sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Márcio Coimbra: 'Seremos um porto seguro para empresas'

Especialista em relações internacionais afirma que, para entrar na OCDE, o país não pode retroceder no combate à corrupção e na responsabilidade fiscal


Márcio Coimbra | Foto: Arquivo Pessoal



Especialista em relações internacionais afirma que, para entrar na OCDE, o país não pode retroceder no combate à corrupção e na responsabilidade fiscal


OBrasil foi convidado a iniciar um processo formal de ingresso na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Com sede em Paris, a OCDE foi fundada em 1961, para estimular a cooperação entre países europeus após a Segunda Guerra Mundial. Embora o convite não seja garantia de adesão à instituição, abre a possibilidade para que o país se junte ao chamado “clube dos ricos” e passe a ser bem visto na comunidade internacional, atraindo investimentos.

O convite é um forte argumento para convencer os 38 países-membros a aceitar o pedido de adesão. A mudança tem de ser aprovada por todos os integrantes. Por isso, o processo é longo. A estimativa é que dure de três a cinco anos. O Brasil já aderiu a 103 dos 251 instrumentos normativos exigidos para entrar na organização.

A OCDE deixou claro que, para ser aceito, o Brasil terá de seguir rígidos padrões de preservação ambiental, aprovar reformas econômicas e estabelecer mecanismos de combate à corrupção. Para falar sobre o tema, a Revista Oeste conversou com Márcio Coimbra, especialista em relações internacionais e coordenador na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Confira os principais trechos da entrevista:

Por que é importante para o Brasil entrar na OCDE? Quais áreas da economia se beneficiarão?

O Brasil passará a fazer parte de um clube de boas práticas internacionais. Em síntese, vamos ter um selo de credibilidade, porque a OCDE é prestígio e dinheiro. A OCDE é formada por países que têm arcabouços jurídicos e sistemas de controle confiáveis, economias estáveis, transparência e grau diminuto de corrupção. Ao integrar o “time dos ricos”, o Brasil terá mais confiança perante a comunidade internacional para atrair investimentos. Estaremos no caminho que conduz a uma economia mais liberal, além de fazer uma transição rápida e segura de economia de commodities para economia de serviços. No mundo, fala-se em um novo modelo de economia, com o advento do sistema de telefonia 5G. Seremos um porto seguro para empresas que querem investir capital nesse segmento.

“Os governos Lula e Dilma são os culpados pelo Brasil ainda não ter entrado na OCDE”

O que o Brasil perde estando na OCDE?

Ao entrar na OCDE, vamos competir com outros países de igual para igual. Por isso, perderemos o tratamento privilegiado concedido a países em desenvolvimento pela OMC [Organização Mundial do Comércio], como a tolerância com o protecionismo. Esse “escudo” promete ajudar países em crescimento das garras da competição externa. Avalio que essa perda não será prejudicial, porque o protecionismo, na verdade, mantém os países na pobreza. Quando se criam entraves para o mercado, tem-se a manutenção do subdesenvolvimento. Precisamos de uma economia competitiva e forte, e não dos cuidados de uma babá.

Quais são os próximos passos?

Cumprir as exigências da nova etapa que se impõe e não retroceder no que já foi assegurado até aqui, como o teto constitucional de gastos. Embora o teto não seja um pedido da OCDE, podemos usá-lo como prova de que o país tem um meio de controle das contas públicas. Por isso, é preocupante ouvir propostas que objetivam estourar esse teto. Daqui para a frente, faz-se necessário reduzir a participação do Estado na vida das pessoas, gerar emprego e renda, reduzir os níveis de pobreza e o alto número de homicídios anual. Precisamos também de segurança jurídica e de uma percepção positiva de enfrentamento da corrupção. Se o país estiver disposto a fazer isso e quando alcançar esses instrumentos, entrará para a OCDE.

Essa perspectiva de acesso dá sinais de que a economia brasileira está se recuperando bem?

Não necessariamente. O convite da OCDE para iniciar os debates, que podem culminar na entrada do Brasil na organização, é meramente formal. Não tem a ver com a situação econômica do país, embora ela não esteja ruim. Lembro que, além do Brasil, a OCDE mandou cartas para a Argentina, para a Bulgária, a Romênia, entre outros. Em linhas gerais, o convite significa que esses países conseguiram vencer algumas etapas importantes e que novos desafios estão no horizonte. Compete às nações cumprirem os requisitos do clube até conseguirem entrar.

“O Brasil tem muito a aprender com a Colômbia no que diz respeito ao combate ao crime organizado”

O Brasil está preparado hoje para entrar na OCDE?

