sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Augusto Nunes e a 'Toga fora da lei'

 O batedor de carteira hoje parece mais antigo que jornal de papel


Ministro do STF Dias Toffoli (à frente) e Renato Duque (ao fundo) | Foto: Júlia Xavier/Montagem revista Oeste/STF

P arece mentira, mas não faz tanto tempo assim que o tipo criminoso mais temido nas grandes cidades brasileiras era o batedor de carteiras — ou punguista, como preferia o noticiário jornalístico. Confesso que sempre admirei a destreza manual e os métodos nada violentos dos mãos leves. Misturados a concentrações humanas, agiam nas ruas, nos ônibus ou em bondes. Enquanto o alvo se distraía com a contemplação da paisagem, introduziam dois ou três dedos no bolso da calça ou do paletó, pinçavam suavemente a carteira e se afastavam da cena do crime nem tão depressa que parecesse culpa nem tão devagar que a vítima resolvesse apalpar o bolso com o delinquente ainda por perto. Também parecem tão antigos quanto jornais de papel os assaltantes de casas de gente rica. Esses também dispensavam armas. 

O mais famoso, Gino Amleto Meneghetti, confiscou em São Paulo um impressionante acervo de bens alheios entre 1940 e 1950. Ele entrava em ação na madrugada, e com tão absoluto silêncio que nunca interrompeu o sono da família cujo patrimônio acordaria desfalcado. Hoje, punguistas e assaltantes desarmados são velharias sem chance de retorno ao ranking que já lideraram. São espécies extintas, excluídas em definitivo da lista das delinquências mais frequentes.



Meneghetti e seus disfarces, ao ser preso pela polícia de São Paulo em junho de 1926 | Foto: Wikimedia Commons 

No Brasil desta terceira década do século 21, a imensidão de delinquentes que disseminou a pandemia de insegurança pública agrupa organizações narcoterroristas internacionais, batalhões de traficantes de drogas e armas, tropas de extorsionários que dominam largas fatias do mapa do Brasil, patifes fantasiados de pais da pátria, gatunos compulsivos de terno e gravata, fora o resto. Estão infiltrados nos três Poderes, no empresariado VIP, nos partidos políticos. Pior: os encarregados de zelar pelo cumprimento das leis não hesitam em mandar às favas o país que pensa e presta. Os ministros do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, tratam a Constituição e os códigos legais a socos e pontapés. São eles que prendem ou soltam, poupam ou perseguem. Há seis anos fazem o que lhes dá na telha. E já nem procuram saber se alguém está olhando antes de fazer o que dá cadeia em qualquer país menos envilecido.


A operação consumada nos morros do Rio por policiais militares e civis foi aprovada pela ampla maioria dos moradores honrados, saudada pelo povo carioca e aplaudida por milhões de brasileiros honestos. Sempre ao lado da bandidagem, o presidente Lula chorou a morte dos criminosos, mudou o discurso no dia seguinte por sugestão de marqueteiros assustados e cedeu de vez ao coração: foi uma matança, decidiu. O ministro Alexandre de Moraes deixou dormindo os processos que se arrastam na maior vara criminal do planeta e baixou no Rio com uma mala de exigências fabricadas para impedir que o governador Cláudio Castro desfrutasse em paz da súbita popularidade. Ministros do governo ergueram com discurseiras outro monumento à bandidolatria. Foram silenciados por pesquisas que reiteraram aos berros o recado das anteriores: os brasileiros estão cansados da submissão aos assassinos sem cura que reinam nos morros.


Ministro Dias Toffoli em sessão no plenário do STF | Foto: Fellipe Sampaio /STF


Previsivelmente, o ministro Dias Toffoli aproveitou o escurinho do STF semideserto para mudar de ideia, subordinar-se ao decano Gilmar Mendes e livrar da cadeia o companheiro Renato Duque, ex-diretor da Petrobras. Preso desde 2024, mais um gatuno poderá usar o direito de ir e vir para buscar no exterior a fortuna tungada pelos quadrilheiros do Petrolão. As provas foram anuladas. Faz de conta que não aconteceu o que Duque contou espontaneamente ao juiz Sérgio Moro em 2017. 

Confira alguns trechos:  

Duque: Quando existia um contrato, o tesoureiro do partido procurava a empresa pedindo contribuição. A área do PT, eu que cuidava. Moro: O senhor não conversou com ninguém a respeito dessas contribuições?

Duque: Não, todos sabiam. Moro: Todos quem?

Duque: Todos do partido, desde o presidente do partido, tesoureiro, secretário, deputados, senadores, todos sabiam que isso ocorria. Os responsáveis por arrecadar esses recursos para o PT eram os tesoureiros. Inicialmente o Delúbio Soares, depois o Paulo Ferreira e posteriormente o Vaccari.


Renato Duque, diretor de Serviços da estatal, revela em seguida que Pedro Barusco, funcionário de carreira que lhe era tecnicamente subordinado, dava as cartas no esquema de distribuição de propinas. “Esse %, que o Barusco chamava de casa, ficava com metade, 0,5, e o resto ia para o partido.” 

“O Barusco dizia que eu era preguiçoso em relação ao trato com o dinheiro. Não é questão de preguiça. É que realmente quando atingiu, principalmente quando atingiu um determinado valor, aquilo para mim era marco suficiente. Quando atingiu 10 milhões de dólares, eu falei ‘Pô, isso é muito mais do que eu preciso para viver minha terceira geração'”. Duque também afirmou que foi Lula quem indicou João Vaccari para cuidar da arrecadação de propinas que fornecedores da Petrobras entregavam ao PT. “Recebi a informação do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo”, disse.


“Quando atingiu 10 milhões de dólares, eu falei ‘Pô, isso é muito mais do que eu preciso para viver minha terceira geração'”, disse Duque. 


Segundo Duque, os comparsas se referiam a Lula como “chefe”, “grande chefe” e “nine”. Também era identificado com movimento de mãos que alisavam a barba e o queixo. Ele teve três encontros com o comandante do Petrolão. “No último, em 2014, já com a Lava Jato em andamento, o Lula me chamou em São Paulo, no hangar da TAM do Aeroporto de Congonhas, e me perguntou se eu tinha uma conta na Suíça com recebimentos da SBM [empresa holandesa acusada de pagar propina a funcionários da Petrobras]. Eu falei: ‘Não tenho, nunca recebi dinheiro da SBM’. Aí ele vira pra mim e fala: ‘E das sondas, tem alguma coisa?’ E eu tinha, né? Mas eu falei: ‘Não, também não tem’. Ele falou: ‘Olha, presta atenção no que eu vou te dizer. Se tiver alguma coisa, não pode ter, entendeu? Não pode ter nada no teu nome, entendeu?’ Eu entendi, mas o que eu ia fazer? Não tinha mais o que fazer.” 

Toffoli acabou de fazer o que Lula queria que Duque fizesse. O presidente dizia que jamais conversara com o diretor de Serviços da Petrobras. Confrontado com uma foto em que ambos conversam amigavelmente, caprichou na cara de paisagem e saiu à francesa. É o Brasil.

Augusto Nunes - Revista Oeste