sexta-feira, 7 de novembro de 2025

'Em defesa do crime', por Sílvio Navarro

 Uma semana depois da operação contra o tráfico no Rio, a população aprova o esforço da polícia e coloca a segurança pública no centro do debate eleitoral — com a esquerda do lado do bandido


Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro | Foto: Reprodução/Redes Sociais


Na semana passada, o artigo de Oeste intitulado “Narcoestado” terminava com uma pergunta inevitável sobre o avanço do crime organizado no país: “de que lado Lula está nesta guerra?” O presidente respondeu depois de sete dias de silêncio. Para Lula, o Rio de Janeiro foi palco de uma “matança”, a megaoperação policial foi “desastrosa” e o governo do PT vai investigar os homens fardados que subiram o morro para combater o Comando Vermelho.

Não foi só: com a ajuda do presidente da Câmara, Hugo Motta, o governo conseguiu frear o avanço de um projeto de lei para classificar de terroristas facções como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC). A justificativa oficial é de que isso abriria portas para a atuação dos Estados Unidos contra o narcotráfico brasileiro, a exemplo da pressão de Donald Trump na Venezuela e na Colômbia. Mas a ajuda da maior potência do planeta diante da principal mazela brasileira não seria positiva? As facções criminosas crescem exponencialmente há três décadas e estão espalhadas em todos os Estados — na operação do Rio, por exemplo, foram mortos líderes de outras regiões. 

“O Brasil fica sujeito a sanções de organismos internacionais”, afirmou Mário Sarrubbo, secretário nacional de Segurança Pública. “Até mesmo a ONU pode impor sanções econômicas se o Brasil não souber lidar com organizações terroristas.” Mas o Brasil sabe lidar com o PCC e o CV? Sarrubbo foi procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo e tem longa carreira como promotor. Ele sabe a resposta porque viu o PCC se multiplicar. 

Tampouco seria a primeira vez que os Estados Unidos impediriam o avanço do narcotráfico na América Latina — e é natural que Donald Trump queira proteger suas fronteiras da entrada de drogas. Na década de 1990, Washington desmontou cartéis colombianos em série — o principal deles, de Medellín, do lendário Pablo Escobar. Em seguida, o governo enviou US$ 1 bilhão para a compra de helicópteros militares e treinamento de brigadas antinarcóticos do Exército e da polícia colombiana. Já houve operações similares no México. Então, por que a resistência de Lula em desmantelar as siglas do crime no Brasil? O ministro da Propaganda, Sidônio Palmeira, já preparou a resposta: de novo, é questão de soberania nacional. 

O argumento da soberania nacional cai como uma luva para a velha mídia, as bancadas no Congresso e os especialistas da vez que aparecem na TV. Mas será que é isso mesmo que Lula pensa? Ou é mais uma maquiagem formatada para blindar o petista? Ninguém escondeu que a fala da “matança” destruiu a mensagem oficial publicada por Sidônio horas antes. O longo texto (leia abaixo) dizia: “O Governo do Brasil está atuando para quebrar a espinha dorsal do tráfico de drogas e do crime organizado.”


O Governo do Brasil está atuando para quebrar a espinha dorsal do tráfico de drogas e do crime organizado. Com mais inteligência, integração entre as forças de segurança e foco nos cabeças do crime — quem financia e comanda as facções. Desde 2023, as ações do Governo já Mostrar mais Aqui entra um fator inequívoco: a segurança pública é uma área que opõe de forma cristalina as ideologias da direita e da esquerda. Apesar de todo o esforço da banda lulista, os polos são antagônicos. A esquerda não consegue condenar os bandidos — tratados como vítimas da sociedade, civis sem oportunidade, jovens pretos e pobres que estavam no lugar e na hora errada durante um tiroteio. 

É assim que funciona a cada fala de Lula. A frase da “matança” vem na sequência de outra igualmente grave: “o traficante é vítima do usuário”, disse ele. E tudo isso junta-se à imagem inesquecível do boné do “CPX” (sigla para “complexo de favelas”) nas eleições de 2022; das políticas de desencarceramento em massa; da tentativa de barrar o fim das saidinhas da cadeia; do então ministro Flávio Dino visitando uma favela sem escolta adequada; da entrada da “dama do tráfico”, mulher de um líder do CV, pela porta da frente do Ministério da Justiça; das ONGs em defesa de detentos ligadas a gabinetes de políticos do PT e do Psol; da maioria dos votos obtidos por Lula nos presídios etc. A lista é extensa.  


Presidente Lula com um boné escrito “CPX” | Foto: Reprodução/X

Outra informação deixou a força-tarefa governista em parafuso. Depois de semanas de ginástica retórica da imprensa amiga para tentar emplacar o sucesso da “química” com Donald Trump, o petista decidiu se encontrar com o ditador Nicolás Maduro. “É um apoio, é solidariedade regional à Venezuela”, disse o chanceler Mauro Vieira. “Nossa política externa entende que a América Latina e, sobretudo, a América do Sul, é uma região de paz e cooperação.”


