autorizado pela lei? Até por isso vai ser difícil a condenação de políticos: não só porque eles têm foro privilegiado, mas porque vai ser preciso provar que o candidato sabia que aquela doação era a legalização de uma propina. A Lava-Jato está mostrando o risco que é manter esse modelo de doação eleitoral no país.
A reforma política em votação no Congresso está sendo influenciada de alguma forma pela Lava-Jato?
Não é influenciada, porque esse é o modelo que banca a maioria das campanhas dos parlamentares, que não possuem voto de opinião, precisam desse dinheiro de doações empresariais para literalmente comprar seus mandatos. Sem falar que os próprios condutores da reforma política também estão sendo investigados pela operação.