Integrantes da cúpula da Procuradoria-Geral da República (PGR) ouvidos em caráter reservado pelo Estado/Broadcast avaliam que não há empecilhos legais para o jornalista Glenn Greenwald ter se tornado alvo de denúncia do Ministério Público Federal (MPF), mesmo sem ser formalmente investigado na Operação Spoofing. Glenn entrou na mira da apuração, que examina a invasão de aplicativos de mensagens de autoridades brasileiras.
Segundo um integrante da cúpula da PGR, que pediu para não ser identificado, uma denúncia pode, em tese, incluir uma pessoa que não era originalmente alvo da investigação – e, embora possa parecer “caça às bruxas”, um jornalista “pode divulgar tudo, mas não pode fazer qualquer coisa para obter a informação”.
Um outro membro da cúpula da PGR aponta que a legislação permite denunciar alguém que nem é formalmente investigado, “desde que se tenha em mãos” elementos suficientes para embasar a acusação.
A opinião é compartilhada por outros membros do MPF, que, mesmo assim, se disseram surpreendidos com a denúncia da Procuradoria da República no Distrito Federal (PR-DF) contra Glenn. O jornalista é acusado de associação criminosa relacionada à invasão e roubo de mensagens de celulares de procuradores da força-tarefa da Lava Jato e do então juiz federal Sérgio Moro, atual ministro da Justiça. Outras seis pessoas também foram acusadas.
Na avaliação do procurador Wellington Divino Oliveira, responsável pelo caso, Glenn recebeu o material de origem ilícita “enquanto a organização criminosa ainda praticava condutas semelhantes, buscando novos alvos, possuindo relação próxima e tentando subverter a noção de proteção ao ‘sigilo da fonte’ para, inclusive orientar que o grupo deveria se desfazer das mensagens que estavam armazenadas para evitar ligação dos autores com os conteúdos “hackeados”.
Perfil ‘proativo’. Um membro do MPF classifica o procurador como “um bom colega”, mas observa que Oliveira “tem rompantes de proatividade que nos deixam perplexo”. Nome desconhecido de procuradores que atuam em Brasília, Oliveira denunciou anteriormente o presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, acusado de cometer crime de calúnia contra o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. A denúncia, no entanto, acabou rejeitada pela Justiça Federal do DF.
Para subprocuradores ouvidos pelo Estado, é possível denunciar alguém que não foi diretamente investigado, mas para isso “são necessárias provas de autoria e materialidade”, ou seja, quando o fato suspeito puder ser demonstrado por meio de documentos. “A questão é que o procurador Wellington Divino considerou que a atuação do Glenn não estaria acobertada pelo exercício regular da imprensa e sigilo de fonte”, afirmou um integrante da PGR.
O caso de Glenn ganha mais nuances porque, além do direito constitucional do sigilo de fonte, o ministro Gilmar Mendes, do STF, concedeu em agosto do ano passado uma liminar a favor do jornalista, quando as mensagens divulgadas pelo site “The Intercept Brasil” provocavam um terremoto político em Brasília e Curitiba. Integrantes da Corte consultados pelo Estado interpretam a denúncia como “desrespeito” à decisão de Gilmar.
Na ocasião, o ministro determinou que as “autoridades públicas e seus órgãos de apuração administrativa ou criminal abstenham-se de praticar atos que visem à responsabilização do jornalista Glenn Greenwald pela recepção, obtenção ou transmissão de informações publicadas em veículos de mídia”.
Para Oliveira, a decisão de Gilmar “criou uma espécie de imunidade especial”, garantindo um ‘salvo conduto’ ao réu de ser investigado. Um ex-integrante da cúpula da PGR reconhece que “é raro” alguém ser denunciado sem ser formalmente investigado, mas avaliou que nas conversas transcritas na denúncia, Glenn “claramente sabe da atividade criminosa”. Para esse procurador, “certa ou errada a denúncia”, é fato que a conduta de Glenn e o tipo de ‘fonte’ que ele aceitou ter e a ela se associou é uma “excrescência”.
Rafael Moraes Moura, O Estado de São Paulo