O evento foi a parábola perfeita da nomenklatura brasileira, que é pompa sem substância, pose sem poder e embriaguez de vaidade
Há eventos particulares que se tornam relevantes justamente por sua insignificância. E, entre esses, há os que se prestam à generalização graças ao que têm de ridículo. O coquetel promovido pela mulher do descondenado-em-chefe em Belém (PA) é um desses eventos. Um banquete preparado para chefes de Estado que, por algum milagre de lucidez, decidiram não aparecer é a metáfora perfeita do Brasil lulopetista — uma mesa farta para ninguém, uma festa sem convidados, um ritual de autoadoração encenado diante do espelho.
A cena é tragicômica e, por isso mesmo, altamente pedagógica. O casal presidencial imagina que governa o mundo a partir de sua alcova sentimental. Dona Janja e seu marido não entendem que a diplomacia, diferentemente da propaganda, exige respeito, autoridade e seriedade. Daí que, enquanto a deslumbrada senhora distribuía selfies e canapés amazônicos, o planeta real tratava o Brasil com a indiferença reservada aos bufões. Nenhum chefe de Estado importante se dignou a aparecer. Só o chileno Gabriel Boric, o eterno adolescente socialista, se prestou a colaborar com o fiasco.
Eis um espetáculo emblemático do estado atual da “democracia” lulopetista: grandes gestos, poucos resultados e plateia reduzida. Nada poderia ser mais representativo do estetismo brasileiro, que Mário Vieira de Mello caracterizou como “um exibicionismo sem pudor […], um cabotinismo indiferente às exigências mais rudimentares da modéstia”.
O convite saúda “chefes de delegação”, mas os chefes não vêm. Por quê? A explicação oficial — “exaustão após a agenda da cúpula” — soa como consolo para quem já sabe que o desfile retórico esconde o vácuo político. Na verdade, a cena revela quatro dados elementares: primeiro, a diplomacia-espetáculo como substituta da diplomacia efetiva; segundo, a incapacidade do Brasil de atrair parcerias de peso; terceiro, o uso da Amazônia e do regionalismo como adorno para a narrativa oficial; quarto, e mais grave, a transformação da política externa em monólogo interno, despido de interlocutores reais.
O coquetel de Janja é a parábola perfeita da nomenklatura brasileira: muita pompa sem substância, muita pose sem poder e uma embriaguez de vaidade que não serve nem para enganar o garçom. No fim, restam o salão vazio, o champanhe morno e a certeza de que o Brasil se transformou num baile arruinado.
Como cantou o petista Chico Buarque, ela desatinou — “viu morrer alegrias, rasgar fantasias e os dias sem sol raiando”. Mas ela ainda está lambando. Ela ainda está lambando…
Flávio Gordon - Revista Oeste