Foto: EFE/Joédson Alves
O Supremo Tribunal Federal é hoje uma usina dedicada à produção de escândalos em série. É estranho. Em regimes de exceção, como o que o Brasil vive agora, o responsável-raiz pelo trabalho de demolir a ideia de justiça é, em geral, o ditador que está em serviço – o poder executivo. Aqui estamos introduzindo uma novidade na ciência política mundial. Quem tira proveito da violação sistemática das leis em vigor e dos direitos dos cidadãos é de fato o grupo de pessoas que ocupa o governo, mas seu braço armado é o STF. É assim na política.
Os ministros cassam mandatos de parlamentares de oposição. Condenam a até 17 anos de cadeia acusados de terem participado de um quebra-quebra em Brasília. Anulam as leis que o governo não gosta. Mantém aberto um inquérito policial alucinante que investiga todo e qualquer crime, inclusive crimes que não existem em lei nenhuma, para perseguir inimigos políticos. É assim também na proteção aos corruptos e à corrupção – a asa negra universal das forças que mandam hoje no país.
Ninguém tem se destacado tanto nesta missão quanto o ministro Dias Toffoli – cuja realização máxima, em sua carreira jurídica, foi ter sido reprovado duas vezes no concurso público para juiz de direito. Há outros ministros tomando decisões em favor da roubalheira nacional, claro, mas ninguém parece ter atingido os níveis de produtividade de mais este nomeado de Lula. O homem é um fenômeno. Acaba de soltar um despacho livrando a empresa J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, de pagar 10 bilhões de reais de multa - derivada do “acordo de leniência” que fez com a Justiça para evitar punição, ainda maior, por prática de corrupção.
Com o acordo, e em troca desses 10 bi, a Justiça concordou em encerrar cinco investigações criminais contra a empresa. Pior: a advogada que defende a J&F na causa é a mulher do próprio ministro Toffoli, Renata Rangel, e seu parceiro na defesa é o ex-ministro Ricardo Lewandowski, que acaba de se aposentar do STF. Para completar, o mesmo Toffoli tinha votado para eliminar a regra que proibia os ministros de julgarem casos defendidos por escritórios de advocacia de parentes. O resultado é que os processos de corrupção são cancelados e a J&F não paga nada.
Quem tira proveito da violação sistemática das leis em vigor e dos direitos dos cidadãos é de fato o grupo de pessoas que ocupa o governo, mas seu braço armado é o STF
É difícil encontrar tanta coisa obviamente torta num processo só, e com um juiz só, mas Toffoli é um homem de “superação”, como se diz nos cursos de autoajuda. Há pouco, em outra decisão do mesmo tipo, decidiu anular e declarar “imprestáveis” todas as provas de corrupção contra a construtora Odebrecht reunidas na Operação Lava Jato – confissões escritas dos corruptos, delações homologadas e devolução material de bilhões em dinheiro roubado. Na época, alegou que o Ministério da Justiça, a quem cabia a guarda da documentação proveniente do exterior sobre o caso, não estava encontrando os documentos necessários.
Logo depois, com o barulho levantado, o ministro Flávio Dino disse que o papelório “apareceu” – mas aí Toffoli já tinha jogado tudo no lixo e livrado a Odebrecht. Resumo da opera: confissão do réu, quando se trata de ladroagem, não é prova, mas quando se trata do “Oito de Janeiro” não é preciso prova nenhuma para condenar os envolvidos. Basta, para o STF, a sua presença na “multidão”.
J.R. Guzzo, Gazeta do Povo