sexta-feira, 7 de novembro de 2025

'Bahia sob o comando do crime', por Uiliam Grizafis

 O Estado é o segundo mais violento do Brasil, atrás do Amapá. Ao menos cinco das dez cidades mais perigosas do país estão ali


Foto: Revista Oeste/IA 


É uma tarde de outubro. A sensação térmica se aproxima dos 40ºC em Salvador. O calor é propício para contemplar a beleza da capital. Alguns turistas e moradores caminham pela calçada do Farol da Barra em meio a barracas de água de coco, enquanto outros apenas apreciam a praia a partir do mirante. 

A 15 minutos dali, o Elevador Lacerda proporciona uma visão panorâmica da cidade. O ascensor, que liga a Cidade Alta à Cidade Baixa, foi construído no século 19 para facilitar o transporte urbano. Na mesma região, o Pelourinho abriga a primeira faculdade de medicina do Brasil. Fundada por D. João VI em 1808, a Escola de Cirurgia da Bahia é outro cartão postal. É preciso percorrer menos de um quilômetro para sair da região turística. 

As ruas em volta das praças General Inocêncio Galvão e Barão do Rio Branco mostram que o centro é semelhante ao de qualquer outra grande cidade brasileira. Há feiras de frutas, restaurantes com comidas típicas, lojas, bancos e gente por todo lado. 

Na Rua Carlos Gomes, uma loja de perucas continua com as portas fechadas. Na parte interna, três funcionárias organizam a mercadoria. Entre elas, uma mulher de 1,70 metro, morena, cabelos lisos e corpulenta. Seu nome é Rízia Barbosa. Mas quando vivia no mundo do crime, era chamada de “Bibi Perigosa”.

 “O que mais me impactou foi ver os ‘cria’ sendo executados”, diz. “Lembro quando mataram um homem e o arrastaram pela rua.” 

Com olhar apreensivo, ela entra na sala dos fundos da loja, senta-se em uma cadeira e bate com a mão na mesa. “Não sobrou ninguém que eu conhecia”, conta, enquanto recorda o tempo em que morou em Massaranduba, favela de Salvador que já foi controlada pela facção Bonde do Maluco e hoje é dominada pelo Comando Vermelho (CV). 

“É uma triste realidade. Sempre houve guerra entre irmãos e entre amigos.” 


“Bibi Perigosa” foi casada por oito anos com um dos traficantes do Bonde do Maluco. “Decidi sair dessa vida porque cansei de dormir ao pé da porta para ver quem ia invadir a casa. Era muito terror. Muitas chacinas.” 


A história de Rízia retrata o drama dos moradores das favelas da Bahia. O Estado no qual aportaram os portugueses há mais de 500 anos agora foi invadido pelos integrantes do CV, que buscam expandir o domínio de territórios no Brasil. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública registra quase 2 mil homicídios dolosos no Estado entre 2023 e 2024. Em números absolutos, só perde para o Rio de Janeiro, com quase cem mortes a mais.


ízia Barbosa, ex-mulher de traficante baiano | Foto: Arquivo pessoal

As vielas do Pelourinho Apesar disso, Salvador ainda é forte no turismo. Os oito primeiros meses de 2025 registraram aumento de mais de 60% no número de visitantes. Um dos principais atrativos da cidade é o Pelourinho. O local fica ainda mais bonito no fim da tarde, quando os raios de sol brilham entre as igrejas restauradas. 

O bom desempenho do turismo não revoga o pessimismo da maioria dos baianos. “Devem ter cuidado ao andar pelas ruas”, avisa o advogado Abdon Menezes quando conversa com os visitantes da cidade. “Não entrem nas vielas do Pelourinho, porque podem ser assaltados.” 

No Farol da Barra, uma vendedora de água de coco se recusa a falar da violência porque os criminosos caminham pela região. De acordo com moradores, o CV passou a atuar de forma expressiva na Bahia a partir de 2020, apesar de estar presente no Estado há pelo menos duas décadas. Grupos criminosos baianos como Katiara, Comando da Paz e Bonde do Ajeita se juntaram à facção carioca para não perder a guerra por território. 

O único que rejeitou a aliança foi o Bonde do Maluco, que fez parceria com o Primeiro Comando da Capital (PCC). 

O CV domina a maior parte das periferias do Estado. É o caso do Complexo Nordeste de Amaralina, em Salvador. Situado na Zona Leste, é a favela mais violenta da cidade, com frequentes tiroteios. Por causa do terror promovido pelos delinquentes, motoristas do transporte público se recusam a entrar no complexo quando a guerra se instala. Em tempos de confrontos, os moradores que antes chegavam em casa de ônibus precisam fazer longas caminhadas a pé pelas vielas labirínticas.


Moradores reféns do crime 

O perigo não está só nas ruas. Em março deste ano, Maria de Jesus da Silva, de 87 anos, moradora do Amaralina, foi atingida por cinco balas perdidas enquanto almoçava dentro de casa. Durante as ações policiais, muitos moradores devem deixar as portas abertas para os traficantes se esconderem. 

