Cena colorida digitalmente do clássico de Frank Capra “A Felicidade Não se Compra”| Foto: Divulgação Prime Video
A Felicidade Não se Compra estreou em Los Angeles no dia 24 de dezembro de 1946. Véspera de Natal! Naquele momento, o diretor ítalo-americano Frank Capra jamais imaginaria que sua obra se tornaria o maior ícone do cinema num gênero tão específico que, entre outras variações, é chamado de “filme de Natal” ou ainda “filme natalino”. A bem da verdade, A Felicidade Não se Compra foi um fiasco em sua estreia, ofuscado principalmente pela concorrência de Os Melhores Anos de Nossas Vidas, um drama de guerra assinado por William Wyler e que havia estreado na semana anterior.
Até pelo tema, o filme de Wyler é de fato mais impactante, alcançou um público bem maior e o resultado disso se viu na edição do Oscar em 1947, quando Os Melhores Anos de Nossas Vidas foi eleito o melhor filme do ano, atropelando justamente a obra de Capra.
Mas existem fatos e também o destino. O fato é que (felizmente!) qualquer guerra tem um fim, o tempo passa e o interesse pelo tema vai perecendo. Já o Natal... Bem, o Natal acontece ano sim e outro, também. É evidente que Os Melhores Anos de Nossas Vidas continua sendo um clássico indiscutível e obrigatório, mas praticamente caiu no esquecimento.
E, por conta do destino, A Felicidade Não se Compra é, mesmo após quase oitenta anos de seu lançamento, a maior representação cinematográfica quando falamos de Natal. O filme está disponível no streaming pelas plataformas Looke e GooglePlay, mas, por já ter caído em domínio público, pode e é sempre exibido na noite de Natal por diversos canais (abertos ou por assinatura).
Adaptação do conto The Greatest Gift, publicado em 1943 pelo escritor americano Philip Van Doren Stern, A Felicidade Não se Compra se passa na pequena e fictícia cidade de Bedford Falls. É ali que vive George Baily (James Stewart), o qual iremos conhecer desde sua infância, quando pela primeira vez mostrou seu caráter, generosidade e bravura ao salvar o irmão do afogamento depois que ele caiu num lago congelado.
A partir disso, e até se tornar um homem adulto, George passa toda a sua vida dedicada à família e aos amigos, além de comprometido a fazer o bem para todos, ajudando qualquer morador da cidade. O problema é que o altruísmo é sempre seguido de perto por uma sombra que atende pelo nome de egoísmo.
E o egoísta geralmente quer poder, como é o caso do Senhor Potter (Lionel Barrymore), um rico empresário que almeja controlar tudo e todos em Bedford Falls. Após a morte do pai, George Baily mais uma vez se vê obrigado a rever suas escolhas pessoais e, como era de se esperar, prefere olhar para o coletivo. Assim, assume a empresa do pai, um escritório de empréstimo e financiamento que, por conta da generosidade de sempre de George, cria facilidades que ajudam as pessoas a realizarem seus sonhos, como comprar uma casa.
O roteiro de Frank Capra, que contou com a ajuda de Frances Goodrich e Albert Hackett, evidencia de forma clara o antagonismo entre o egocentrismo e a maldade do Senhor Potter e o afetuoso George Baily, um homem respeitoso e respeitado pela comunidade, um modelo de marido e pai, que faz suas escolhas sempre colocando em primeiro lugar as necessidades dos outros. George, evidentemente, não se vangloria dessas qualidades; ao contrário, parece que nem as reconhece em si mesmo. Eis que um dia o tio de George, o senhor Billy, vai até o banco fazer um grande depósito para a empresa. Mas ele, distraído com a presença do maléfico e ameaçador Senhor Potter, acaba perdendo todo o dinheiro.
Trata-se de um infortúnio que pode levar a empresa à falência e George para a cadeia. Sem saber o que fazer, chega a implorar pela ajuda do Senhor Potter, que não hesita em anunciar uma recusa.
Um anjo da guarda sagaz
Desesperado e temendo que sua mulher e os filhos enfrentem a mais completa miséria, George só encontra uma única saída: seu seguro de vida. Mas, para que a esposa possa receber o dinheiro, George evidentemente precisa estar morto. E ele escolhe justamente a véspera de Natal para se atirar de uma ponte no rio congelado.
Quando está prestes a saltar, é interrompido por Clarence (Henry Travers), um velhinho simpático que se apresenta como anjo da guarda. Ainda que Clarence mostre todas as evidências de que está falando a verdade, contando detalhes precisos da vida de George que ninguém mais poderia saber, ele desconfia e continua insistindo na morte. Aliás, George diz que teria sido melhor se ele não existisse.
Clarence, um anjo de segunda classe que prometeu a Deus salvar a vida de um homem para finalmente ser promovido e receber suas asas, decide arriscar: apaga toda a existência conhecida de George e o convence a caminhar pela cidade, encontrar os moradores e mesmo procurar por sua esposa e seus filhos, somente para ver o que acontece. É triste e comovente acompanhar o personagem nesta jornada fracassada, em que ninguém o reconhece e o ignora.
Numa cidade que inclusive não mais existe, agora chamada Pottersville (lembram do vilão, o Senhor Potter ?), George aos poucos e muito rapidamente começa a compreender a real intenção de seu anjo da guarda: fazer com que ele não desista de viver, uma vez que é preciso força, obstinação, perseverança para enfrentar as barreiras da vida. Diante dessa provação, também será revelado a George sua verdadeira importância para tantas pessoas que o admiram e por quem ele fez o bem.
O leitor já percebeu que se trata de uma obra delicada, emocional, lacrimejante e, portanto, edificante. Mas são todas assim as obras assinadas por Frank Capra, um diretor que construiu sua carreira com filmes e personagens que pretendem retratar um mundo melhor, formado por pessoas que acreditam na humanidade e no valor da instituição familiar. Sim, é um filme conservador porque Capra era um conservador cujas opiniões políticas fundiram-se aos seus filmes, promovendo e celebrando o espírito e o estilo de vida americano.
Péssimo para os progressistas, que não têm por onde fugir e negar a genialidade de Capra e a beleza de A Felicidade Não se Compra, uma obra-prima que está entre os 100 melhores filmes de todos os tempos pela American Film Institute.
Marcos Petrucelli, Gazeta do Povo