É assim que funciona a cada fala de Lula. A frase da “matança” vem na sequência de outra igualmente grave: “o traficante é vítima do usuário”, disse ele. 


Qual será o efeito do abraço de Lula em Maduro neste momento de tensão no continente? Recentemente, além de abater embarcações com drogas a bordo, Donald Trump movimentou o porta-aviões USS Gerald Ford, a mais letal máquina de guerra do mundo, no mar do Caribe. Disse que a ditadura venezuelana está com os dias contados. Não descartou uma ação de tropas terrestres.

É importante ressaltar que, quando o assunto são equipamentos militares, até hoje as autoridades americanas não engoliram a autorização dada por Lula, em fevereiro de 2023, para uma fragata e um porta-helicópteros iranianos atracarem no Rio de Janeiro — ambos classificados como embarcações terroristas pelos Estados Unidos. 

Alexandre de Moraes 

Lula não foi o único a rasgar a fantasia depois da operação no Rio. Como era esperado, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes não poderia ficar fora da cena. Dez em dez brasileiros poderiam perguntar: mas o que faz um ministro do STF no meio de uma operação da polícia estadual? Ele foi nomeado relator temporário da chamada ADPF das Favelas, que estava com Edson Fachin, agora presidente da Corte. Com isso, o futuro relator será o novo integrante do tribunal que vai herdar a cadeira do recémaposentado Luís Roberto Barroso.  


Como era esperado, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes não poderia ficar fora da cena | Foto: Gustavo Moreno/STF


Moraes pegou um avião e foi ao Estado cobrar informações do governador Cláudio Castro porque essa ADPF (enorme nomenclatura para uma ação) limita a atuação da polícia nos morros cariocas. Como relator, ele quer saber detalhes, acessar dados e chamar para si a decisão de dizer o que a polícia pode e o que não pode fazer diante de uma chuva de balas no morro. 

Em seguida, o ministro não resistiu em abrir mais um inquérito e cobrar da Polícia Federal respostas em 120 dias sobre o que acontece no complexo de favelas. Detalhe: outra vez, a abertura de inquérito não parte do Ministério Público. A GloboNews chegou a afirmar que se trata de um novo “inquérito permanente” — o que não existe — para que o STF monitore questões de segurança pública daqui para a frente. Ou seja, ao devolver a ADPF, ele terá mais um inquérito para chamar de seu. 

Tudo isso aconteceu numa semana em que representantes de ONGs de direitos humanos visitaram o Supremo. As entidades querem punição pela “letalidade policial” e exigem perícias dos corpos. Na prática, buscam ajuda de Moraes para emplacar a tese de que morreram civis no confronto na mata com o Batalhão de Operações Especiais (Bope). A polícia já identificou os traficantes, cujos uniformes militares e coturnos foram trocados às pressas, em praça pública, para registro dos fotógrafos.

Por pouco, a advogada Flávia Fróes, representante da ONG Anjos da Liberdade, não conseguiu participar da reunião com o ministro. Ela afirmou nas redes sociais que entregaria um dossiê com relatos de torturas de moradores das favelas em incursões policiais. Mas não foi justamente o contrário o que embasou os mandados judiciais de prisões? Provas de torturas e execuções bárbaras — filmadas — pelo Comando Vermelho contra moradores? 

Na última hora, Moraes foi alertado de uma reportagem do portal Metrópoles mostrando o currículo da advogada: ela defendia o traficante Marcinho VP, um dos líderes do Comando Vermelho. Horas antes, Flávia Fróes havia passeado pela Câmara em companhia do deputado Reimont, do PT. Acabou barrada da reunião no STF.

No Congresso Nacional, o governo conseguiu abrir a CPI do Crime Organizado no Senado, a Casa em que a oposição não tem maioria. O presidente será o petista Fabiano Contarato, que já deu declarações indicando que a comissão vai enveredar para o lado errado — uma caça às bruxas contra a polícia. 

A intenção de abrir a comissão é óbvia: abastecer a velha mídia de manchetes e tentar desgastar governadores como Cláudio Castro, Tarcísio de Freitas e Ronaldo Caiado. Como definiram os senadores de oposição nos bastidores, é uma CPI que vai dar em nada, mas “vai encher o saco”. O fato é que nem a CPI, nem os comentaristas de TV que equilibram microfones e pano de limpeza nas mãos, nem os truques de Sidônio, nada ajudou desta vez. Há uma semana, todas as pesquisas registram aprovação avassaladora da população à operação no Rio. Mais: a segurança será o tema da vez nas eleições do ano que vem. O brasileiro já deixou claro que está do lado da polícia. E Lula não esconde mais de que lado está.  

'Em defesa do crime', por Sílvio Navarro