domingo, 19 de outubro de 2025

Flávio Gordon - 'Quem é o 'povo' venezuelano defendido pelo descondenado?'

 A função do discurso sobre 'autodeterminação' é simples: impedir qualquer condenação moral aos regimes que seguem a cartilha do Foro de São Paulo


Lula e Hugo Chávez no Palcio de Miraflores, em Caracas, Venezuela (8/8/2010) | Foto: Shutterstock


Um dia depois do encontro entre Celso Amorim… digo, Mauro Vieira e Marco Rubio, o descondenado-em-chefe voltou a falar sobre a crise na Venezuela. E, como de costume, o fez com aquela mistura de sentimentalismo barato e cinismo calculado que o consagrou como o maior manipulador de emoções políticas da história recente do país. “O povo venezuelano é dono do seu destino” , declarou, com ar professoral, o sujeito que chancelou a farsa eleitoral no país caribenho. 

Proferida com solenidade de quem sabe que mente, a fala reedita um chavão comunista clássico. E obviamente, como todo chavão, este serve para esconder, e não para revelar, a realidade no país vizinho. Sob a aparência de um tributo à autodeterminação dos povos, o que se tem, na verdade, é a justificativa retórica de sempre: a defesa do direito dos ditadores de esquerda de oprimirem seus próprios povos sem serem criticados por isso. 

Que destino é esse do qual o povo venezuelano seria dono, se o povo, na Venezuela, não é dono nem mesmo de um prato de comida, de um rolo de papel higiênico, de sua casa, do direito de falar e de pensar livremente? Na Venezuela, enquanto a população esfomeada come lixo e caminhões de ajuda humanitária são incendiados, a casta dirigente bolivariana esbanja riqueza. Na Venezuela, este tem sido o único destino possível do povo, inteiramente determinado pelos ditadores que falam em seu nome


O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, foi recebido no Brasil, por Lula, com honras de chefe de Estado | Foto: Ricardo Stuckert/PR

María Gabriela, a filha mais velha de Hugo Chávez, embaixadora da ONU em Nova York, esconde uma fortuna de US$ 4 bilhões em bancos americanos e europeus, de acordo com a revista Forbes. A filha caçula Rosinés, estudante da Sorbonne, em Paris, publicou certa vez no Instagram uma foto segurando um leque de notas de dólar. Daniella Cabello, filha de Diosdaldo Cabello, é uma socialite que só veste roupas de luxo, cujo valor de cada peça individual deve corresponder a dez anos de salário de um venezuelano médio. Nicolasito, filho do atual ditador, foi filmado em 2015 no casamento de um empresário, ocorrido no Hotel Gran Meliá, na capital Caracas — ele dançava enquanto notas de dólares eram jogadas sobre sua cabeça. 

Yoswal Flores, enteado de Maduro, só viaja em jatos privados e, desde que o padrasto chegou ao poder, adquiriu uma estranha paixão por carros de luxo e motocicletas de alta cilindrada. Seu irmão Walter Flores, por sua vez, chegou a torrar US$ 45 mil numas poucas noites passadas no Hotel Ritz, um dos mais caros de Paris…

Esse é o “povo” da Venezuela defendido pelo camarada brasileiro. É esse que controla o outro “povo”, o da vida real, do qual o mandatário brasileiro não chega nem perto. Assim, por trás da frase feita — do tipo que arranca suspiros nos estúdios da GloboNews — está o velho projeto continental do Foro de São Paulo. Criado pelo descondenado e por Fidel Castro nos anos 1990, o Foro foi o laboratório ideológico que transformou a América Latina num imenso campo de testes para a revolução socialista disfarçada de democracia.

A função do discurso sobre “autodeterminação” é simples: impedir qualquer condenação moral aos regimes que seguem a cartilha do Foro, de Havana a Caracas, de Manágua a Brasília. O lulismo, afinal, é o Foro no poder. E governa seguindo a receita do Foro, com a  bonomia, o cinismo e a fingida indignação antiamericana dos tiranetes de chapéu-panamá e camisa vermelho-sangue.


Lula, em evento com alunos da Rede de Cursinhos Populares (CPOP), em São Bernardo do Campo-SP – 18/10/2025 - Foto: Ricardo Stuckert/PR 

“Ser rico é ruim, é desumano. Eu condeno todos os ricos” — disse certa vez Hugo Chávez, uma declaração que poderia perfeitamente ter sido repetida pelo marido da Janja. Mas sabemos que não são todos os ricos que eles condenam, mas apenas os ricos que ainda não se submeteram aos seus regimes. 

Flávio Gordon - Revista Oeste