O trabalho de acolhimento espiritual às famílias é feito pelo pastor Divani Rocha, da Igreja Batista Missionária Ágape. O religioso percorre debaixo do sol as ruas estreitas do Amaralina para visitar mães que perderam os filhos para o crime. Os traficantes o respeitam em razão da obra social que a igreja realiza na comunidade. “Nossa função não é só apoiar os pais, mas tentar resgatar os jovens da marginalidade”, diz. Rocha frequentemente é chamado para livrar alguém do tribunal do crime. 

Certa vez, libertou um adolescente que seria morto por causa de uma dívida de R$ 10. “Estava amarrado dentro de uma casa”, lembra. “Paguei a dívida e o mandei para uma clínica de recuperação. Muitos deles frequentam a igreja atualmente. Alguns são músicos.”


Modus operandi dos criminosos 

O Comando Vermelho exporta para outros Estados do Brasil o modus operandi aplicado no Rio de Janeiro como, por exemplo, a extorsão. Os comerciantes do Amaralina que não pagarem propina correm o risco de ter o estabelecimento queimado. 

Assim como os terroristas do Hamas usam civis como escudos humanos, os bandidos do CV colocam crianças nas ruas quando percebem a presença de viaturas a fim de impedir a ação da polícia. 

O processo de preparação para integrar o CV exige que delinquentes da Bahia viajem ao Rio de Janeiro para serem treinados. 

Uma vez preparados, voltam ao Estado de origem para ajudar nas invasões de territórios. Outra estratégia é recrutar jovens que cumpriram o serviço militar. Aprenderam a montar, limpar e manusear armas de grosso calibre. 

Segundo um policial da Bahia, que não quis se identificar, a “ADPF das Favelas” permitiu que bandidos de diversas partes do Brasil se escondessem no Rio, porque restringiu a ação policial no Estado. 

Das 113 prisões ocorridas durante a megaoperação nos complexos da Penha e do Alemão, ao menos 33 eram de outros Estados, especialmente da Bahia, do Ceará e do Pará. 


A violência e a política 

O problema da segurança pública está ligado a outras esferas. Rízia fala que as “facções da Bahia abraçam alguns políticos locais ao permitirem entrar nas favelas” e critica o fato de a esquerda usar a política de assistencialismo para conquistar a população mais vulnerável. “O Bolsa Família mantém as pessoas na pobreza”, disse. “A criança cresce sem educação adequada, o que facilita a entrada para o crime.” Muitos moradores do Amaralina reforçam essa ideia. Segundo eles, a violência tem aumentado gradativamente há 15 anos. 

O ciclo petista na Bahia começou com Jaques Wagner, em 2007, que passou o governo do estado para Rui Costa, em 2015. Durante uma entrevista concedida ao portal Metrópoles, em dezembro de 2022, Costa disse que o “tráfico emprega muita gente”. Indagado sobre o aumento da criminalidade no Estado, o petista jogou a responsabilidade no colo de Jair Bolsonaro, então presidente da República. Por fim, em 2023, Jerônimo Rodrigues, também do PT, assumiu o governo baiano. 


Em uma declaração polêmica, Rui Costa afirmou que “a droga emprega muita gente, muitos jovens”. A fala levanta debates sobre segurança pública, políticas sociais e o impacto real do tráfico na vida da juventude baiana. 👉 Veja o vídeo completo e tire suas próprias conclusões. Ver todos os 6.005

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a Bahia é o segundo Estado mais violento do Brasil, atrás do Amapá. Ao menos cinco das dez cidades mais perigosas do país estão ali: Jequié Juazeiro Camaçari Simões Filho Feira de Santana


 comentários


Criminalidade em Jequié 

Com quase 170 mil habitantes, Jequié é rodeada por montanhas áridas. Trata-se de uma cidade típica do interior. As donas de casa costumam passar um período da tarde na janela olhando o movimento dos carros. A praça localizada ao lado da rodoviária fica sempre vazia. Os lugares mais movimentados costumam ser os bares. Em um deles, quatro homens tomam cerveja sentados à mesa ao lado de um rádio antigo. 


Quem chega ao município de aparência tranquila não imagina que ele é, proporcionalmente, o mais violento do Estado — e o segundo mais perigoso do Brasil. No alto do pódio está a cearense Maranguape, conhecida por ser a terra natal do humorista Chico Anysio.




O problema da violência parece fazer parte da rotina dos moradores, acostumados com a presença das facções. “Jequié, no fundo, é tranquila”, acredita um homem de aproximadamente 60 anos.


Sentado à mesa do bar, o jequieense, de óculos escuros e bengala, argumenta que os confrontos ocorrem majoritariamente na periferia.

Professora da rede pública no bairro Joaquim Romão, Thaisa Farias perdeu alunos para o crime, enquanto muitas meninas acabaram na prostituição. “Um deles, de 16 anos, trabalhava numa oficina mecânica, vivia com os dedos sujos de graxa”, diz. “O irmão desse rapaz estava devendo e os traficantes iam matá-lo. Meu aluno entrou para defendê-lo. Mataram os dois. O crime se instala onde não há organização, onde o Estado falha.” 