O caminho vai ser longo. O Brasil conseguiu cumprir cerca de 40% das exigências da organização. Para alcançar o restante, é essencial viabilizar a agenda de reformas internas e ampliar o combate à corrupção. Nesta semana, um relatório da ONG Transparência Internacional mostrou que retrocedemos no enfrentamento dos corruptos. A OCDE não coaduna com isso, porque afeta a credibilidade de seus membros e é uma das exigências da organização. Se quisermos atingir as metas para aderir à OCDE, teremos de ter um próximo governo, seja este ou outro, com uma base forte no Congresso Nacional e boa vontade do Parlamento, de modo a acelerar a aprovação de boas medidas para o país. Temos de dar valor ao sinal positivo que recebemos da OCDE, ao pavimentar caminho para a nossa entrada.

Em qual país o Brasil pode se espelhar para conseguir cumprir as metas?

O Brasil tem muito a aprender com a Colômbia no que diz respeito ao combate ao crime organizado. Hoje, a Colômbia não é mais refém dos cartéis do tráfico, como nos anos 1990. O governo deles começou a exercer sua autoridade ao enfraquecer a bandidagem. Eles fizeram o dever de casa. Não se pode esquecer também que os colombianos tiveram presidentes compromissados com reformas econômicas. A Colômbia é um país que sempre seguiu o mesmo caminho: o da estabilidade, de ter governos liberais, de centro-direita. Em 2018, a OCDE formalizou um convite para iniciar as discussões que, dois anos mais tarde, culminaram na adesão do país à organização. Naquele ano, eu estava na Colômbia e vi que o Brasil pode se espelhar nesse exemplo.

A maioria das exigências que a OCDE fez ao Brasil foram alcançadas por qual governo?

O passo fundamental veio na administração Michel Temer, responsável por solicitar a entrada do Brasil na organização, em 2018. Durante a gestão Bolsonaro, o então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, deu continuidade à política de entrada do Brasil. O chanceler criou um cargo para cuidar especificamente dessa questão, de modo a acelerar os trâmites de adesão do nosso país. De um modo geral, o trabalho interno para entrar numa organização desse porte é muito difícil, porque envolve negociação com políticos, há interesses, e muitas reformas acabam não andando, sobretudo em ano eleitoral. Precisamos ficar atentos para um possível governo de esquerda no Brasil, o que dificultaria ainda mais o processo.

Quais os deveres de um país-membro da OCDE? Qual a autoridade de cada nação no grupo?

Os integrantes têm de cumprir regras definidas e não retroceder no que já foi feito de positivo em seu país. Estar na OCDE não é garantia de permanência. Para isso, deve-se respeitar uma série de normas, senão, perde-se o lugar. Diferentemente de um organismo internacional, não há um poder supremo ali. Ela é um “clube dos ricos” que exige merecimento, “pagamento de mensalidade” e cumprimento de uma série de regras para fazer parte do grupo. Na OCDE, é possível fortalecer relações com os membros, expandir negócios, entre outros benefícios. Além dos países-membros, a OCDE também possui um grupo de nações consideradas “parceiros-chave”. Esse é o status do Brasil na organização desde o início dos anos 1990. Isso significa que os parceiros-chave têm um papel maior em diferentes órgãos da OCDE, passando a aderir aos instrumentos legais da instituição, além de ser convidados para reuniões do Conselho Ministerial da OCDE.

Durante a campanha eleitoral de 2020, críticos do governo Bolsonaro diziam que, com uma eventual vitória de Joe Biden, os EUA atrapalhariam a entrada do Brasil na OCDE. No entanto, vimos algo diferente. O que houve?

Os norte-americanos não são de criar barreiras. Como eles já haviam dado sinalização positiva para a entrada do Brasil na organização, não descumpririam a palavra. Contudo, isso não quer dizer que, com Bolsonaro ou Lula, a gestão Biden dê novos votos de apoio, sobretudo em razão dos conflitos externos com que eles têm de lidar agora. A relação especial que havia entre Trump e Bolsonaro ajudou bastante, mas não existe mais. Ressalto ainda os esforços do ex-ministro Ernesto Araújo com o ex-chanceler dos EUA Mike Pompeo. Tudo foi fundamental para chegarmos onde estamos. Atualmente, com o chanceler Carlos França, considero que seguimos o mesmo curso de antes, logicamente com algumas dificuldades.

No passado, os governos petistas foram contra a adesão do Brasil à OCDE. Em uma eventual vitória de Lula em 2022, como isso pode impactar na entrada do país na organização?

Uma possível vitória da esquerda é bem preocupante. O Brasil, mesmo em uma época de crescimento econômico durante o primeiro governo Lula, nunca pleiteou a entrada na OCDE. O PT não concorda com os objetivos da instituição, como a disciplina fiscal, a transparência e o combate à corrupção. Em várias declarações públicas, Lula disse que vai acabar com o teto de gastos, rever a reforma trabalhista, entre outras coisas. Já deveríamos ter entrado faz tempo na OCDE. Se, depois da gestão FHC, tivéssemos um governo Serra, por exemplo, não teria dúvidas de que o Brasil já teria aderido à instituição. Os governos Lula e Dilma são os culpados pelo Brasil ainda não ter entrado na OCDE. O Brasil vai retroceder muito se o PT voltar ao poder.

Cristyan Costa, Revista Oeste