Em levantamento da Transparência Internacional, país caiu para a 107ª posição, a pior colocação da história
Brasil ficou na 107ª posição em lista mundial de corrupção | Foto: Rodolfo Stuckert/Acervo Câmara dos Deputados
Na vida pública, como na particular, é frequentemente possível optar por um ou outro caminho. Entretanto, não se podem escolher as consequências da opção tomada. Tal reflexão, segundo editorial da Folha de S.Paulo desta quinta-feira, 13, é válida para ilustrar o lamentável afrouxamento, nos últimos anos, das regras e práticas destinadas a coibir a corrupção no Brasil.
“A progressiva tolerância com a rapinagem do colarinho branco configurou, nesse período recente, o verdadeiro e talvez único projeto de união nacional a agregar o chamado centrão e os dois polos do espectro partidário”, afirma a Folha. “Do congraçamento participam também as cúpulas do Executivo, Legislativo e Judiciário.”
Escolha feita, consequência deflagrada. Em 2024, o Brasil teve o pior desempenho em 12 anos no mais reputado levantamento global sobre a percepção da corrupção. O país caiu três posições em relação a 2023 e foi o 107º colocado numa lista de 180 nações arroladas no indicador da Transparência Internacional.
O Brasil divide a desonrosa posição com Turquia, Argélia, Tailândia, Níger, Malaui e Nepal. No score sintético, produzido com dados de organizações globais e entrevistas com agentes privados, a república brasileira caiu também em termos absolutos e é tida como mais corrupta que Índia, Indonésia e Marrocos.
“Mas o ministro da Controladoria-Geral da União, Vinicius Carvalho, mostra-se bem menos preocupado com o retrocesso no combate ao flagelo da corrupção do que com a má imagem do país revelada pelo documento da Transparência Internacional”, afirma o jornal. “Levar a sério esse indicador pode, segundo ele, alimentar ‘narrativas que minam a confiança nas instituições democráticas’.”
“Tornou-se lugar-comum do discurso governista tratar a veiculação de dados ou argumentos desabonadores como ameaças de bomba atômica autoritária”, acrescenta. “Enquanto isso, dissimula-se o acordão formado nas altas esferas da República para destruir os esforços anticorrupção do passado e fazer vista grossa a potenciais desmandos do presente.
” Uma reviravolta do Supremo Tribunal Federal (STF) enterrou, para efeitos práticos, um dos maiores escândalos de desmandos com dinheiro público que já se documentaram no país sob a Lava Jato. O Palácio do Planalto passa a mão na cabeça de um ministro sob suspeita de desviar recursos da estatal Codevasf.
"A sem-cerimônia com que deputados federais e senadores torram bilhões em emendas de escasso controle escancara o baixíssimo risco de operações fraudulentas serem objeto de detecção, denúncias e condenações judiciais definitivas”, opina a Folha. “A farra se dissemina em Assembleias estaduais e Câmaras municipais.”
“Desmerecer o diagnóstico da Transparência Internacional não mudará a realidade de que a corrupção vem se tornando mais tolerável no Estado brasileiro”, continua o jornal. “Se há algo que desestabiliza a democracia nesse tema é o descaso com o dinheiro dos contribuintes.
” Brasil volta a ser “lugar bom” para corrupção O jornal O Globo concorda e afirma que, nos dois últimos anos, o ministro do STF Dias Toffoli suspendeu multas bilionárias do grupo J&F e da Odebrecht e negou-se a levar os casos para a apreciação do plenário da Corte. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, recorreu de quase todas as decisões, mas até o momento a Corte pouco — se algo — fez para analisar os recursos.
Faz tempo o Legislativo tem sido uma usina de escândalos relacionados a emendas parlamentares. O ano passado não foi diferente. Entre 2022 e 2024, o orçamento empenhado em emendas cresceu 63%, chegando a R$ 46 bilhões. Nenhum Parlamento no mundo destina gastos na mesma proporção.
“A anomalia prima pela opacidade”, afirma O Globo. “Deputados e senadores fazem o que podem para esconder quem toma as decisões e o destino dos recursos.”
“Depois de as emendas do relator que alimentavam o ‘orçamento secreto’ serem julgadas inconstitucionais em 2022, os parlamentares passaram a usar as emendas de comissão para dirigir os recursos, um subterfúgio para impossibilitar a identificação do ‘parlamentar patrocinador'”, acrescenta o jornal. “Episódios escabrosos de desvios e corrupção aparecem sempre que há esforço maior de investigação.”
“Cada movimento do Congresso para tentar justificar o gigantismo e a opacidade das emendas aumenta a convicção de que algo de errado ocorre no Brasil”, avalia o texto. Pelas declarações dos recém-empossados presidentes da Câmara e do Senado, prosseguirá o embate do Parlamento com a Constituição.
Para O Globo, as tentativas de enfraquecer a Lei da Ficha Limpa e de anistiar os manifestantes do 8 de janeiro “em nada contribuem para atenuar a percepção de leniência com a corrupção”. “A queda do Brasil na lista da Transparência poderá ser ainda mais vergonhosa”, conclui.
Amanda Sampaio - Revista Oeste