Apesar de a taxa de mortalidade em Jequié ser de 77,6 por 100 mil habitantes (quase três vezes e meia maior do que a média brasileira, de menos de 23 por 100 mil habitantes), a violência realmente atinge com muito mais brutalidade os bairros periféricos. O controle das favelas da cidade, como Mandacaru, Joaquim Romão e Barro Preto, é disputado entre o Comando Vermelho e o PCC. 

O problema da criminalidade no Nordeste não atinge somente o Estado da Bahia. O Comando Vermelho está presente em 24 dos 26 Estados do Brasil. Só não conseguiu invadir São Paulo (controlado pelo PCC) e Rio Grande do Sul (onde atuam as facções Manos e Bala na Cara). 

Na cidade cearense de Morada Nova, por exemplo, a população vive sob terror. As duas mil famílias que moravam no distrito de Uiraponga tiveram de deixar as casas em razão da guerra entre os criminosos. Hoje, o lugar é chamado de cidade-fantasma.

O ex-deputado federal pelo Ceará Wagner Sousa Gomes, conhecido como Capitão Wagner, afirmou que o Comando Vermelho é quem governa Fortaleza ao impor regras de convivência. 

“Os delinquentes cobram propina até das prostitutas”, conta. 

“As empresas de internet e os pequenos comerciantes também sofrem com as extorsões.” Policiais cansados Os policiais da Bahia ouvidos pela reportagem, que não quiseram se identificar, criticam o uso de câmeras corporais pelos agentes, as audiências de custódia, os processos disciplinares e a falta de equipamentos. 

Tudo isso acaba prejudicando o trabalho da polícia e beneficiando os criminosos.

O soldado da PM da Bahia Luan Ribeiro de Almeida Matos ficou preso durante dez dias. A infração foi ter publicado um vídeo nas redes sociais no qual listava os cinco bairros mais perigosos da cidade de Candeia, na região metropolitana de Salvador.


Soldado Matos é preso após citar os cinco bairros mais violentos de Candeias nas redes sociais. O soldado Luan Ribeiro de Almeida Matos, integrante da 31ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM/Valéria), recebeu uma ordem de detenção disciplinar emitida pela corporação, na última quinta-feira (2). A medida foi divulgada pelo próprio policial em um vídeo publicado nas redes sociais nesta terça-feira (7). No video, o militar informa que irá se apresentar para cumprir uma pena de dez dias de detenção imposta pela Justiça Militar. O processo teve início após a Ver mais no Instagram Olá,Jose 07/11/2025, 11:19 Bahia sob o comando do crime - Revista Oeste https://revistaoeste.com/revista/edicao-295/bahia-sob-o-comando-do-crime/ divulgação de um video, na rede social Tik Tok, no dia 28 de fevereiro de 2023, em que Luan comenta sobre os cinco bairros mais violentos de Candeias, município da Região Metropolitana de Salvador, que seriam Santa Clara, Sarandi, Dom Avelar, Santo Antônio e Passagem dos Teixeiras. Segundo ele, as informações utilizadas no conteúdo teriam sido extraídas de uma matéria jornalística. "É isso mesmo, amanhã estou indo cumprir m Ver todos os 200 comentários


A política de desencarceramento que a esquerda vem implantando ao longo dos anos é duramente criticada pelos policiais. “A audiência de custódia é a pior coisa”, afirma um agente. “Além de a Justiça soltar o criminoso na mesma hora ou no dia seguinte, o magistrado ainda pergunta se o policial o maltratou.” 

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, oito policiais militares e civis se suicidaram na Bahia entre 2023 e 2024. No Brasil foram 263. O governo do presidente Lula aposta em uma política de desencarceramento em massa a partir do plano homologado pelo Supremo Tribunal Federal chamado de “Pena Justa”. 

A medida, apoiada por Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e Segurança Pública, é defendida enquanto forças de segurança de vários Estados lutam para acabar com o crime organizado. 

O objetivo, segundo Lewandowski, é diminuir a população carcerária. “Temos hoje no Brasil cerca de 800 mil presos vivendo em condições desumanas”, disse durante uma palestra em 2022. No mesmo evento, o ex-ministro do STF exaltou a criação das audiências de custódia. “Temos notícias importantes de que 50% das pessoas presas em flagrante, ouvidas pelo juiz, são libertadas provisoriamente.”


O fato de apenas soltar o criminoso seria o maior problema, não fosse o fato de os bandidos abrirem processos contra os policiais. Um PM de Feira de Santana afirmou que os bandidos frequentemente pedem para a Justiça apurar as supostas agressões feitas pelos agentes. 

Enquanto a esquerda se empenha em proteger criminosos, o terror avança nas periferias brasileiras. As facções expandem seus tentáculos, ocupando o espaço deixado pelo Estado. E quem paga a conta é a população, cada vez mais refém desses governos paralelos.







Uiliam Gizafis - Revista Oeste