sexta-feira, 4 de abril de 2025

Hugo, é a hora e a vez da política dos políticos, por Adalberto Piotto

 

Odair Cunha, deputado federal; senador Davi Alcolumbre, presidente do Senado Federal; Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República; deputado Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados; e senador Rodrigo Pacheco, durante viagem oficial a Hanói, no Vietnã (28/3/2025) | Foto: Ricardo Stuckert/PR 

No momento em que este país mais anda precisando da força de suas instituições, mais impropriedades e relações estranhas têm tomado de assalto a vida brasileira. Da afronta à independência dos Poderes à tentativa de acuar a Câmara na votação do projeto de anistia; da busca pelo devido processo legal aos abusos do STF ao elementar e inalienável princípio da ampla defesa; ou da necessidade de diplomacia pragmática à incapacidade de liderar negociações comerciais no exterior, tudo está, literalmente, num estranho sub judice nas altas Cortes da capital federal. O protagonismo da burocracia judiciária nunca havia chegado a tanto. E isso é a prova inconteste da falácia de que as instituições estão funcionando normalmente. Não, não estão. 

Começo pelo Legislativo. Na semana anterior àquela em que o Congresso se prepararia para decidir sobre a necessária anistia aos presos das condenações e prisões abusivas do 8 de janeiro, o presidente da Casa não resistiu à sua primeira viagem internacional, a convite do presidente Lula, hoje parceiro do STF nos desvios institucionais da Corte. O que de tão importante poderia fazer Hugo Motta no avião presidencial a caminho do Japão, do outro lado do mundo? 

A resposta é simples: tudo o que deveria evitar, se tivesse o recato recomendado aos novatos na chefia de um Poder que representa o povo. Tal distanciamento garantiria a ele a imagem de independência e equilíbrio para quem é o terceiro na linha sucessória da Presidência da República. Igualmente porque também é o presidente da Câmara quem analisa a admissibilidade de pedidos de impeachment de ocupantes do Palácio do Planalto. E será o mesmo Hugo Motta que, ao menos até o final de dezembro de 2026, pautará ou não qualquer assunto para votação na Câmara. Estar no avião do presidente foi inapropriado, no mínimo, além de uma exposição desnecessária.


Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil 

.Com Lula vendo despencar sua popularidade no país inteiro com alta expressiva na rejeição — 56% reprovam seu governo, segundo pesquisa da Genial/Quaest divulgada nesta semana — e pendurado nas Cortes de Brasília para não cair por escândalos em programas sociais, pedaladas e uma gestão temerária com pressão inflacionária, baixo investimento e rombos nas contas públicas, era em Brasília, na Câmara do Deputados, que Hugo Motta deveria estar. Não se sabe se pelo deslumbre com o poder ou por inexperiência, o jovem deputado paraibano ignorou um dos mandamentos da política: uma vez no poder, recato e distanciamento institucional de quem se vai vigiar são imprescindíveis. E Motta não se saiu bem nos primeiros testes sob pressão. 

Não resistiu ao convite — agora se percebe insidioso — para jantar na casa do ministro Alexandre de Moraes e embarcou sem pudores no primeiro trem da alegria de Lula para uma viagem ao exterior, outra cilada. Como não existe almoço ou viagem grátis, logo no dia seguinte ao rega-bofe supremo, disse em um discurso que não mais havia perseguições, presos ou exilados políticos no Brasil, “não mais, nunca mais”, enfatizou bem, ao gosto do anfitrião da noite anterior.

De volta ao país depois de dividir com o marido de Janja a insônia do fuso horário oriental, não deu andamento ao projeto da anistia prometido e negociado com a oposição, o mesmo que Lula e o PT querem ver engavetado com a insensibilidade e a hipocrisia características da esquerda. Em política, não existem coincidências. O artigo 2º da Constituição Federal diz que os Poderes são independentes e harmônicos entre si. Dada a rápida rendição de Motta, a pretensa harmonia resultou numa Câmara de joelhos, quase a morte da independência institucional. 

Hugo Motta parece ter passado por uma conversão de Santo Agostinho às avessas, ou seja, piorou. Vale lembrar que, em seu discurso de posse, o jovem deputado deu sinais de que recuperaria a soberania constitucional, tão aviltada por um Supremo anabolizado pela conivência do Executivo e omissão de um Congresso amedrontado. Talvez emocionado pela ascensão meteórica ao comando da Câmara, chegou a copiar o gesto de Ulysses Guimarães ao erguer a Constituição de 1988 diante dos parlamentares. Foi um gesto alentador que, logo depois, revelou-se mera encenação. 

