domingo, 19 de outubro de 2025

'Hugo Carvajal e o narcossocialismo latino-americano', por Flávio Gordon

Desde os anos 1980, quando Fidel Castro abriu as rotas cubanas à cocaína colombiana, os comunistas da América Latina descobriram uma fonte de financiamento e um meio estratégico de subversão 


Hugo Armando 'El Pollo' Carvajal, ex-general da Venezuela | Foto: Wikimedia Commons/Reprodução 



Quando o general venezuelano Hugo Carvajal, antigo chefe da inteligência chavista, aceitou colaborar com a Justiça norteamericana, não foi apenas um delator que se levantou contra o crime. Foi a própria história que começou a confessar. Carvajal é o tipo de personagem que concentra, em sua biografia, a patologia moral de um movimento político: ex-guarda-costas de Hugo Chávez, operador dos serviços secretos bolivarianos e pivô do chamado “Cartel de los Soles”, ele representa a fusão entre a agenda revolucionária e o crime organizado, uma fusão que, longe de acidental, é a essência mesma do projeto comunista na América Latina. 

Desde os anos 1980, quando Fidel Castro abriu as rotas cubanas à cocaína colombiana, os comunistas latino-americanos descobriram no narcotráfico não apenas uma fonte de financiamento, mas um meio estratégico de subversão. Sob a tutela de Moscou e Havana, uma “epidemia rosa” — que misturava o branco da cocaína ao vermelho do comunismo — espalhou-se pelo continente, infiltrando partidos, sindicatos, milícias e universidades. Em nome da revolução redentora e da luta contra o “imperialismo estadunidense”, tudo se tornou permitido, inclusive transformar o vício em arma política e o narcotráfico em caixa eletrônico do movimento revolucionário. 

Ao confessar a promiscuidade entre o regime chavista e os cartéis de drogas, Hugo “El Pollo” Carvajal apenas confirma aquilo os propagandistas de esquerda sempre tentaram esconder: que o socialismo não é uma alternativa (moral, social e econômica) ao capitalismo, mas a sua caricatura amoral. É o capitalismo clandestino, o capitalismo do submundo do crime e do mercado negro. 

Em 1936, no livro A Crise da Democracia, o austromarxista Otto Bauer foi um dos primeiros a denunciar o surgimento de uma classe dominante e economicamente privilegiada na URSS, formada pela cúpula do partido comunista local. Também Milovan Djilas, em A Nova Classe, de 1957, descreveu a oligarquia economicamente privilegiada composta pelos membros do Politburo do Partido Comunista Iugoslavo.

No livro URSS: A Sociedade Corrupta — O Mundo Secreto do Capitalismo Soviético, de 1982, o advogado e dissidente soviético Konstantin Simis explicou o mecanismo, pintando um retrato definitivo da sociedade soviética de classes. Nessa sociedade, os altos quadros do governo, do partido e do funcionalismo público (em suma, a Nomenklatura) recorriam à corrupção e ao mercado negro para obter acesso a produtos importados, finos e exclusivos, enquanto o restante da população vivia na escassez das mercadorias locais. 


O falecido ditador Hugo Chávez esteve no poder entre 1999 e 2013 | Foto: Harold Escalona/Shutterstock


Tudo isso se repetiu na América Latina do “socialismo do século XXI”, na expressão de Hugo Chávez. Aí, a retórica dos pobres contra ricos, da justiça social e do anti-imperialismo serviu de biombo para o enriquecimento de dirigentes, líderes partidários, generais do regime. Tudo via narcotráfico. A exportação de cocaína ganhou selo ideológico. Nas favelas controladas por Fernandinho Beira-Mar, liderança do Comando Vermelho, por exemplo, o símbolo das FARC estampava os papelotes de cocaína. 

O que Carvajal revela, portanto, não é apenas o fracasso moral do projeto continental de poder concebido no Foro de São Paulo, mas o triunfo de uma lógica perversa: a da revolução como sistema de delinquência institucionalizada. O socialismo castro-lulo-chavista não degenerou em crime. Como provavelmente irá começar a demonstrar com provas um ex-integrante desse regime, ele já nasceu criminoso.

Erich Mafra - Revista Oeste