\O comportamento errante do presidente da Câmara dos Deputados é preocupante, porque já não há mais dúvidas da acelerada desinstitucionalização do país e do desmonte das prerrogativas garantidas pelo texto constitucional. Desde 2019, data da abertura de ofício do malfadado Inquérito nº 4.781, o das fake news, o país foi atropelado por um ativismo judicial que acabou com o mínimo de previsibilidade jurídica e política que as democracias garantem. \

E é exatamente essa excrescência institucional, que calou muita gente por censura e perseguição — enquanto outras vozes se calam por medo ou conveniência —, o que tem exposto o país a um ambiente deletério de insegurança jurídica, na pior versão do “mais Brasília e menos Brasil”.

Ao não assumir o cargo com a posição firme de Ulysses, como prometera, Motta afasta o único remédio para combater os desvios democráticos ou abusos arbitrários que condenam o país ao atraso. Porque só a política dos políticos eleitos pelo povo é que tem a força e a legitimidade para reinstitucionalizar e pacificar o país. A aparente redundância — “política de políticos eleitos pelo povo” — que faço questão de cometer não é em vão. Quando o Supremo decide legislar e passar por cima de quem legisla, o óbvio redundante precisa ser lembrado. 

E, neste exato momento, o país tem ao menos três demandas que precisam de resposta do Congresso e que podem recuperar seu papel ao aplicar a Constituição sem medo de ameaças veladas ou explícitas, venham elas de onde vierem: o projeto de anistia aos presos políticos do 8 de janeiro, a recuperação da separação dos Poderes e a devida fiscalização do governo Lula.

Mas nada disso irá adiante se não se recuperar o remédio constitucional aplicado pela boa política republicana, não a palaciana ou de convescotes dos pretensiosos novos donos do poder, fazendo aqui uma referência ao clássico livro de Raymundo Faoro. 


Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados; Geraldo Alckmin, vice-presidente da República; e Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República | Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados

Há também projetos que limitam a atuação do Supremo e pedidos de impeachment de ministros da Corte por abuso de poder. Tudo isso precisa ser discutido, votado. O Parlamento é alimentado pelo debate livre e pelo voto transparente diante do escrutínio da opinião pública. 

Aos presidentes do Congresso, em especial o da Câmara neste momento, que claudica na decisão sobre o PL da Anistia, não cabe segurar votação diante de um plenário querendo votar. O Brasil precisa da volta da normalidade institucional. Precisamos do retorno da vigência absoluta e soberana da Constituição e de suas garantias civis, com aplicação da lei apenas nos limites decididos pelo constituinte. 

No que se permitem reformas, mudanças de legislação e a concessão da anistia humanitária e política, é assunto exclusivo do Legislativo, jamais de interpretações de ministros do Supremo Tribunal Federal movidos pela sanha de interpretar ao seu modo e gosto. A democracia republicana não aceita, não permite, repudia invasões de competência entre os Poderes. Como o Brasil sempre surpreende — e neste caso para melhor —, o país ressurge com a oposição protagonizando a volta do poder do Congresso. 

Na Câmara, deputados liderados pelo PL, que tem a maior bancada da Casa, o líder do partido, Sóstenes Cavalcante, ameaçou obstruir e obstruiu os trabalhos para fazer com que Hugo Motta paute o PL da Anistia. Acordos são feitos para serem cumpridos. E tamanho o republicanismo desse movimento que a mesma oposição aceitou abrir uma janela na obstrução para a votação do projeto de reciprocidade comercial e tarifária com outros países. 

Difícil imaginar, na atualidade, uma concessão desse tamanho vinda de outras frentes partidárias ou de outro dos demais Poderes. Fato é que o presidente da Câmara, Hugo Motta, já está na história. Precisa, no entanto, escolher a forma como será lembrado. Porque a atual oposição de direita, ao confrontá-lo, escolheu recuperar o devido poder do Legislativo e devolver o Brasil aos brasileiros e à legalidade. 

Como parlamentares, não abriram mão de ser o que a Constituição lhes impõe e garante que sejam: representantes do povo e do verdadeiro interesse público.

Adalberto Piotto, Revista Oeste